Montezuma Cruz
CRUZ DAS ALMAS, BA – Zero trigo e acabou. As pessoas têm que compreender as diversas utilizações da mandioca, essa fonte de proteína para os pobres muito estudada pela Embrapa. O dono desse raciocínio é o engenheiro agrônomo Joselito da Silva Mota, que vem conseguindo adeptos nas suas palestras – verdadeira pregação e aula de história – pelo País e até na Europa, graças às pesquisas feitas na Embrapa Mandiocultura e Fruticultura Tropical, neste município do Recôncavo Baiano. Aula de história, porque Mota tira do fundo do baú algo que muitos brasileiros desconhecem: tivemos uma "Constituição da Mandioca", o primeiro projeto constitucional votado em 1823.
Não apenas a Amazônia, mas o Brasil precisa resgatar a mandioca. A manifestação foi ouvida pela comitiva do deputado Fernando Melo (PT-AC), durante visita ao laboratório do Centro de Tecnologia em Mandioca, onde se aprende em português, francês e inglês, a fabricação de beijus coloridos e da pizzaioca, a pizza de mandioca. Mota defende a criação de um departamento específico para ela no Ministério da Agricultura. Por enquanto, funciona no ministério a Câmara Setorial da Mandioca. Mesmo fazendo parte da reduzida equipe de 75 pesquisadores do setor, dos quais, apenas 15 se dedicam à cultura, e destes, só dez em tempo integral. "Aqui a gente chuta, defende, ataca, cabeceia e faz gol", resume ele.
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Pão com adição de 20% de fécula /M.CRUZ |
Para Amazônia
Contagiado pelo entusiasmo transmitido pelo especialista, Melo o convidou para fazer uma palestra em Rio Branco. Mais que isso: Mota será um dos cinco palestrantes numa audiência pública que vai debater a mandioca, em data a ser marcada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, da qual Melo é membro titular.
Certamente o pesquisador vai propor aos parlamentares o resgate definitivo dessa cultura. Os caminhos desse ardoroso técnico se abrem das mais variadas formas. Já bateu até na porta da cúpula da Igreja Católica na Bahia. À Agência Amazônia ele confidenciou ter procurado um cardeal para lhe demonstrar a qualidade dos produtos derivados da mandioca. "Por que não se fabricar hóstias com fécula"?, ele desafia, sorrindo.
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Beijus coloridos, um invento mandioqueiro /EMBRAPA |
Beiju para italianos
Beiju é semelhante a uma tapioca, só que fininho e crocante. O versátil e incansável agrônomo retirou do forno a lenha o beiju colorido e o levou para mostras cooperativistas em Milão e Turim, na Itália. "Chamo aquilo de slow food (oposto de fest food, comida rápida): cinco mil agricultores de 150 países, especialistas em culinária e outros convidados se reúnem no Salão do Gosto e provam de tudo.
"O beijuzeiro foi junto e fez sucesso numa terra onde a massa de trigo pontifica. Levamos também a geléia de umbu, e eles provaram fartamente". O procedimento é simples: em vez de receber água, a fécula (goma) é hidratada com o suco ou a polpa das frutas e hortaliças. Os beijus ainda podem ser consumidos com leite condensado, melado de cana, mel, doces e geléias. A degustação dos beijus coloridos ocorre no estande do Programa para o Desenvolvimento da Mandiocultura no Estado da Bahia (Nossa Raiz), promovido pelo Governo do Estado.
O mundo se abre cada vez mais para alimentos que fazem bem à saúde. "O amido de mandioca é um deles e tem na araruta um campeão; o biju colorido entra na merenda escolar em diversos municípios baianos", fala, convicto. Nos Estados Unidos, o amido é utilizado para lubrificar armas; na Zona Franca de Manaus, para fabricar embalagens de eletroeletrônicos; dele derivam centenas de produtos. Mota estimula os prefeitos: "São corajosos, recebem a pressão da indústria e aí se cria o vínculo. Assim é possível voltarmos às festas da mandioca, que são uma grande alegria".
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Deputado Melo ouve explicações de Mota / M.CRUZ
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"Na pança é quem dá sustança"
Com visão positiva, apesar dos percalços que cercam a mandiocultura, da autoridade que é no assunto, Mota considera justo remunerar quem produz com esmero alimentos saborosos, saudáveis, livres de agroquímicos. Por isso, ensina aos agricultores baianos métodos certos para a fabricação de cada produto. Sua frase lapidar a respeito dos derivados de mandioca é: "Aumenta o que está pouco, esfria o que está quente, engrossa o que está ralo e, na pança, é quem dá sustança".
Da padaria da Embrapa sai o pãozinho com 20% de fécula adicionada à farinha de trigo, servido aos participantes de cursos e visitantes. Os visitantes provam e gostam. O chefe do laboratório, Milton Silva de Jesus estampa nos olhos a felicidade de ver os produtos conhecidos agora por um parlamentar da Comissão de Agricultura da Câmara. "É motivo de honra". E emenda: "Todas as semanas temos visitantes de várias partes do mundo, e eles também apreciam esse pão".
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A nova delícia nacional está em livro / EMBRAPA |
Pizzaioca é boa também
para doentes de celíaseCRUZ DAS ALMAS – Esta cidade faz a sua parte, agregando valor ao produto: fabrica biscoitos, bolos e bijus coloridos e agora divulga a pizza de mandioca: pizzaioca, a nova delícia brasileira. A criação faz parte do livro com 243 receitas da culinarista baiana Iracema Sampaio, viúva de Francisco Anselmo, o ambientalista que se imolou em Mato Grosso do Sul, em protesto contra a instalação de usinas de álcool no Pantanal. Por enquanto, a pizzaioca é encontrada apenas em alguns restaurantes.
Já os beijus são bem vendidos no Centro de Abastecimento Municipal. Produzida com fécula (goma) de mandioca em substituição à massa de trigo, a pizzaioca pode ser feita com a tapioca ou com a mandioca (aipim ou macaxeira), mantendo-se os recheios doces ou salgados comumente usados nas pizzas. "A idéia é oferecer um produto diferente ao consumidor. Uma pizza brasileira, com a nossa cara, porque utiliza um ingrediente genuinamente nacional.
Além disso, ela é leve e de fácil digestão porque não fermenta", afirma Layr Marins, proprietário do Restaurante Fornalha. Criada por Iracema, a pizzaioca foi lançada no primeiro semestre deste ano, com um dia de rodízio, para que os clientes pudessem experimentar a novidade. José Mário Santana, estudante universitário, aprovou. "Nunca tinha ouvido falar nisso, mas ela é gostosa e a borda ficou bem crocante", afirmou.
Sem glúten
A pizzaioca seria indicada especialmente aos portadores de celíase, doença caracterizada pela intolerância ao glúten presente no trigo, no centeio e na aveia. O glúten provoca a atrofia da mucosa que reveste internamente o intestino delgado, tornando-a lisa e impedindo uma digestão normal.
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Aldo: lei no Senado/ABr |
"Ausente na mandioca, a substância é responsável pela fermentação e pela consistência elástica esponjosa de pães e bolos. A dieta sem glúten é o ún ico tratamento possível para os celíacos. Além disso, poderíamos estimular a produção nacional e garantir mercado para os produtores de mandioca, a maioria, familiares", explica o pesquisador Joselito Motta.
Um projeto de lei apresentado em 2001 pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) prevê a obrigatoriedade de inclusão de 10% de fécula de mandioca nas massas panificáveis. Aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto aguarda votação no Senado.
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Binho gostou /AG.ACRE |
Governador do Acre
prova beijus no café da manhã
BRASÍLIA – O deputado Fernando Melo levou alguns pacotes de beijus coloridos – de goiabada, abacaxi, cebola e outros – para o café da manhã da inauguração da ponte sobre o rio Caeté, no município de Sena Madureira. O governador Arnóbio Marques (PT), Binho, provou-os e disse que são bons. A nutricionista Neide Rigo, de São Paulo, escreveu sobre os beijus coloridos em seu blog: "Foi só pensar nas possibilidades naturais de cor e usar estas opções no lugar da água que umedece o polvilho seco. Além de mais gostosos, são mais nutritivos e fazem o maior sucesso com as crianças", ela comenta.
Para Neide, o paladar do beiju supera o de outros produtos: "São melhores que aqueles isoporzinhos carregados de gordura e sabor artificial que nossas criancinhas comem por aí. Em Brasília, no Terra Madre, provei os beijus de abacaxi, cebola e beterraba e eram maravilhosos, saborosos, derretiam na boca". Beijus enriquecidos com frutas e hortaliças estão em fase de pesquisa na Embrapa em Cruz das Almas.
A inclusão de frutas e hortaliças torna o beiju mais nutritivo e saboroso. "Espinafre, couve, cenoura e beterraba podem ser usadas no beiju crocante, bem como a manga e o mamão, que conferem também coloração atraente, principalmente para as crianças na merenda escolar", explica Mota. "Cultivar os tubérculos não é apenas uma questão de aumento de recursos finaceiros, mas essencial para a saúde do organismo", diz à Agência Amazônia a tradutora oficial Lila de Araújo Rayol, 71 anos, acreana que vive no Pará desde os 11 anos.
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Beijuzeiro de Cruz das Almas / M.C. |
Macacheira, inhame e tapioquinha
"Não sei se em todo o Brasil, mas nos trópicos o trigo e seus derivados por causa do calor em que vivemos imersos provoca uma fermentação que prejudica o aparelho digestivo e engorgita o sistema respiratório com secreções pegajosas que aceleram alergias respiratórias", relata.
Lila conta que aprendeu isto ao ler sobre macrobiótica, observando o seu organismo, e tratando do filho caçula, asmático desde os três anos. "Com artrite desde 2000 não posso comer trigo e nem açúcar: as articulações incham e doem (pulsos, dedos, joelhos, e as vezes pés ou ombros)", ela conta.
Lila tirou o trigo do café da manhã, substituindo-o por macacheira, inhame, cará e a tapioquinha que é uma tradição no Pará. "Mas quem disse que se consegue encontrar tais produtos com a qualidade desejada e continuamente?", ela se queixa.
"Faltam experimentações culinárias para disponibilizar comercialmente e em escala invariações de paladar, porque o cansaço de usar apenas o cozimento com água e sal é inexorável, parar para fazer experiências na cozinha, para quem vive atrelada a uma atividade profissional em que tudo é 'pra ontem'. É muito dificil", acrescenta.
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Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.