MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
PUERTO MALDONADO, Amazônia Peruana – Um simples suco e uma pimenta natural fabricadas
em Madre de Dios poderão chegar à mesa dos acreanos antes mesmo da abertura oficial da Rodovia Transoceânica (BR-317) , a tão esperada e audaciosa saída de 2,5 mil quilômetros para três portos peruanos no Oceano Pacífico, que reduzirá em cerca de seis mil quilômetros a distância comercial entre o Brasil e os destinatários asiáticos. Somente no ano passado as exportações para Ásia representaram 14,7% do volume de embarques de produtos brasileiros para o exterior. A pavimentação da rodovia custará mais de US$ 700 milhões e sua conclusão está prevista para ocorrer em julho de 2010.
"Esperar mais dois anos é muito tempo", queixa-se a subgerente da Companhia Agroindustrial de Frutas Tropicais (Cafrut), Vivian Vélez de Villa Mesa. Ela está ansiosa pela possibilidade de exportar. Disse que pretende participar de feiras ou eventos no Brasil, para divulgar produtos. A primeira viagem será para a exposição agropecuária em Rio Branco, a maior feira de negócios do Acre, a 680 quilômetros. Ao todo, o Peru tem cerca de 60 produtos para exportação.
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Pimenta em conserva e suco: Rocio sonha com o mercado brasileiro /M.CRUZ |
Vivian desconhece a situação brasileira, onde o protecionismo burocrático ainda emperra os produtores peruanos no enfrentamento do sofisticado mercado interno. Mesmo assim, adianta-se. Recentemente, em depoimento à BBC Brasil, o presidente da Associação de Exportadores do Peru, José Luis Silva Martinot, elogia a rodovia no papel até de "triplicadora do fluxo comercial entre o Brasil e o Peru", no entanto, reclama da burocracia brasileira. "Quando um produtor quer exportar ao Brasil, é possível que encontre uma barreira técnica. Adicionalmente, existem leis estaduais impedindo essa comercialização, porque ao passar por dois ou três estados, é preciso pagar impostos nesses estados", justifica.
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Pilares da nova ponte sobre o rio Madre de Dios já estão prontos /M.CRUZ |
Qualidade da água
O entusiasmo e os planos de Vivian e de outros empresários de Madre de Dios foram ouvidos pelos deputados Moreira Mendes (PPS-RO), Ilderlei Cordeiro (PPS-AC) e Sérgio Petecão (PMN-AC) durante encontro entre autoridades peruanas e a Comissão de Amazônia da Câmara dos Deputados. Vivian perguntou-lhes sucessivamente sobre a água. "Venho estudando a qualidade da água da nossa região e quero me certificar se o lençol aqüífero acreano seria melhor que o nosso", ela justificou.
Rocio Ortela Molero, gerente geral das Indústrias Alimentícias Amazônicas (Inala), trabalha com água de mesa, sucos, iogurte natural, polpa de frutas (cacau, mamão, pinha, uva, camu-camu, abacate e cupuaçu entre elas) e uma variedade de doces feitos com frutas regionais. "A pimenta em conserva já é bem aceita, mas queremos expandir as vendas. Experimente!" – ela diz, na hora do almoço da comitiva.
A BR-317 ligará Assis Brasil, no Acre, a Ilo, no Peru. A parte brasileira da estrada está praticamente pronta. Em território peruano espera-se que a Transoceânica se transforme num corredor de exportação de produtos brasileiros. A nova rota se tornaria uma alternativa ao embarque de produtos via Canal do Panamá.
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Vivian estuda qualidade da água e quer vender no Acre e em Rondônia /M.CRUZ |
Sem despolpadora
Apesar de projetar uma safra de polpa de frutas de 2,4 toneladas até 2010, os pequenos industriais ainda não dispõem de uma planta despolpadora. A safra de frutas frescas até aquele ano deverá alcançar sete mil toneladas nas províncias. A área de frutas orgânica produzidos por 137 agricultores de Madre de Dios totalizou 148,9 hectares e, em todo o Peru, 270,6 ha, conforme o Setor de Certificação do Serviço Nacional de Sanidade Agrária, do Ministério da Agricultura.
Os negócios bilaterais prometem. Acredita-se que até a abertura oficial da estrada, o volume alcançaria perto de US$ 3 milhões. O Brasil é o maior sócio comercial do Peru, informa o diretor de Infra-Estrutura de Comércio Exterior Francisco Ruiz Zamudio. Segundo ele, o Produto Interno Bruto (PIB) do país é de US$ 107 bilhões, com um crescimento anual de 9%. Só do Brasil o Peru importou US$ 1,8 milhão, de um total de US$ 20 milhões em 2007.
