Quarta-feira, 3 de outubro de 2007 - 09h39
Com voracidade, fazendeiros desviam dinheiro da Sudam. A pecuária “era essencial para o processo de ocupação”.
MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br
BRASÍLIA – Nada mais profético. O deputado Jerônimo Santana (MDB) cita o ex-ministro da Agricultura e presidente do Incra, José Francisco de Moura Cavalcanti, para lembrar que a Amazônia seria ocupada pela pata do boi. O titular da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Hugo de Almeida nega, afirmando que, em algumas áreas, “ela já cumprira sua missão”.
Foi apenas o começo de mais um caloroso debate na CPI da Terra. “Para algumas áreas do Território de Roraima, isso tem validade, mas não digo a mesma coisa para o Território de Rondônia nem para o Sul do Pará, nem para a Pré-Amazônia Maranhense”, afirmava Almeida em seu depoimento.
O representante dos interesses dos fazendeiros que se beneficiavam dos incentivos fiscais da Sudam fazia ver aos deputados que a pecuária numa área pioneira “tinha a função de deflagrar o processo de atividade econômica – não de desenvolvimento econômico – que deverá, imediatamente, ser complementado”.
Almeida levava à CPI alguns estudos da Sudam, órgão que congregava a nata do empresariado rural, empresas automobilísticas e, evidentemente, bancos. Todos, com discurso centrado no II Plano Nacional de Desenvolvimento, do qual era parte o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia.
Assim, desviaram muito dinheiro para outras finalidades, inclusive para campanhas eleitorais, conforme constatou a Justiça. Um dos casos mais conhecidos foi o da Agropecuária Santa Julia, de José Osmar Borges – ex-sócio do deputado e ex-senador e governador do Pará, Jader Barbalho (PMDB). Ele obteve 320 mil cruzeiros em 1972 que deveria investir em pecuária extensiva numa área de 30 mil hectares, próxima a Porto Velho. Um ano depois tinha apenas 1 mil ha formados com pastagem. Foi obrigado a paralisar o projeto, porque o título da terra era ilegal.
Dezoito anos mais tarde, o empreendimento, nunca fiscalizado, transferiu-se para Mato Grosso e voltou a receber incentivos da própria Sudam, que não poderia ter aprovado o projeto sem ver a certidão de registro do imóvel, comprovando o direito de propriedade. Em assembléias festivas, nas capitais dos estados amazônicos, o Conselho Deliberativo (Condel) da Sudam despreocupava-se com o futuro. Limitava-se a aprovar os projetos. Todos.
Desvio de dinheiro...
De lá para cá, muito dinheiro foi desviado. De uma só vez, em maio de 2007 o juiz federal de Altamira, Herculano Martins Nacif, sentenciou 17 processos propostos pelo Ministério Público Federal contra diversas pessoas acusadas de desviar R$ 58 milhões (valor não atualizado) da Sudam, por meio de fraude na aplicação de recursos dos incentivos fiscais em projetos incentivados. O juiz decidiu extinguir os feitos sem julgamento do mérito, sob alegação de que o MPF “não tinha legitimidade para propor as ações, por improbidade, porque em nenhuma delas há servidores públicos federais envolvidos, apenas particulares”.
Se prevalecer o entendimento do juiz singular, o dinheiro público desviado dificilmente poderá ser ressarcido. O bloqueio dos bens, por meio de medidas cautelares anteriormente concedidas pela justiça, juntamente com a quebra do sigilo dos acusados, visava garantir a devolução do dinheiro público, no caso de sentença condenatória. A partir da ratificação da decisão do juiz de Altamira, cessará essa limitação: os proprietários dos bens voltarão a dispor livremente deles. Poderão vendê-los, se quiserem, pondo fim à garantia.
...e impunidade
É incalculável o quanto se desviou de dinheiro da Sudam, desde o final da década de 70. Em 2006, três anos depois de oferecer denúncia à Justiça contra mais de 40 políticos, empresários e funcionários públicos acusados de terem recebido mais de R$ 1,2 bilhão da Sudam, sete procuradores da República com nos Estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Tocantins frustraram-se ao constatar o enriquecimento de todos os indiciados nos 11 inquéritos instaurados e nas ações civis públicas. Eles estão em liberdade.
