Repórter conversa com uma grávida de oito meses, uma pastora, uma estudante da medicina e até dois bebês
JULIO OLIVAR
Agência Amazônia
VILHENA, RO – O local não é o céu. As tensões existem: rusgas entre as mulheres, problemas psicológicos e comida ruim são algumas das reclamações comuns em outros presídios brasileiros. São 36 mulheres e muitas decepções e tragédias pessoais. Mesmo na cadeia, em Vilhena, a 700 quilômetros de Porto Velho, elas não perderam o jeito feminino de encarar a vida. Corajosas e sensíveis na mesma medida trabalham, vêem novela, cuidam de crianças, choram fácil e mantém um inacreditável aspecto de limpeza no “lar” transitório. Alimentam a força de objetivos. Querem ser plenas: estudar, vencer, amar, dar orgulho para seus familiares.
Sem marcar hora, com a intenção deliberada de flagrar possíveis incorreções e abusos, o repórter esteve no Presídio Feminino de Vilhena na tarde do dia 1º de setembro. Não foi preciso “forçar a barra” para ter acesso às detentas, como é comum acontecer em instituições congêneres. Nada tendo a esconder, os diretores Francisco Ferreira da Silva (geral), Jonas Soares Filho (administrativo) e Paulo Ferreira da Silva (segurança) atenderam prontamente e, literalmente, abriram as portas. Foram três horas de conversa com os agentes e com as presas.
Tráfico, o maior motivo
Em vez de descobrir alguma “bomba”, o que o jornalista detectou foram bons exemplos. Méritos da Vara de Execução Penal, dos policiais, de voluntários (Conselho Comunitário, estagiários do curso de psicologia do Instituto de Educação Superior da Amazônia (Iesa), entre outros.
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Mulheres detentas em Vilhena se dedicam ao artesanato e logo terão uma banca na feira livre /FOLHA DO SUL
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Muito além das estatísticas frias que costumam ditar esse tipo de matéria, o mais interessante são os aspectos humanos. E os números não ficam fora: 70% foram presas por tráfico de drogas associado a outros crimes; uma foi condenada por homicídio, uma por furto, uma por extorsão e uma por estupro. De todas, apenas duas concluíram o Ensino Médio, uma é analfabeta e a maior parte (11) tem apenas a quarta série de ensino básico.
Quando entrou nas celas, o repórter foi visto com indiferença. As mulheres faziam tricô, outras viam TV e conversavam ente si. Mal olhavam para cima. Não queriam falar, muito menos serem fotografadas. E ninguém as forçou. Mas bastaram alguns minutos para que abrissem o sorriso triste e demonstrassem uma leveza no comportamento. Algumas desabaram no choro enquanto eram entrevistadas.
Ambiente limpo
Um parêntese: no ambiente nada havia daquela fedentina típica das cadeias brasileiras. Entre as presas, há dois
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A pastora faz orações diárias, possibilitando a auto-estima no lar transitório /FOLHA DO SUL
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bebês de oito meses e uma grávida prestes a dar à luz. Cosméticos espalhavam-se em prateleiras improvisadas, denotando que não deixaram de lado um pouco da vaidade do ser humano. Nas paredes vi fotos dos parentes queridos. Há também tapetes e outras confecções tecidas por elas para vender. Logo, terão um estande na feira-livre. Na visita, tratavam os policiais de “seu Soares” e “seu Francisco”. Com a bíblia sagrada nas mãos, Karina dos Santos, 29 anos, uma delas, mostrou conhecimento da Palavra de Deus. É a “pastora” da cadeia.
Karina faz parte dos fiéis da Igreja Assembléia de Deus. Todos os dias às 19h, ela prega para as colegas. “Seis já se converteram”, alegrou-se. As tatuagens pelo corpo são marcas de “outros tempos” que a reportagem quis saber como foram.
A reportagem não foi buscar no Presídio Feminino nenhuma história da vida pregressa das presas. Não incorreu em indiscrições. Não perguntou que crime cometeram para estarem lá. No entanto, algumas fizeram questão de contar. Foram desabafos voluntários e emocionados.
Gravidez, um presente
É o caso de Ana (nome fictício), 41. Mãe de quatro filhos, o mais velho tem 15 anos. Seu grande temor é tê-lo influenciado a usar drogas. Ana entrou no tráfico “empurrada” pelo namorado. Igual à maioria. Maria (fictício), 37, está no oitavo mês de gestação. Apesar de achar "triste" estar grávida nessas condições, acredita que é bom. Por quê? “Fico longe das drogas, bebidas e outras coisas ruins", diz.
Em todas as histórias estão presentes dois fatores: a opressão masculina e o lar desagregado. A falante e extrovertida Juliana Cabral Silva, 29, é um bom exemplo desse quadro. Filha adotiva, ela cresceu revoltada. Foi sempre iludida por homens. Teve cinco filhos hoje com idades entre três e dez anos – um de cada pai. Mostrou suas tatuagens e traduziu algumas gírias da cadeia: jega = cama, cortina = quieto, bereu = carta, pão = marrocos, marmita = cascudo, privada = boi, banheiro = vaca.
Uma sala de aula e 12 computadores
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O repórter surpreendeu-se com bebês no presídio /DIVULGAÇÃO
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VILHENA – Há euforia com a notícia da instalação de uma sala de aula para as detentas do regime fechado. Ofícios assinados pelos diretores do presídio foram encaminhados para autoridades e empresários pede ajuda para viabilizar a obra orçada em R$ 9 mil. A Vara de Execuções Penais ofereceu 12 computadores. A Secretaria Estadual de Educação firmou o compromisso de ceder professores para as aulas no sistema de Ensino Supletivo.
Entre elas encontra-se apenas uma analfabeta, a sofrida Neuza Ramos dos Santos, 37. Boa parte de sua vida ela viveu no campo, mudando de casa e de cidade. Aprendeu apenas a “desenhar o nome”, como ela diz. Perguntada se está feliz com a anunciada sala de aula, responde com humildade: “Sim, pelas colegas”. Explica que não quer estudar por “vergonha”. “Nessa idade é difícil de aprender”, procura justificar.
Falando relativamente bem o português, Neuza mostra-se inteligente e “despachada”. Incentivada pelas colegas, prometeu ao repórter: “Vou tentar”.
Apenas uma detenta concluiu o Ensino Médio: a ex-secretária Cláudia Cristina Closs, 27, mãe de dois filhos. Para não fugir à regra, ela também “caiu nessa” por influência do ex-namorado. Agora, cultua um sonho: viver e cursar Direito.
Peruanas voltam ao país
VILHENA – Oito mulheres com idades entre 26 e 44 anos, sem passagens anteriores pela polícia, estão presas em Vilhena há um ano por tráfico de drogas. Atualmente estão em regime semi-aberto e trabalham limpando ruas na cidade, sob a supervisão da Secretaria Municipal de Obras.
Diana, a mais jovem, estudava medicina em Lima, capital peruana. Sufocada por problemas financeiros, aceitou trazer cocaína para o Brasil. A caminho de Campinas (SP), foi presa na divisa entre Rondônia e Mato Grosso.
É a mesma história da comerciante Nivessa Patrícia, 37, mãe de três meninos de 16, nove e dois anos. Ela trabalhava vendendo ovos e batatas. Chorando compulsivamente, conta que vivia ao lado do marido – um motorista – a quem mentiu que viria passear no Brasil. Presa em flagrante, contou por carta ao companheiro que estava no presídio.
Três dias depois que o repórter as entrevistou, a Justiça determinou a soltura das peruanas. Elas embarcaram imediatamente de volta para o país de origem.
OAB-AC e defensor público
defendem troca de presos
RIO BRANCO, AC – O defensor público Valdir Perazzo Leite, conhecido na Amazônia por discutir as grandes questões sul-americanas, defende a instalação de um Tribunal Internacional Amazônico. Nos anos 1980 o advogado Perazzo Leite militou em Rondônia, onde foi um dos fundadores do Diretório Regional do Partido Socialista Brasileiro.
“A integração da região fronteiriça Brasil-Bolívia e Brasil-Peru, a que mais se aproxima do Acre e de Rondônia já começa a se dar no plano físico, sob três pilares: democracia, direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Se for candidato à presidência da OAB-AC, irei apresentar proposta para um seminário internacional que discuta esse Tribunal, com sede em toda região abrangida pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Ele prestará serviços à humanidade, discutindo mesmo esse importante problema que é a conservação das nossas florestas”.
Perazzo Leite vem debatendo há quase uma década a situação dos presos estrangeiros no Brasil e dos presos brasileiros em países vizinhos. “Na medida em que o Acre se insere dentro do território da região do Peru, Bolívia, Venezuela, as pessoas vão ter mais facilidade de trânsito dentro do território desses países. Ora, havendo mais trânsito de pessoas, de coisas, como ocorre na Comunidade Européia, a possibilidade de cometimento de delitos vai aumentando. Esses delitos podem decorrer desse trânsito de pessoas, pelas várias possibilidades de mudança de um país para outro e seriam julgados pelo Tribunal Internacional da Amazônia”.
No aspecto da saúde, ele questiona: “Os mosquitos pedem permissão para atravessar de um país para o outro? Claro que não. Então, são problemas de saúde, de comunicação. Em breve vamos começar a ter vários problemas de com comunicação em todos esses países. Problemas trabalhistas, de trabalhadores que vão de um país para o outro, da Bolívia para o Brasil, do Brasil para o Peru”.
O Brasil tem subscrito tratados internacionais de transferências de presos com o Peru e a Bolívia. A maioria esmagadora dos presos estrangeiros no Acre é desses países. Assim, o presidente da OAB-AC, Florindo Poersch, cobra o funcionamento desses instrumentos legais. Ele lembra a existência de outros tratados celebrados com outros países da América Latina: “Eles poderiam servir para esvaziar o nosso sistema desses problemas, e ao mesmo tempo, contribuirmos para que os presos estrangeiros cumprissem suas penas junto às suas famílias, como mandam as leis de tratamento penitenciário internacional”.
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião