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Montezuma Cruz

'O coração do migrante é verde'




RONDÔNIA DE ONTEM 
 


'O coração do migrante é verde' - Gente de Opinião
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias

 


Como explicar o fascínio por Rondônia? Numa sala do Centro de Triagem de Migrantes (Cetremi) em Vilhena o agricultor Antônio Pereira, 41 anos, seis filhos, vindo de Toledo (PR), repetia o que outros colonos já haviam dito, com entusiasmo:


– A gente ouve falar muito bem dessas novas cidades daqui. Eu mesmo quero conhecer Cabixi.


O novo Eldorado embalava os sonhos de cada sulista, sudestino e dos poucos nordestinos para cá transportados em ônibus, caminhões, caminhonetes e automóveis.


– Até cachorros estão chegando ao Território – ri Carlos Alberto Rodrigues Moreira, o gerente do Cetremi. Em agosto de 1980 ele havia presenciado uma cena hilariante: o dono de um caminhão procedente de Mato Grosso vendia dezenas de cachorros vira-latas por duzentos, trezentos e até quinhentos cruzeiros cada um.


Aprovando sem traumas o desembarque de cães como “uma contribuição ao povoamento de Rondônia”, Carlos Alberto só não tirava os olhos dos aventureiros, cuja fisionomia pouco enganava a equipe do Cetremi. Cinco minutos de conversa, três perguntas bem formuladas indicavam se o sujeito de fato viajara quase quatro mil quilômetros em busca do êxito não obtido em sua anterior morada.

'O coração do migrante é verde' - Gente de Opinião


Na medida do possível, procurava dissuadi-los, revelando-lhes as dificuldades de cada rincão a ser ocupado.


– Não tem jeito! Quanto mais eu falo, mais eles se encorajam. O coração do migrante é verde, sempre digo isso. Ele sempre tem esperança em melhorar, por mais difícil que seja a situação a enfrentar – contornava.


Cachorros e aventureiros à parte, o Cetremi preocupava-se mesmo com a mão-de-obra, ainda escassa na região de Vilhena. Ariquemes, a 200 km de Porto Velho, Cacoal, a 480 km e Pimenta Bueno a 500 km associavam-se nas dificuldades existentes no “portão de entrada”.


Se a maior parte das famílias procurava um lote de terras, a construção civil e as madeireiras só preenchiam vagas esporadicamente. Carlos Alberto reclamava, pois obedecia ao plano estratégico de controlar a migração e não raro ouvia o governador Teixeirão dizer bem no seu estilo acolhedor e paternalista: “No meio de cem chegam pelo menos uns 20 desocupados”.


– Que o migrante fique 15, 30 dias ou mais, tudo bem. Mas é preciso mostrar suas habilidades e receber por elas. Hoje temos aqui uma massa de energia dispersa, incapaz de produzir até que o Incra autorize o lote. Pior: uns davam como destino uma região e tomavam o rumo de outra. Exerciam na essência e na prática o direito de ir e vir.


Surgiam então idéias brilhantes, todas, porém, sem o apadrinhamento do Senai, do Sesc, do Sebrae ou o S que fosse. Na época, esses serviços ainda estavam distantes do interior.


Uma das sugestões de Carlos Alberto foi criar um campus para a especialização de mão-de-obra “daqueles que chegam inseguros quanto ao futuro”. No fundo, ele queria pôr os aventureiros no batente e ver o resultado. Utópico, já que não havia energia elétrica suficiente para mover dez marcenarias juntas e, ao mesmo tempo, iluminar quinhentas casas.


No finalzinho da vida territorial, bem próxima do advento do novo estado Rondônia seguia misturando a qualificação de “famosa na TV” à carência de recursos para áreas técnicas e socioambientais.


O Cetremi colaborava com a migração rumo à Amazônia, cumprindo os desígnios da notável “Marcha para o Oeste” concebida no século 20, quando o governo brasileiro se incomodava ao ver grande parte do território nacional ainda desconhecida, hostil e mitológica para a maior parte dos brasileiros.


Sessenta anos depois dessa marcha, o Incra absorvia futuros ocupantes da parte mais oeste do Brasil. E por mais que o Cetremi adotasse o didatismo, não evitaria que 90% dessa gente iniciasse uma série de derrubadas da floresta. Que aumentariam a partir dos primeiros efeitos do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), concretizando-se depois, por imposição do próprio Incra: só obteria título definitivo da terra e financiamento bancário a pessoa que fosse casada e desmatasse 50% do lote. Deu no que deu.
 

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Publicado semanalmente neste site, no RondôniaSim e no Correio Popular.

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