Depois de ouvirem centenas de testemunhas e acumularem quase meia tonelada de documentos comprovando as fraudes na autarquia, procuradores, delegados e agentes da Polícia Federal concluíram que nenhum real sequer, do total bilionário de recursos roubados da Sudam, retornou ao Tesouro Nacional.
“Limpeza de área”
O bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, denunciava em 1977 o terror contra os posseiros de Santo Antonio, no Vale do Araguaia. Na margem direita do Rio das Mortes, a mais de 700 quilômetros de Cuiabá, capital mato-grossense, o Grupo Abdala Zarzur insistia na expulsão das famílias para formar pastagem.
Segundo o bispo, o comandante das operações de “limpeza de área” era Décio Felipe, empreiteiro da Companhia de Desenvolvimento do Araguaia, que intimidava os posseiros exibindo uma carteira de agente do Serviço Nacional de Informações (SNI).
O ex-ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima, reforçava as constatações da CPI. Alertava que a distribuição da terra, desacompanhada de assistência técnica e de condições de escoamento e comercialização do produto agrícola, não produz conseqüências duradouras. “Desassistido, o pequeno proprietário é presa fácil dos poderosos que acabam por retomar-lhe a terra dentro da chamada economia de mercado puro”, afirmava.
Acre vira latifúndio paulista
BRASÍLIA — O ex-ministro Cirne Lima* criticava a superposição de órgãos, por vezes conflitantes, no trato da ocupação de novas áreas. “Sudam e Sudene não demonstram qualquer desafeição pelo latifúndio”. Para o ex-ministro, era prejudicial à reforma agrária a aprovação de projetos extensos, sem qualquer resguardo das posses por ventura existentes nas áreas.
Foi dele o decreto 70.430, de 17 de abril de 1972, estabelecendo que as pessoas domiciliadas na área de empreendimentos financiados por incentivos fiscais ou em áreas pioneiras, elas formem ou não coletividades urbanas, não poderão ser deslocadas de suas moradias ou da posse das terras por elas cultivadas, sem anuência prévia do Ministério da Agricultura.
As boas intenções esbarravam logo no poderio dos grandes fazendeiros. A lei virava letra morta. No mais escandaloso caso de grilagem conhecido no Acre, por exemplo, os seringais foram abaixo e a pata do boi tomou conta. Somente nas margens da rodovia BR-364, perto de Sena Madureira, a Colonização São Paulo-Amazonas S.A. (Coloama) assumiu 500 mil hectares para executar cinco projetos com recursos da Sudam, Basa, Probor e Proterra.
Seu diretor, Pedro Aparecido Dotto, então presidente da Associação dos Empresários do Acre, saíra de Jales (SP), subiu o Rio Purus com outros fazendeiros e arrematou mais seringais. Conseguiu formar um latifúndio de 1 milhão de ha, dos quais a Fundação Nacional do Índio (Funai) providenciou a retomada de 400 mil ha pertencentes aos índios Kulina, Maronawa e Kaxinawá.
Supervalorização
A CPI constatou no Cartório de Sena Madureira que, entre as transações feitas pela Coloama, constam a compra do Seringal Sobral, de Luzanira e Jaime Meireles. Negócio espúrio, porque uma pessoa falecida um ano antes “aparece” assinando a escritura de compra e venda, na presença do escrivão.
Em apenas quatro anos, mediante pagamentos irrisórios, falcatruas e fraude cartorial, as terras repassadas por grileiros no Acre alcançaram uma valorização de 2000%. E a borracha perdeu terreno para a nova frente pioneira apoiada pelo então governador Francisco Vanderley Dantas (Arena), a partir de 1975. Anteriormente, Jorge Kalume (Arena), que governara o Acre de 1966 até 1971, já recebera pecuaristas vindos do interior de São Paulo.
*CENSURA NO ESTADÃO
Cirne Lima, professor de zootecnia e apaixonado pela criação de cavalos crioulos, deixou o Ministério da Agricultura no governo do ditador Emílio Garrastazu Médici, em maio de 1973. O censor de plantão em O Estado de S.Paulo vetara a manchete de capa, a respeito da demissão, solicitada pelo ministro. Os editores a substituíram por um irônico anúncio da Rádio Eldorado: "Agora é samba".
Fonte: montezuma@agenciaamazonia.com.br - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião
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