MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
ENVIRA, Sudoeste do Amazonas – Este município fica na floresta. É protegido por uma força de cinco soldados, um cabo e dois sargentos da Polícia Militar. Eles são suficientes, já que o índice de criminalidade é próximo de zero. Para sair da cidade, os habitantes têm de usar o rio. Envira não é ligada por estradas de rodagem a qualquer outro município. Encostada no Acre, esta pequena cidade se empenha em produzir, vender e prosperar.
É um exemplo da força e da persistência desse setor econômico. Dele, em grande parte, o País dependerá para superar as atuais dificuldades econômicas causadas pela crise financeira mundial. Da sua antiga área de 12,7 mil quilômetros quadrados os envirenses acabam de perder 5,8 mil Km², quase a metade de seu território, para os vizinhos acreanos.
A decisão foi tomada em 2008 pelo Supremo Tribunal Federal. Os 6,9 mil Km² restantes são, em sua grande maioria, aproveitados pela agricultura. Envira cultiva mandioca, arroz, feijão, milho, açúcar, hortaliças, banana, e diversos tipos de frutas. Há também o que vem do rio Tarauacá, um afluente do Juruá. Os peixes são consumidos na cidade e também "exportados".
Conquistar Manaus
Envira tem uma enorme vontade de ser um dos principais fornecedores de Manaus, a capital amazonense. É uma tenacidade que poder servir de exemplo a qualquer produtor rural, grande ou pequeno, exportador ou não. Conquistar o mercado de Manaus é a energia que move os 17 mil habitantes dessa pequena cidade.
Se há dificuldades em Envira – e pode-se apenas imaginar como é difícil produzir e vender a partir de uma localidade distante de todas as capitais da região amazônica –, há também muita esperança. Este ano os envirenses vão retomar a participação na feira diária do CIGs, em Manaus. CiGs é a abreviatura de Centro de Instrução de Guerra na Selva, do Exército Brasileiro.
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Milho, nas mãos do secretário de Produção, Eron Bezerra / JIMMY CHRISTIAN |
Cesta semanal
A feira, que ocorre em Manaus, é feita em parceria com a Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), do Governo Estadual do Amazonas. "Já virou hábito o consumidor fazer a cesta semanal nessa feira", comenta o presidente da ADS, Valdelino Cavalcante.
Em apenas um ano de atividade, a feira movimentou R$ 1,5 milhão, comercializando 300 toneladas de carne, peixes, hortaliças, polpas, frutas, artesanato, mel e outros produtos. Envira também participará dos estandes da Exposição Agropecuária do Amazonas (Expoagro), cuja 35ª edição foi promovida em novembro de 2008, com 450 mil visitantes, e 280 expositores. A Expoagro vem crescendo ano a ano.
Em 2008 movimentou R$ 24 milhões, R$ 2 milhões a mais do que em 2007. Cavalcante, que trabalhou quatro anos em Envira, analisa outros feitos da Expoagro: "Do segundo leilão de ovinos participaram 44 criadores. Tivemos diversos cursos e palestras, especialmente sobre a transferência de tecnologia, de retirada de espinha de peixe, de ovinocaprinocultura e de citricultura. O pirarucu de Mamirauá esteve nas bancas".
Milho e arroz
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Mattos: retomada /AG. SEBRAE |
Até 2004, Envira colhia anualmente 450 toneladas de arroz e 600 toneladas de milho. Havia uma Festa do Milho no município. No atual ano agrícola, espera-se 400 toneladas de milho, o que não é ruim, tendo-se em vista a perda de área para o Estado do Acre. Aliás, o que se nota é que a produtividade aumentou. A farinha de mandioca, cuja produção vem sendo retomada no Vale do Juruá, rendia 200 toneladas/mês e era comprada por lotes, já que sua aceitação na merenda escolar animava os pequenos agricultores.
Essa facilidade acabou, mas o recém-nomeado secretário municipal de Produção, Joandre Mendes de Souza, pretende lutar para que a merenda volte. "Não podemos abrir mão da macaxeira; já recomendamos que guardem manivas de qualidade", ele diz. Na administração anterior, o município também perdeu o contrato da venda do açúcar mascavo que fornecia à indústria da Coca-Cola em Manaus.
Nas portas do MDA
Mas Envira se anima com a mais recente conquista: por emenda individual do deputado Francisco Praciano (PT-AM) ao Orçamento Geral da União, este ano o município irá ganhar cinco casas de farinha com poços artesianos, forno mecânico, triturador e prensa. Nos municípios vizinhos do lado acreano, os prefeitos começam a conhecer técnicas da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical (de Cruz das Almas, Bahia) para a fabricação de beijus coloridos, pizza e suco de mandioca, próprios para essa merenda.
