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Montezuma Cruz

Onoda sai da floresta filipina e vira fazendeiro em Mato Grosso


 

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1975 –  A equipe do Correio do Estado, incluindo dois tradutores, se encontra com Onoda, na sede da propriedade que ele adquiriu em Terenos. O agente japonês está entre os repórteres Hordonês Echeverría e Montezuma Cruz
 

MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias


Quando Hiroo Onoda foi persuadido a voltar para o Japão, onde o receberam como herói em 1974, seu irmão Tadao o aguardava em São Paulo. Três anos depois de abandonar a Ilha de Lubang, nas Filipinas, onde ficara 30 anos sem saber que a Segunda Guerra Mundial havia acabado, o ex-tenente do Exército e agente secreto Serviço Secreto Japonês voltava à vida civil, tornando-se proprietário de 520 hectares em Terenos, a 53 quilômetros de Campo Grande (MS), onde criaria bois.

Vivíamos no velho Mato Grosso, ainda não dividido. Com a ajuda dos intérpretes Eiji e Massuki Kanezaki, eu e os colegas Hordonês Echeverría e Fausto Brites fomos recebidos por ele na casa construída de peroba, com oito cômodos, quadros nas paredes e área espaçosa, no cerrado, perto da rodovia BR-262. “O Japão pensou que eu havia morrido”, foram suas palavras iniciais para o Correio do Estado.

Onoda, faixa preta em kendô e jogador de beisebol, mostrava-nos um exemplar do livro dele, No surrender My thirty-year war (“Nada de rendição – Meus 30 anos de Guerra”), um tantô (punhal de lâmina de ferro, afiada), uma caixa com “santos da Índia”, um troféu de reconhecimento do governo dos Estados Unidos e cópias de reportagens de jornais a seu respeito.

Diante de nós, um homem com 53 anos que, após o ataque americano ao Sul da China, ignorava o final da guerra e se refugiava na floresta, a 140 quilômetros de Manila, de onde caminhava também para uma região montanhosa a 600m de altitude, dormia no chão e, quando chovia, abrigava-se numa choça de madeira nativa construída com a ajuda de outros refugiados. Comiam bananas com casca, coco, jaca, mandioca, goiaba e outras frutas.

A vida de Onoda foi repleta de aventuras. Ele e os companheiros saqueavam pequenas aldeias em Lubang, abatiam bovinos, geralmente de pouco peso. A carne rendia o suficiente para o abastecimento durante um ano. Quando era impossível capturar bezerros e vacas, eles caçavam búfalos e cavalos, preparando carne seca.

Os companheiros foram embora em 1954, restando apenas Onoda, Akatsu, Kozuka e Shimada. Depois, Onoda ficaria sozinho durante um ano e meio, como se fosse um náufrago. Imagine-se a situação do jovem estudante do curso científico em Wakayama que ingressara no Exército aos 20 anos e três anos depois galgava o posto de tenente, logo recebendo a missão de agente secreto.

Para os irmãos dele, Toshio, Tadao, Chie, Shigeo e Ai, ele teria morrido. Ao constatar, por meio de uma carta recebida de familiares, entregue por um desconhecido, que a guerra de fato acabara há muito tempo, Aktasu partia em 1971 para o Japão, enquanto Shimada e Kozuka morriam fuzilados ao tentarem abandonar a ilha, depois de alcançar a costa.

Onoda furtara um aparelho de rádio de uma patrulha costeira filipina e conseguia orientar-se pela posição da lua. Sintonizava rádios da Austrália, Coreia, China, Moscou e Japão.

“Nunca me senti só, não tinha medo de nada, medo para quê?”, relatava-nos. O fuzil guardado por três décadas ele entregaria ao então presidente das Filipinas, Ferdinando Marcos, em 1972. “Sem que o povo de Manila soubesse, voei para lá de helicóptero e depois do ato de rendição, ganhei uma passagem de avião para Tóquio”.

Antes de ir morar em sua fazenda, em Terenos, onde ainda passou um tempo sozinho, Onoda conhecia São Paulo, Santos e Rio de Janeiro. Frequentava associações de imigrantes e se reunia com pecuaristas em Presidente Prudente.

Em dois de maio de 1976, depois de ter 70 pretendentes, Onoda casou-se no religioso com a professora de cerimônias de casa de chá Machie Onuki, então com 38 anos, recém-chegada ao Brasil e recomendada por um superior dele.

A cerimônia celebrada pelo padre Inácio Takeuchi, em São Paulo, contou com a presença de representantes do governo japonês, do então governador paulista, Laudo Natel, e do então deputado Diogo Nomura. Foi documentada por repórteres e cinegrafistas do Canal 8, TV Fuji, e Canal 1, NHK, e do jornal Nihon Hoso Kiokai, órgão oficial nipônico. Em Campo Grande ele fez a união civil, em cerimônia no Cartório Santos Pereira, cujas fotos o jornalista Fausto Brites guarda como lembrança.

NOTA

Quinze anos depois do "furo" do Correio do Estado, a TV Globo "descobriu" Onoda em Mato Grosso do Sul.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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