Mão dupla
O Peru mandará para os estados amazônicos vegetais e agroindustriais, frutas, polpas e sucos, peixes frutos do mar e conservas, farinha de peixe e cimento. Rondônia e Acre exportariam para lá: carne de gado, lácteos e subprodutos, grãos, milho, feijão, e miúdos de bovinos. Iñapari, no Departamento de Madre de Dios, também na margem direita do rio Acre, junto com as acreanas Assis Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia, e Cobija na Bolívia, unem-se por três pontes e formam uma conurbação internacional.
No "inverno" caracterizado por chuvas o desabastecimento castiga o Acre. Há três décadas o comércio local se vê obrigado a comprar tomate de atacadistas do Estado de São Paulo. O produto chega a Cruzeiro do Sul, município que também compra de Puerto Maldonado, ambos a R$ 8 o quilo.
Os peruanos mantêm um discurso promissor desde que começou a ser construída a Interoceánica Sur, como eles dizem. Propõem o fortalecimento de uma comunidade regional amazônica com vistas à troca de serviços e à utilização dos fatores produtivos. Além dos estados amazônicos, outros se beneficiariam, entre eles, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e Pará.
A Federação das Indústrias do Estado Acre estima que o vasto mercado a ser aberto com a Rodovia do Pacífico envolveria sete milhões de consumidores em Madre de Dios, Cusco, Puno, Arequipa, Apurímac, Ayacucho, Ica, Tacna, Moquegua, Loreto, San Martin, Ucayali, Huanuco e adjacências. Vem avançando a tese de se investir conjuntamente, por meio de agentes econômicos da região nacionais e internacionais. "Os investidores necessitam regras claras e práticas nas áreas comercial e industrial", observou o presidente da Frente Parlamentar Brasil-Peru, deputado Ilderlei Cordeiro.
Área de Livre Comércio
Para se avaliar o calor que a integração regional já está causando, mencione-se a frase do embaixador do Peru no Brasil, Hugo Martínez, durante o seminário promovido no mês passado em Rio Branco pelo Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal: "Eu me comprometo hoje a ser o embaixador do Acre no Peru, para superar obstáculos de toda ordem". Na mesma ocasião ele disse que o seu país está aberto a investimentos energéticos.
Até 2010 é possível que se estruture na fronteira Assis Brasil-Iñapari uma área de livre comércio que elimine as restrições alfandegadas e não-alfandegadas que afetam o comércio recíproco, prevê o primeiro secretário e chefe do Departamento América do Sul do Ministério de Relações Exteriores do Peru, Miguel Córdova Cuba. "Precisamos de algumas soluções urgentes, do contrário não teremos uma integração", protesta o presidente da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Acre, George Teixeira Pinheiro. "Cadê os vôos regionais?", ele indaga. Não existem.
Pinheiro pede a extensão do Acordo Fortaleza para a fronteira em Assis Brasil e Inãpari. Firmado em 1996 na capital cearense, ele prevê a criação de serviços aéreos sub-regionais entre os governos das Repúblicas da Argentina, da Bolívia, do Brasil, do Chile, do Paraguai e do Uruguai. O transporte aéreo regional abriria oportunidades para a ligação entre Iquitos e Tabatinga (AM); Pucallpa e Cruzeiro do Sul (AC); ligação aérea e fluvial entre Pucallpa-Puerto Esperanza e Santa Rosa do Purus (AC); ligação aérea e fluvial entre Pucallpa-Breu e Marechal Thaumaturgo (AC). Por esaa via, os peruanos venderiam seus produtos agrícolas e confecções, enquanto os brasileiros ofereceriam óleos vegetais e artigos de limpeza.
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Córdova espera o fim das restrições alfandegadas /M.CRUZ |
Região pode fornecer peixes
PUERTO MALDONADO – Aqui se come peixe duas ou três vezes por semana. Isso significa que os acreanos continuarão se abastecendo com os caminhões frigoríficos ou batelões com peixes congelados procedentes de Boca do Acre (AM) e Guajará-Mirim (RO). Entre outras espécies, os peruanos consomem muito o piranambu (Inirampus pirinampu), ou barbado; os acreanos não o apreciam. Peixe de couro com barbilhões longos e achatados chega a medir cerca de 80 centímetros de comprimento e pesa até 12 quilos, mas em média, três a e cinco. Comum na beira dos rios, na frente de vilas e cidades, ganhou no Acre o apelido de "urubu dos rios". Voraz, ataca peixes presos nas redes. Na Bacia Amazônica os cardumes de barbados aparecem em novembro e dezembro.
O rio Acre nunca foi rio piscoso, talvez pela carência de lagos em suas margens, onde os peixes possam se reproduzir. "William Chandless, quando descreveu o Rio Aquiry na década de 1860 notou a falta de bom pescado. Ele foi o primeiro a coletar fósseis de vertebrados nas margens do rio", recorda o pesquisador Alceu Ranzi. O drama acreano se estende às aldeias indígenas. Há pelo menos uma década os Ashaninka do rio Amônia se queixam da poluição dos rios da região fronteiriça ao Peru. O Amônia nasce no Peru e sofre com a exploração madeireira feita pela empresa Forestal Venao.
Com 167 piscicultores – 19,47% de subsistência e em menor escala, 80,53% –, as Províncias de Tambopata, Tahuamanu e Manu obtêm quatro mil toneladas de peixes por ano, numa média de 10 t/hectare/ano. As principais espécies são gamitana, paco e pacotana. Quando tiverem uma câmara fria, eles pretendem criar langostinos em cativeiro.
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Manga produzida na eegião de Tambopata /SENASA |
Farinha a baixo custo
Se o Peru não vender peixe, venderá farinha. "É um grande produtor de farinha de peixe em termos de qualidade e quantidade. Fica bem próximo e seria um possível fornecedor desse produto", lembra o engenheiro de Pesca Roger Crescêncio, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre. Segundo ele, tucunaré, o pirarucu, o filhote e outros peixes carnívoros podem exigir até mais de 40% de teor protéico. Assim, não se encontra com facilidade ingredientes para a ração para peixes, que possam aliar quantidade, qualidade e preço baixo. A fonte protéica mais utilizada em rações animais é o farelo de soja (45% PB) e seria a primeira alternativa para a formulação de uma ração. O Acre não tem lavouras ou moinhos de soja.
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Rodovia do Pacífico, a maior chance de exportações do mundo /SÉRGIO VALLE |
A maior produção agrícola estadual é a da mandioca (363 mil toneladas), cujo teor de proteínas situa-se em 2,5%). Em segundo e terceiro lugar estão o milho (51 mil toneladas) e o arroz (32,8 mil toneladas) respectivamente. "O farelo de arroz chega a ter 13,8% de proteína bruta e o milho pode alcançar até 13%. A melhor alternativa para o uso de milho vem ser a sua transformação em farelo de glúten de milho que apresenta alto teor protéico (60% PB)", comenta Crescêncio.
Pontos favoráveis
de Madre de Dios
■ Presença de órgãos públicos e organizações não-governamentais na atividade agrícola.
■ Funciona um centro de reprodução artificial de peixes amazônicos (criação em cativeiro).
■ Funciona um Plano Concentrado de Desenvolvimento Regional que dá prioridade à atividade pesqueira, que tem voca
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Ponte sobre o Rio Acre em Assis Brasil, inaugurada em 2006 /C.CIDADE |
ção regional.
■ É grande o potencial de recursos hídricos e há mão-de-obra disponível.
Oportunidades
■ Marco jurídico favorável para investimentos privados.
■ Construção da Rodovia Brasil-Peru e da Usina Hidrelétrica de San Gabán.
■ Mercado potencial para produtos pesqueiros.
■ Disponibilidade de insumos para a fabricação de alimento balanceado (milho, arroz, feijão,
yuca – variedade de mandioca – e obtennção de produtos piscícolas orgânicos.
Dificuldades
■ Difícil acesso ao financiamento para atividade agrícola.
■ Escasso potencial técnico especializado.
■ Baixo nível de gestão empresarial.
■ 20% de informalidade na pesca.
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Ponte em Puerto Maldonado está no projeto da saída para o Pacífico /M.CRUZ |
Ameaças
■ Contaminação dos recursos hídricos por garimpeiros.
■ Infra-estrutura viária deficiente.
■ Migração excessiva rumo à região.
■ Evasão tributária e escassa arrecadação.
Informações da Direção Regional da Produção do Governo de Madre de Dios.
O QUE JÁ FOI PUBLICADO
■ Amazônia Peruana atrai cada vez mais turistas de todo o mundo
■ Amazônia Peruana guarda tesouro animal e vegetal
■ Amazônia discute no Acre a saída para o Pacífico
Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.