O prefeito Rômulo Mattos (PPS-AM) planejou por onde começar a agir para apoiar os produtores de Envira. Será pela infra-estrutura. "Precisamos recuperar armazéns e os espaços de secagem ods grãos. Só a "peladeira" (beneficiadora) de arroz terá um custo aproximado de R$ 50 mil", diz ele. A balsa que escoava a produção está avariada no barranco do rio e as debulhadoras que atendiam produtores nos rios Envira, Tarauacá, Jurupari e Acuraua permanecem paradas. Mattos não tem dúvida de que apelará ao governo estadual e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
"No dia nove de fevereiro vou bater às portas do ministério, em Brasília", anuncia. É justo, já que a cidade perdeu metade de sua área. Alguma ajuda aos cidadãos de Envira já foi prometida.
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Viagem de produtos da região até Manaus demora entre 15 e 20 dias / JIMMY CHRISTIAN |
Safra agrícola viaja 3,6 mil Km por rios;
em linha reta seriam "apenas" 1,2 mil Km
ENVIRA – Se quiser, a agricultura do Vale Tarauacá-Envira entra no Guiness Book (Livro dos Recordes): grãos, frutas, farinha de mandioca e de peixe viajam de barco 3.496 mil quilômetros, de Envira a Manaus, durante 15 a 20 dias. É um recorde nacional de "passeio da safra", reconhece o Ministério da Agricultura. Em linha reta seriam "apenas" 1.218 Km.
A saga dos pequenos produtores da região de influência do rio Juruá impõe riscos. A distância é o pior deles. É preciso força, técnica e criatividade para percorrer esse caminho e obter êxito nos negócios. Assim, a ADS e a Secretaria de Produção Rural do Amazonas destinarão este ano a Envira um abatedouro; dez máquinas debulhadoras de milho; um secador para cereais; um viveiro de produção de mudas; uma balança empacotadora; uma fábrica de gelo; uma mini-patrulha agrícola; um barco; uma beneficiadora de feijão; uma câmara fria de sementes e uma estação pós-larva. (M.C.)
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Mandioca, base para futura microdestilaria de etanol em Jordão-AC / AG. AMAZÔNIA |
Separados pelo mapa,
unidos pela mandioca
RIO BRANCO, AC – O Acre tem um projeto alcooleiro para o município de Capixaba, na microrregião de Rio Branco, próximo à BR-364. No outro extremo do estado, o Vale do Juruá arregaça as mangas para iniciar, possivelmente este ano, a instalação da primeira microdestilaria de etanol de mandioca, fruto de um estudo do doutor em Agronomia Diones de Assis Salla, da Área de Concentração em Energia na Agricultura.
A decisão do STF transferiu terras de Envira (AM) para Jordão (AC), mas a mandioca poderá unir os interesses dos dois municípios, prevê Salla. "A classe política acredita nessa alternativa, porque sabe da existência de um vasto mercado à espera de álcool neutro: indústrias farmacêuticas, de bebidas e de cosméticos. O mercado asiático, por exemplo, não consome álcool oriundo de plantas do tipo C4 (milho e cana-de-açúcar); somente consome álcool do tipo C3 (mandioca, arroz, batatas e outras raízes). Isso significa dinheiro", explica o cientista.
A 640 Km de Rio Branco, Jordão, 6,3 mil habitantes, ostenta a maior taxa de analfabetismo do País – 60,7% da população com 15 anos ou mais não sabe ler ou escrever e tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil e o menor de toda a região Norte. É um isolamento de dar dó. Em conseqüência disso o litro de gasolina custa atualmente, ali, R$ 4,30; a lata de leite em pó, R$ 14; e o botijão de gás de 13 kg, R$ 65. Uma viagem de barco entre Jordão e Tarauacá demora cinco dias. A passagem de avião para Rio Branco, cerca de 700 Km, custa R$ 400.
O incentivo à produção de mandioca é feito com recursos do Orçamento Geral da União. Coube à Embrapa-AC parte dos R$ 6 milhões solicitados pelo deputado Fernando Melo (PT-AC) para aquisição de 200 microtratores que serão usados na melhoria do solo e para a construção de um centro de tecnologia da mandioca com sede em Rio Branco e extensão em Cruzeiro do Sul.
"A mandioca não polui, nem desmata, por isso os prefeitos querem aproveitar áreas já degradadas", lembra Melo, que é membro da Comissão de Agricultura da Câmara e autor de emendas que contemplam o setor. "O DNA da planta-mãe, feito pelo pesquisador Luiz Joaquim Castelo Branco, da Embrapa, revela que a mandioca tem 12 mil anos e é originária das terras amazônicas", ele acrescenta. (M.C.)
POPULAÇÃO RURAL
● O Vale Tarauacá-Envira possui uma área equivalente a 32,6% do território acreano, de 153.149 Km², habitados por 74,7 mil pessoas – 10,9% da população do Estado. A exemplo de outras regiões, mais da metade da população de Feijó, Jordão e Tarauacá mora na zona rural.
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião