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Montezuma Cruz

Nem deputados escapam da mira dos jagunços


BRASÍLIA — Ameaçados por dois jagunços armados e impedidos de entrar nas terras, os deputados Walber Guimarães (MDB-PR) e Nunes Rocha (Arena-MT) caminharam 6 quilômetros ao redor da fazenda de Alair Rosa Ribeiro, em Formosa (GO), para conhecer o rancho com cinco crianças órfãs, cuja mãe fora morta por envenenamento. Ela era mulher do posseiro José Fernandes da Silva, convocado para depor na CPI da Terra.
Os capangas esconderam a chave do cadeado e ordenavam que ninguém passasse da porteira da fazenda, a 80 quilômetros de Brasília e a 280 quilômetros de Goiânia. “O deputado Nunes Rocha quis entrar de qualquer forma, usando a prerrogativa de deputado e de membro da comissão; demos a volta na propriedade e entramos”.
Os 400 hectares declarados por Ribeiro passavam de 1 mil ha, constatou Guimarães. “Aquilo é um Jarí!”, exclamou Guimarães. Comparava o tamanho da fazenda com as terras do milionário norte-americano Daniel Ludwig, Daniel Ludwig, que, já na década de 60 possuía uma fortuna avaliada em US$ 3,5 bilhões, conforme a revista Fortune. Ludwig era o maior armador do mundo: acumulava dinheiro obtido com a exploração de minas de ferro na Austrália e de carvão na África do Sul, quarteirões em Nova Iorque, hotéis no Caribe e uma cidade na Califórnia. Não tinha mulher nem filhos, não ria, detestava políticos e impostos. Chegou a ter 1,6 milhão de ha no Pará.
Juízes fazendeiros
A demarcação das glebas guardava marcas da fraude. Alguns juízes de Direito já eram prósperos fazendeiros em Goiás e mandavam incendiar barracos de posseiros. Com base nas denúncias feitas pelos posseiros Edgar Domingos do Nascimento e José Fernandes, deputados estaduais goianos procuraram a Secretaria de Interior e Justiça, pedindo providências ao governador Irapuan Costa Júnior (Arena-GO). Ao mesmo tempo, convocavam para depor o juiz de Direito e o delegado de Polícia Civil de Formosa. Ao Incra sugeriram medir as terras.
Cercada de arame, a posse de José Fernandes era bem cuidada e fora saqueada a mando do juiz de Formosa. Acompanhado de jagunços, o escrivão levou dinheiro e mantimentos da propriedade. Quando os deputados Rocha e Guimarães visitaram a área, depararam com capangas do fazendeiro. Sem roupas de cama, as crianças, filhas de José Fernandes, dormiam no próprio chão do rancho. Não tinham sequer uma xícara para beber café. Viviam numa situação desumana.
A principal razão da suspeição sobre o processo foi o mandado de intimação para que José Fernandes comparecesse ao cartório judicial, a fim de receber 1.600 cruzeiros “depositados nos autos da ação 586 da ação de demarcação de uma gleba de terras na Fazendas Reunidas, Brocotó ou Fábrica, Bandeirinha, Baú e Jenipapo”. O posseiro havia cuidado de lavouras nessas terras. Amparadas as crianças, com o apoio de vizinhos das terras em litígio e das autoridades de Formosa, os deputados retornaram a Brasília e registraram tudo na CPI.
Um povoado inteiro queimado
Havia escravidão em Goiás, Estado que teve a sua própria CPI da Terra, instalada na Assembléia Legislativa. “A meta principal dos grandes grupos era desalojar posseiros com a derrubada de cercas de arame, queima de casas de pessoas com posse até 30 anos”, descrevia o deputado estadual Alziro Gomes. Tudo fotografado e documentado.
A maioria dos juízes em regiões de conflito se deixava seduzir por presentes oferecidos pelos grileiros. A repressão policial era solicitada pelos juízes de Tocantinópolis e Araguaína e ainda pelos executores dos projetos fundiários do Incra, Luiz Carlos Falconi e Edson Paulo Lins, e pelo inspetor florestal Milton Barros Santos.
Com o auxílio da polícia, Edson ordenara a invasão da área da cooperativa de Babacueiras, onde trabalhavam 85 famílias, desde 1950. A área fora adquirida pela própria cooperativa, em janeiro de 1966. Desde a compra manteve a área cercada com os associados dentro. O ato beneficiou o grileiro Antônio Ferreira Maia e seu genro, Júlio Conde Pires. Maia tinha diversas passagens pela polícia, todas por conta de problemas fundiários.
O juiz de Direito de Araguaína, João Batista de Castro Neto, concedia ações de interdito e despejo propostas pelo advogado José Edimar Brito Miranda. As medições contratadas pelo Incra com a Master Planejamento, de Paulo Massi, só eram executadas para quem pagasse 50% adiantado. Havia um conluio entre eles, denunciava.
A violência atingia os posseiros ainda em Itaguatins, Axixá, São Sebastião de Tocantins, Araguatins, Nazaré, Tocantinópolis e Xambioá. Em Ponta Grossa, no município de Araguatins, os jagunços tocaram fogo em casas, deixando ao léu cerca de 400 pessoas. “Assisti a um dos maiores dramas na minha vida: caminhões carregados de posseiros jogavam-nos na beira dos rios Tocantins ou do Araguaia; parecia uma carrada de bois ou de porcos”, descreveu o deputado.
Gomes denunciara a situação à Polícia Federal e ao Serviço Nacional de Informações (SNI). Em menos de dez dias, veio a frustração: o relatório com a sugestão de medidas a serem tomadas já estava nas mãos de juízes e dos grileiros. “Daí para frente passaram a me ameaçar terrivelmente”.
Em Tocantinópolis, os projetos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e os grandes empréstimos do Banco do Brasil atraíam empresas. A Tobasa, de Salim Baruk, obteve 100 milhões de cruzeiros da Sudam, grilou e se considerou dona da área do município de Nazaré, com 13 mil posseiros dentro.
NOTA
A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). 
Fonte: MONTEZUMA CRUZ   - montezuma@agenciaamazonia.com.br - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião

 

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