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Montezuma Cruz

O equívoco do presidente ao tratar a Globo e Folha de S. Paulo como lixo


O equívoco do presidente ao tratar a Globo e Folha de S. Paulo como lixo - Gente de Opinião

A rede de televisão e o jornal são responsáveis, em larga medida, pela melhoria da apuração do jornalismo brasileiro. Há quem aposte que os extremos se tocam. O PT não é de extrema esquerda, mas seu discurso contra a Globo e a “Folha de S. Paulo”, principalmente depois das quatro vitórias presidenciais, mas até antes, não era muito diferente do discurso do presidente Jair Messias Bolsonaro. Talvez o palavreado fosse menos agressivo.

Não há imprensa independente. Não há imprensa isenta. Não há imprensa imparcial. Certos mitos, de pés de barro, são vulgarizados e há quem acabe acreditando neles — até jornalistas, notadamente autores de artigos e editoriais. A melhor imprensa — ou “mídia”, dirá Bolsonaro — não é a que se apresenta como “isenta”, ou “imparcial”, e sim a que trabalha para ser a mais objetiva possível. 

A objetividade total é como a perfeição: não existe, é ficção. Mas o máximo de objetividade, de exposição de opiniões contrárias — daquilo que as partes de uma contenda, digamos, acreditam ser “fatos”, seus “fatos” —, ajuda a dotar os jornais, revistas e emissoras de televisão de mais credibilidade.

O problema é que, num mundo conflagrado, com as bocas armadas com palavrões poderosos — verdadeiros punhais verbais —, “credibilidade” é uma palavra que parte do público parece não levar tão a sério. A rigor, pela média do que se lê por aí, ninguém tem “credibilidade”. Fato ou não?

Na verdade, mesmo aqueles que desrespeitam a imprensa com frequência, quando querem notícias sérias, mais abrangentes, com nuances, procuram se informar, quando querem mesmo se informar, nos jornais e revistas dos quais, como militantes, são críticos viscerais. Mesmo o militante, para se inteirar do quadro real do país, e se não estiver com a cachola totalmente obliterada pelas ideologias, procura informações objetivas sobre, por exemplo, a economia. Não há, pelo menos ainda não há, nas redes sociais quem informe sobre economia de maneira tão abrangente quanto o jornal Valor Econômico, a revista Exame e mesmo jornais não especializados, como Folha de S. PauloEstadão e O Globo, que contam com jornalistas experimentados para decodificar os fatos, os dados — tornando-os acessíveis aos leitores.

Os que falam “Globo lixo”, como os bolsonaristas, ecoando os petistas do passado, abdicam de quaisquer parâmetros ao criticar a mais importante rede de televisão do país.

O padrão jornalístico da Globo é equivalente ao de grandes redes do exterior. Perfeita, claro, não é. Mas nota-se que Ali Kamel e seus auxiliares operaram uma formatação — iniciada ou potencializada pelo notável Evandro Carlos de Andrade — cujo objetivo é apresentar os fatos de maneira ampla, eventualmente pontuando-os com alguma opinião. Apresenta-se uma denúncia e, ao mesmo tempo, abre-se espaço para a defesa. Há casos em que a defesa não quer se pronunciar — e talvez seja necessário ampliar o espaço para os denunciados —, mas as pessoas são procuradas para expor o contraditório. Até o pior bandido tem o direito de expor sua versão.

Portanto, comparar a Globo com “lixo” resulta da falta, cada vez mais frequente, de parâmetros. Não é uma crítica, e sim um mero ataque. Mas, quando o ataque é feito pelo presidente da República, uma autoridade, é mais grave do que as guerras das redes sociais. O que se espera do mandatário-mor do país é, além de diplomacia, capacidade de expressar uma crítica lógica, fundamentada e o mínimo de decoro.

Folha de S. Paulo é outro alvo de Bolsonaro, que a chama de “porcaria” e “merda”. Mais uma vez, falta parâmetro. Não há dúvida de que a maioria dos colaboradores do jornal paulista é crítica do presidente. São de esquerda porque são críticos? Na verdade, há gente de esquerda (não ortodoxa), no jornal, criticando o chefe do Executivo federal. Mas a publicação impede a edição de textos de articulistas pró-governo? Não, possivelmente.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe que, assim como a Globo, a Folha, ao lado de O Estado de S. Paulo — que mantém o articulista José Roberto Guzzo, jornalista notável, defendendo Bolsonaro e seu governo — e de “O Globo”, está acima da média, em termos de qualidade editorial, de jornalismo objetivo, e de tratamento dado ao seu quadro de funcionários. Portanto, não deveria ser chamada de “porcaria” e “merda”. Se errou, como aponta o presidente, certamente, até por “pressão” da crítica da ombudsman, fará a correção.

Há, na imprensa, uma histeria contra Bolsonaro? O fato é que, durante muito tempo, a imprensa patropi era o sorriso do governo e a cárie da sociedade, mas acabou se tornando o sorriso da sociedade e a cárie do governo, e os governantes, logicamente, rejeitam a conduta, pois querem, todos eles, ser adulados.

Por causa dos excessos de Bolsonaro, a imprensa deve adotar uma espécie de vendeta contra seu governo? Não. Deve insistir no equilíbrio, manter suas instâncias críticas e radicalizar o espaço para o contraditório.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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