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Montezuma Cruz

Nordestinos desistem da Transamazônica


MONTEZUMA CRUZ - Agrópolis e rurópolis não dão certo. Abandonados na selva de Altamira, colonos desistem do Pará. A reforma agrária do governo ao longo da Rodovia Transamazônica (BR-230) teve um efeito bumerangue, concluiu a CPI da Terra, em agosto de 1977. A estrada com cerca de 4 mil quilômetros de extensão, ligando o Nordeste à Amazônia, custou US$ 1,5 bilhão e nunca foi concluída. Os ideólogos da intervenção do Conselho de Segurança Nacional (CSN) no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) engoliram seco o seu plano.

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Brasil Grande: eles chegaram de Boeing, mas não suportaram a empreitada. Voltaram para o Nordeste /MONTEZUMA CRUZ
 
Na década de 70, migrantes nordestinos que viviam em clima de tensão social foram levados em aviões Boeing 737 para Altamira, por conta da euforia dos mentores do II Plano Nacional de Desenvolvimento, do “Brasil Grande” preconizado pelo  general Emílio Garrastazu Médici. O terceiro presidente do regime militar planejava ocupar "a terra sem homens com os homens sem terra do Nordeste”.

O então presidente do Incra, José de Moura Cavalcanti, garantia que 500 mil famílias de colonos iriam para Amazônia. Altamira (161,4 mil Km2), a 740 quilômetros de Belém, é o maior município brasileiro e o 91º do mundo, com área superior às da Grécia e do Nepal; é maior também que o Acre e o Ceará.

Ocorreu em Altamira a primeira licitação de terras públicas feita no Brasil, uma cópia dos métodos das sesmarias mediante doações graciosas ou o reconhecimento de posses latifundiárias artificialmente estabelecidas. Sete milhões de hectares foram declarados de utilidade social, para fins de desapropriação, de 1971 a 1973.

Vila Rondon atrai capixabas e cearenses


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Incra paralisou o ousado projeto na Transamazônica quando havia assentado 20 mil famílias / MONTEZUMA CRUZ
Vila Rondon, terra do deputado Jorge Arbage (Arena-PA), membro da CPI, era considerada o QG dos posseiros procedentes do Ceará, Espírito Santo e de outros estados. Gatos (intermediários de mão-de-obra rural) cobravam-lhes 500 cruzeiros, promoviam a viagem e os soltavam ali, mandando que ocupassem, “porque tudo era da União”.

A maioria dos colonos não se acostumou à região. O Incra abandonou-os na mata, “sem a passagem de volta”, relatou à CPI o jornalista Lúcio Flávio Pinto.

Experiência frustrante


Uma classe média rural nasceria nas terras férteis de Altamira, mesclando a atividade agrícola com a conservação ambiental. No papel foi uma beleza. O plano previa a construção de agrovilas (conjuntos de lotes com casas instaladas no espaço de 100 ha).
Se cada uma ficasse com 100 hectares (ha), seriam necessários 50 milhões de ha.

Haveria escola de 1º grau, uma igreja ecumênica e um posto médico. As “agrópolis” reuniriam agrovilas serviços bancários, correios, telefones e escola de 2º grau, e as “rurópolis” um conjunto de agrópolis. E tudo não foi além de algumas agrovilas e apenas uma agrópolis, a de Brasil Novo; uma rurópolis, a de Presidente Médici.
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A BR-230, o maior desafio lançado no governo Médici para ligar o norte ao nordeste, até hoje não foi concluída /IBGE
O Incra desistiu do mirabolante projeto quando havia assentado apenas 20 mil famílias, a maioria delas em condições precárias. Grande parte das áreas arrecadadas pela autarquia nas margens das estradas começaram a ser vendidas em leilão. Investidores capitalizados burlavam a limitação constitucional de 3 mil ha para cada proprietário e arrematavam diversos lotes.


