Quarta-feira, 28 de julho de 2010 - 14h44
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Por mais que tivessem guarda particular armada com fuzis, empresas mineradoras em Rondônia apelaram no combate aos ladrões de minério de estanho. Foram bater nos gabinetes da equipe Garra do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), em São Paulo e de lá trouxeram reforços para um enfrentamento que pôs em xeque o moral da Secretaria de Segurança Pública do antigo Território Federal, no biênio 1979-80.
Desde 1977, a Polícia Internacional (Polinter) sabia dos prejuízos causados pelo desvio de cargas de cassiterita, cujo montante somava cerca de dois milhões de cruzeiros. O negócio implicava a participação de traficantes de cocaína na fronteira Brasil-Bolívia.
Rondônia era então a maior província estanífera brasileira, algo registrado orgulhosamente pelos dirigentes do Departamento Nacional de Produção Mineral Quando estava a perigo, esse órgão não hesitava em recorrer ao governo territorial para espantar garimpeiros. Nofinal da década de 1970 o Território Federal alcançou a produção de dez mil toneladas, ou seja, 67,43% da produção nacional. Tudo saía na forma bruta, sem qualquer beneficiamento industrial.
Os empregos eram limitados e o governo pouco obtinha da renda no setor. A mineração era permitida legalmente apenas a poderosos conglomerados multinacionais e a grandes grupos nacionais, alguns deles parceiros daquelas. Logo, garimpeiro não passava de um pária, invasor.
Quando as mineradoras apelaram ao DEIC, o temido delegado torturador Sérgio Paranhos Fleury fazia parte dos “homens de ouro” da polícia paulista. Ele motivou inflamados discursos de arenistas e emedebistas na Câmara Municipal de Porto Velho. Atribuíam-lhe o auxílio direto à perseguição aos garimpeiros.
Os ladrões de cassiterita ousaram. Saíam da rodovia, sondavam o terreno e, à noite, rendiam seguranças e arrebentavam os cadeados dos galpões. Em 1979, o então delegado-chefe do Departamento de Crimes Contra o Patrimônio, Walderedo Paiva, foi procurado por gerentes de mineradoras. Conseguiu prender alguns deles e recuperou algumas toneladas de cassiterita.
Os comandantes da quadrilha estavam bem distantes da floresta rondoniense, livres, endinheirados e calculistas. Foi então que a polícia notou a gravidade da coisa: diversos motoristas usavam nomes falsos e veículos com chapas frias. Mais um nó a desatar.
A polícia paulista permitiu a vinda de alguns agentes. Afinal, não havia como o governo dar asas à desmoralização, já que aqui o setor mineral deparava com cobras e lagartos. O então secretário de Segurança, José Mário Alves da Silva, criminalista dos bons, chamou os jornalistas e desabafou. Sua gestão já estava comprometida por conta dos problemas fundiários e de alguns delegados que exorbitavam na função, surrando e até torturando presos nos cárceres da capital e do interior. O jeito foi trazer uns tipos “barra-pesadas” que fizeram e aconteceram aí na imensidão dos antigos feudos das mineradoras.
De um lado, o empresariado se justificaria da tenebrosa operação, pelo fato de a maior parte dos carregamentos desaparecerem no trajeto entre a Amazônia, o Centro-Oeste e os centros de refinamento, em São Paulo e Rio de Janeiro.
O inteligente advogado Acyr Bernardes, constituído pela Paranapanema, enxergou outro golpe no fabuloso negócio dos quadrilheiros do minério: ele acusou em 1980 as companhias seguradoras de compactuar com o desvio das cargas. “Os prejuízos são assustadores; isso prejudica o mercado interno e a Companhia Siderúrgica Nacional”, ele alertava. A CSN era o maior complexo siderúrgico da América do Sul.
Essa inesperada ação provocou danos morais para empresas e governos. Rapidamente, o Grupo Paranapanema, voltou-se contra o secretário, negando o uso de policiais paulistas para desbaratar um poderoso bando de ladrões de minério. Só que o fardo era pesado, o que impossibilitava a empresa de tapar o sol com a peneira. Havia sucessivas queixas das empresas do setor, em grande parte feitas ao 3º DP e na Polinter. As cargas roubadas já ultrapassavam 50 toneladas, tomando também o rumo da Bolívia.
Outro nó, identificando parte do roubo como moeda de troca para a compra de droga. No entanto, a rota RO-MT-SP-RJ preocupava um pouco mais, porque afetava a indústria siderúrgica. Um caminhoneiro que levava oito toneladas de cassiterita para Volta Redonda entregou toda a carga aos bandidos que lhe cercaram na BR-364. A polícia não encontrou nem o caminhão Mercedes Benz 1113, ano 1973, tampouco o motorista.
Outro motorista num Mercedes Benz de Duque de Caxias-RJ, a serviço da Transmanaus Ltda., foi dado como desaparecido após o roubo da carga de 16 toneladas de minério, avaliada então em 1,7 milhão de cruzeiros. Se naquela época já começavam a sumir pilotos de pequenas aeronaves seqüestradas pelo narcotráfico e levadas para o Departamento de Beni (Amazônia Boliviana), avalie-se motoristas de caminhão.
Sucederam-se desaparecimentos de motoristas. Aí, a coisa ferveu mesmo e o secretário José Mário Alves silenciou ante o poderio das mineradoras, que aqui mandavam tanto quanto o Incra. Mais tarde, garimpeiros ocuparam Bom Futuro e Campo Novo, enquanto as mineradoras desaqueceram seus negócios em Rondônia. Os garimpeiros formaram cooperativas, incentivados pelo então prefeito de Ariquemes, Ernandes Amorim.
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