Domingo, 30 de janeiro de 2022 - 10h46
Está clara a estratégia dos
organizadores da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) para
reverter a preferência nas pesquisas do ex-presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva (PT-SP). Vão colocar gente sua nos comícios públicos de Lula para
chamá-lo de corrupto e ladrão. Infiltrar pessoas no comício de adversários
políticos durante a campanha é uma prática antiga que acontece nas melhores e
mais sólidas democracias do mundo. Então, qual é a novidade?
É aquilo que os antigos editores
das redações dos tempos das máquinas de escrever chamavam de “pano de fundo”.
As eleições deste ano vão acontecer em um ambiente que combina uma série de
crises, citando apenas as duas maiores: a da economia, com desemprego, inflação
e centenas de famílias passando fome.
E a da saúde pública, provocada
pela negligência do governo federal no combate à pandemia da Covid-19, como
contam as 1,3 mil páginas do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da
Covid-19 do Senado, a CPI da Covid. É sobre isso que vamos conversar, a soma de
todas as crises e a disputa eleitoral.
Vamos aos fatos. Tenho dito nas
minhas conversas com os colegas das redações do interior do Brasil e estudantes
de jornalismo que o ouvido do repórter precisa funcionar como se fosse um sismógrafo,
aparelho que detecta terremotos.
Nos últimos três meses, tenho
dedicado uma parte importante do meu tempo a assistir os canais de TV, ouvir as
emissoras de rádio e ler os jornais e sites que se perfilaram ao lado do
presidente Bolsonaro, defendendo as teses bolsonaristas. Não vou citá-los
porque considero um direito deles, inclusive assegurado pela Constituição, de
defender quem eles bem entendem, respeitando a legislação. Mas vou falar no
atacado.
Os comentaristas políticos desses
veículos acreditam que vão chamar Lula de ladrão e corrupto nos comícios e
ninguém vai reagir. Evidente que vai ter reação. E se tiver reação e a coisa
descambar para a pancadaria? Não acredito, porque o país tem leis e gente que
cuidam delas para manter a disputa política dentro da normalidade.
Acrescento que, ao contrário do
que aconteceu em 2013, quando um levante popular levou milhares de pessoas às
ruas de 500 cidades brasileiras reivindicando uma pauta difusa, hoje os
brasileiros sabem exatamente o que querem no futuro próximo do país: emprego,
vacina contra a Covid e tranquilidade para tocar a vida.
As eleições não envolvem só Lula
e Bolsonaro. Há vários outros candidatos, como Ciro Gomes (PDT-CE), João Doria
(PSDB-SP) e Sergio Moro (Podemos-PR). Isso significa que há muitos interesses
políticos, econômicos e sociais em jogo. Em uma conversa que tive com um velho
e experiente comentarista político de São Paulo, ele me alertou que só com o
andar da campanha as coisas começarão a se definir. E o que nós publicarmos agora
definirá como será o jogo da disputa eleitoral.
Daí a importância da atenção do
repórter envolvido na cobertura do dia a dia em ter clareza em diferenciar o
fato da opinião. Alerto o seguinte. Na maioria das vezes uma argumentação cheia
de citações de fontes, números e outros recursos não significa que seja um
fato. Mesmo que tenha saído da boca de uma autoridade.
Lembro o seguinte. Em anos
eleitorais, faz parte da estratégia de quem está no poder colocar ministros à
disposição das rádios, TVs, jornais e sites do interior do Brasil para falar
sobre o andamento da sua pasta. Já trabalhei no interior. Sempre que se tem
acesso a uma autoridade, o que ela diz é manchete de capa do noticiário.
Seja lá o que for que virá por aí na campanha eleitoral, o certo é que nós jornalistas teremos a grande chance de testemunhar e registrar um dos momentos importantes da história do Brasil. Como já disse. Não é mais uma eleição. É uma disputa política que acontecerá tendo como pano de fundo a soma de todas as crises brasileiras. Não é pouca coisa.
Para os repórteres novatos eu lembro que mesmo em tempos normais a cobertura eleitoral dificilmente é simples. Na maioria das vezes é complexa devido ao volume de interesses em jogo. Dentro desse contexto, a melhor maneira do repórter proteger a qualidade do seu trabalho é se manter bem informado para não escrever bobagens. E a maneira de fazer isso é escrever de maneira simples, clara e revisar o texto para ter certeza que não deixou nenhuma porta aberta para interpretações malucas sobre o que foi escrito.
O nosso trabalho vai ser facilitado porque já existem funcionando no Brasil um bom e qualificado número de agências de verificação dos fatos. Essas agências evitam os erros grosseiros. Agora, não há quem salve a desatenção do repórter durante a apuração do fato. Essa desatenção é uma porta de entrada das fake news para as páginas do noticiário.
Vou deixar claro que estou falando da desatenção causada pelo excesso de trabalho do jornalista. Não estou falando da sacanagem. Até porque ela é um caso de polícia e não vem ao caso misturar as coisas. Estou falando para os colegas que praticam o velho e bom jornalismo. Ele tem lá as suas imperfeições, como me atirou na cara um dia desses um velho caminhoneiro aposentado.
Mas ele foi, é e continuará sendo a bússola da civilização. Tenho muitos prêmios de jornalismo. Mas o maior deles é ter uma reportagem citada por um cientista ou historiador que está envolvido na pesquisa dos fatos de uma época. Nessas ocasiões, ter um “ouvido de sismógrafo” é importante para o repórter ter uma ideia das entranhas do fato.
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O autor é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.
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