Frases da CPI

AI-5 CONTRA A GRILAGEM

“Se o AI-5 é aplicado para punir políticos, por que não é aplicado para beneficiar a Nação, para beneficiar o coitado que está lá? Eu não apoiei coisa nenhuma. Sou solidário com o presidente Geisel, com a Revolução, porque sou da Arena, mas não estou obrigado a achar que o AI-5 é bom. Sou obrigado a aceitá-lo em solidariedade ao Sistema, a que sou solidário até o último dia. Mas não sou obrigado a dizer que é bom, que é isso, que é aquilo”.

(Do deputado Siqueira Campos, da Arena-GO, depois de considerar desnecessária a aplicação do Ato Institucional nº 5 a juízes corruptos e dizer que a Justiça poderia puni-los).

OS BONS E OS MAUS

“(...) Erros existem, não resta dúvida. E quando defendo o Incra, faço-o sem interesse, porque não tenho nenhuma polegada de terra, não comprei nem o lugar onde ficarei quando morrer. Então, V. Exª. há de convir que o Incra procura acertar, de um modo geral, não só no Acre e na Amazônia, mas em todo o território nacional. Acredito que assim como há bons elementos, bons advogados, bons funcionários, há também os que estão ali para deturpar determinadas instruções dadas pelo órgão. Isso encontramos dentro de nossas próprias famílias, pessoas que não têm o mesmo gênio, o mesmo ponto de vista”.
(Do deputado Nosser Almeida, do Arena-AC, a respeito da atuação dos funcionários do Incra na Amazônia).

EM DEFESA DO INCRA

“Foi o criador do Projeto Ouro Preto, o pioneiro dos projetos do Incra. Ele enfrentou adversidades e posições contrárias da própria cúpula. (...) A ilação maldosa, por ele ter adquirido um pedaço de terra em Rondônia, evidentemente foi uma questão da família dele que, em Goiás, teve suas terras desapropriadas e resolveu se transferir para Rondônia. Nisso não encontro nenhum crime nem imoralidade. Evidentemente, não faltam ilações”.
(Do advogado Amir Lando, em defesa do engenheiro agrônomo Assis Canuto, criador do Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, suspeito de receber propinas para resolver problemas fundiários).
 
POR UM NOVO INSTITUTO

“Deve o Incra, hoje, cuidar da política tributária em todo o território nacional, cobrar impostos do Rio Grande do Sul até o Amapá e Roraima, cuidar dos problemas fundiários, inclusive da reforma agrária; tem que aprovar loteamentos suburbanos em todas as cidades do Brasil, porque terrenos suburbanos estão sob a sua jurisdição (...) No entanto, proponho um novo órgão que, limpo de pesos do passado, possa cuidar apenas do problema fundiário, resolvendo de imediato as preocupações que são de todo o Brasil”.
(Do presidente da Associação dos Empresários da Amazônia, João Carlos de Souza Meireles, ao sugerir a criação de um novo órgão para a colonização).
 
“A advocacia do dr. Agenor é marcadamente mais dos pequenos, dos posseiros. Não obstante, ele é advogado de várias empresas, inclusive do Sul. Creio que não há crime ou qualquer comportamento que possamos admoestar. Ele advoga de forma ampla. (...) Entendo que ele defendeu os interesses dos Irmãos Melhorança, para mim, declaradamente grileiros”.
(De Amir Lando, a respeito do advogado Agenor Martins de Carvalho, depois secretário-geral do MDB, assassinado em 1990).
 
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Jerônimo Santana, relator da CPI da Terra /CÂMARA
“Esse decreto é outra letra morta no contexto das medidas de amparo aos posseiros. No País inteiro não se vê a sua execução. O Departamento de Assistência Judiciária do Incra parece que não funciona. Em Rondônia e talvez no Acre não existe uma ação em favor dos posseiros. O Incra, às vezes, acenava lá com o colono, mas com a polícia dando razão ao grilo, omitindo-se, cruzando os braços para que o grileiro fizesse o que bem entendesse. (...) Recentemente eu trouxe ao conhecimento da Casa uma ação do Incra contra mais de 40 posseiros da região do Burareiro”.
(Do deputado Jerônimo Santana, do MDB-RO, ao se referir ao Decreto 70.430/72, que determinava ao Incra a proteção aos posseiros).


NOTA
A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Fonte: MONTEZUMA CRUZ - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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