Quinta-feira, 18 de novembro de 2010 - 20h20
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
ALTO ALEGRE DOS PARECIS, Zona da Mata (RO) – Esta é mais uma história de usurpação do território indígena e do patrimônio histórico nacional. Quem relata é Walda Ajuru, 34 anos, cacique do povo Wayoró (ou Ajuru e Wajuru), constituído atualmente por menos de oitenta pessoas expulsas da cabeceira do rio Colorado e de seus afluentes, inicialmente por seringueiros, depois por fazendeiros.
Walda desconfia das próprias autoridades, que aparentam conivência com mais um assalto à terra indígena no Guaporé /MONTEZUMA CRUZ |
– Muita gente nem sabe que nós existimos – diz Walda em seu primeiro desabafo. Durante dois dias viajando com ela, o pesquisador do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Francisco Pugliese soube do sumiço de pedras e urnas funerárias inteiras. Esses objetos são possíveis indicadores do povoamento da região por remanescentes da antiga civilização Inca, após a invasão dos colonizadores espanhóis ao Peru.
As primeiras denúncias a respeito do desaparecimento de peças de valor desses indígenas foram feitas por Walda ao ex-sertanista da Fundação Nacional do Índio (Funai) Evandro Santiago e ao farmacêutico e bioquímico Joaquim Cunha da Silva, irmão do falecido sertanista Aimoré Cunha da Silva, que trabalhou na região nos anos 1970 e 80.
Os ajuru vivem dispersos por Costa Marques, aldeia Deolinda, Rolim de Moura do Guaporé e Ricardo Franco (Terra Indígena Guaporé). A quem possa estranhar o fato de uma mulher ser cacique desse povo sofrido, ela conta ter nascido com uma pequena marca de folha no lado esquerdo do peito.
– Minha avó (Helena, como ficou conhecida) me revelou que esse era o sinal do tuxaua. Faz um tempo, tivemos outra mulher com essa folha, mas ela foi morta por um seringueiro. A última sou eu – diz, com semblante denotando coragem e perseverança.
Pedras e urnas funerárias
Pedras, ferro e cobre em território indígena são tão atraentes quanto madeira e recursos extrativistas |
Furtos repetem-se, roubos também, pois alguns foram praticados diante de crianças e velhos, sem que reagissem. Em 2007 Walda notou as primeiras investidas de estranhos, inclusive em áreas sagradas:
– Dona Maura, uma ajuru de 70 anos contou que nosso povo respeitava uma pedra que se transportava quando tocada. Já no mito de origem existe uma referência a dois irmãos ajuru – Makirein e Uakuberek – que auxiliam a saída das pessoas por um buraco cavado na pedra.
Na ilha de Porto Rolim do Guaporé, a mais de 800 quilômetros de Porto Velho, levaram diversas pedras roxas durante escavações para a retirada de areia. O funcionário da Secretaria de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) conhecido por Dalmázio ouviu denúncias de indígenas, mas nada fez.
– Um pastor, também pedreiro, tirou da terra um colar de pedras e algumas ossadas. Não deu satisfação para ninguém.
Urnas funerárias encontradas ali indicam a existência de muitos cemitérios, confirma o chefe da Reserva Étnico Ambiental do Guaporé, Altair Algayer.
– Por onde você andar vai encontrar vestígios centenários, até milenares, quem sabe – comenta Algayer. Nem Walda, nem Algayer sabem dizer para onde estão levando os objetos.
Acima da lei
O prefeito de Alta Floresta do Oeste, Daniel Reina (PTN) se vê na desconfortável situação de se explicar ao Iphan: apoiado pela Câmara Municipal, ele sem embaraçou ao confundir reduto quilombola com terra indígena. Localizar remanescentes de quilombos no Vale do Guaporé tem sido missão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com relativo êxito. Demarcar território indígena, para evitar novas invasões de brancos ainda é papel da Funai.
Farmacêutico Joaquim Cunha (penúltimo à dir.) e o ex-sertanista Evandro Santiago (agachado): os primeiros a ouvir as denúncias |
Sem maiores orientações, acima da lei, o prefeito designou uma comissão formada por um pastor evangélico, um negro, uma senhora boliviana católica da família Zabala – a mesma que despejou famílias ajuru em 1982, beneficiando o fazendeiro Renato Ferraz, de São Paulo.
Notificação
O pesquisador Francisco Pugliese prometeu notificar oficialmente a prefeitura e a Câmara de Alta Floresta, a fim de evitar que o encontro de objetos históricos possibilite a sua retirada do local para compor alguma coleção ou ser comercializado.
– Tanto desfazem da gente, que nunca pedem o nosso apoio para esse tipo de inspeção. No final das contas sobram irregularidades e o prejuízo é sempre nosso – queixa-se Walda.
Falta reconhecimento das autoridades àqueles que no século passado ainda eram os únicos donos daquelas terras. Do contrário, pelo menos um indígena faria parte dessa comissão.
Doentes, escravos nos seringais, depois deportados
Cacos de cerâmicas espalhados pelo chão. São peças extraídas do solo sem técnica alguma, o que também ocorre com urnas funerárias. |
ALTO ALEGRE DOS PARECIS – Povos Jaboti e Arikapu foram vizinhos mais próximos dos ajuru. Depois da instalação do seringal Pernambuco, no rio Colorado, os seringueiros alcançaram suas aldeias. A Diocese de Guajará-Mirim registra que, por algum tempo, os índios iam ao seringal buscar brindes e foi aí que se alastrou a epidemia de sarampo.
Uma parte foi levada pelo seringalista João Rivoredo para o seringal São Luiz, no rio Branco, submetendo-se à semi-escravidão. Era o próprio Rivoredo o responsável pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que antecedeu à Funai.
Na língua ajuru, do tronco tupi, Colorado é Ügü Kop, ou seja, água vermelha. Tradicionalmente, o povo Wayoró (Ajuru), conhecido por forte xamanismo, subdividia-se em vários grupos formados por conjuntos de aldeias patrilocais. Eles ocupavam territórios definidos e bem delimitados, entre os quais, Kup diriat (mato), Upeg (urubu) e Uagá iat (sapo).
Uma epidemia de sarampo atacou os Wayuru (Ajuru) e Tupari, quase dizimando-os totalmente. Um breve histórico das derradeiras três décadas dos Ajuru, conforme relato do Conselho Indigenista Missionário (Cimi): nos anos 1970 uma família foi morar na aldeia Ricardo Franco e outra em Guajará-Mirim. Duas famílias permaneceram cortando seringueiras na terra tradicional, quando as primeiras fazendas se formaram ao redor. As mulheres se casaram com ribeirinhos de Porto Rolim e foram morar ali. O restante das famílias veio depois.
Até 1982 pouco se sabia dos parentes que haviam sido contatados pela Funai. Aliás, nem sabiam da existência desse órgão. Descobriam por acaso onde eles estavam, quando uma mulher viajou para Guajará. Em seguida, foram para Ricardo Franco para morar com eles. No entanto, quatro mulheres casadas com não-índios ficaram em Rolim. A Funai sabia da sua existência, mas nunca os procurou. (M.C.)
Não apenas o registro de geoglifos preocupa o Iphan; agora o órgão deve combater o roubo de pedras valiosas para a história amazônica |
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