Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019 - 09h39
Com Arquivo Sejucel e Reproduções
O
desemprego causado pela extinção da lavra manual do minério de estanho
(cassiterita) desafiou o coronel do Exército João Carlos Marques Henriques
Neto em 1970 . O que faria ele com Portaria nº 195, que introduziu a
lavra mecanizada? Cumpriu-a, simplesmente. E suportou as consequências.
Carioca, o coronel governou duas vezes o Território Federal de
Rondônia. Na primeira, nomeado pelo presidente Artur da Costa e Silva, de 7 de
março de 1969 a 30 de outubro de 1972, participou das primeiras eleições para
as Câmaras dos dois únicos municípios: Porto Velho e Guajará-Mirim.
Quando
morreu, em 2008, suas cinzas foram jogadas sobre a Serra de Teresópolis, no Rio
de Janeiro. As cinzas da primeira-dama, Dona Laura Marques Henriques,
Laurinha, também, atendendo a pedido do casal à família.
Nos dois governos de Marques Henriques a Aliança Renovadora
Nacional (Arena) foi vitoriosa, elegendo dois terços dos vereadores . No
entanto, perderia a vaga na Câmara dos Deputados para o MDB. O vitorioso
fora o advogado goiano Jerônimo Garcia de Santana, formado pela Universidade
Federal de Minas Gerais, ex-militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro
(MR-8), organização clandestina de esquerda. Jerônimo foi defensor da classe
garimpeira durante os seus três mandatos na Câmara dos Deputados.
“Ele
viviam no ventre da floresta, vitimados pela febre e explorados pelos
marreteiros, atravessadores da cachaça, de balas 22, 32 e 38”, conta o
ex-garimpeiro, vereador e deputado estadual Amizael Gomes da Silva no livro No rastro dos pioneiros.
A proibição da lavra manual de cassiterita pelo presidente Emílio Garrastazu Médici foi um baque. Pouco tempo depois, de assinada pelo ministro das Minas e Energia, Antônio Dias Leite, a Portaria Ministerial nº 195/70 resultou na invasão da cidade por garimpeiros famintos e doentes.
Lançado depois de uma briga intestina do Diretório da Arena,
que preteria o deputado Paulo Nunes Leal, o seringalista Emanuel Pontes Pinto
perderia o pleito”, escreve Amizael Silva. “É natural que aquele episódio
[fechamento de todos os garimpos manuais] também contribuiu para o
enfraquecimento do governo, até porque o Sr. Emanuel tornara-se um defensor
intransigente da Portaria”, explica.
A
borracha ainda rendia algum dinheiro, mas a economia rondoniense passou a viver
à sombra da exploração da cassiterita, quando foi sumariamente
proibida a lavra manual. “O garimpo tinha um percentual de
aproveitamento reduzido e inviabilizava a exploração complementar mecanizada,
economicamente mais rentável”, sustentavam técnicos do Ministério das Minas e
Energia.
Sem
direito a prosseguir à atividade à qual se habituaram desde a descoberta dos
primeiros veios do minério de estanho na região onde surgiria o município de
Machadinho d’Oeste, aproximadamente dez mil garimpeiros ocuparam as ruas de
Porto Velho em 1970. Alguns haviam se aventurado na cata de diamantes no rio
Machado.
AO
DEUS DARÁ
Fustigados pela iminente instalação da lavra mecanizada por
grupos multinacionais, sem sindicato ou associação, compraram fiado no comércio
ou torraram os últimos cruzeiros em prostíbulos.
Houve
um grande alvoroço em Porto Velho. “Eu tinha apenas 14 anos de idade em
1970, mas me lembro do que aconteceu: os garimpeiros levaram o caos para a
cidade. Militares trazidos pelo então secretário de segurança, major
paraquedista Ivo conseguiram restabelecer a ordem”, conta o filho do
governador, jornalista João Carlos Marques Henriques, que mora em Brasília.
Naquele
período, grandes carregamentos de cassiterita procedentes do Estado do Amazonas
atravessavam Rondônia para abastecer indústrias paulistas e fornos da Usina
Siderúrgica de Volta Redonda (RJ).
“Foi
uma judiação, os garimpeiros não tinham pra onde correr e vieram pressionar o
governo do território”, conta o memorialista Anísio Gorayeb. “Éramos vizinhos
do governador Marques Henriques, e notamos quando ele pediu que o filho ficasse
em casa para ter mais segurança”.
Naquele ano a Sinopse Estatística do Brasil editada pelo
Ministério do Planejamento e Coordenação Geral relacionava na produção
rondoniense produtos vegetais – borracha, castanha-do-para, madeiras, óleos
vegetais, e poaia (ou ipecacuanha).
A
borracha alcançava a produção de 3.991 toneladas, totalizando 13,3 milhões de
cruzeiros; a castanha-do-pará, 1.567 toneladas, ao preço total de 2,2 milhões,
conforme dados do IBGE em 1969.
E
o minério de estanho (cassiterita) beneficiado, do qual atualmente Rondônia é o
segundo produtor nacional, alcançava 3.399 toneladas, no valor de 20,1 milhões
de cruzeiros, totalmente vendidas aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
O
então diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral, Acyr Ávila da Luz,
prefaciava a volta do Projeto RadamBrasil: “Com firmeza e determinação,
cumpre-se mais uma vez, num espaço de tempo recorde, a desmedida missão de
colocar a serviço do País um gigantesco patrimônio geoeconômico, despertado e
reavaliado, acrescentando um alentador impulso de vitalização à paragem
interiorana de Rondônia”.
“NOVO
ELDORADO”
Com Marques Henriques, o território teve instalado o Projeto
Integrado de Colonização (PIC) Ouro Preto, do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra). Pioneiro, ele assentou 5.162 famílias, cada qual em
uma área de 100 hectares.
Previa-se
inicialmente o assentamento de apenas mil famílias. Desse projeto nasceu a
cidade de Ouro Preto do Oeste, cuja fama extrapolou os limites rondonienses,
atraindo agricultores de diversos estados.
A
Amazônia Ocidental Brasileira recebia bons efeitos da política do Incra e ao
mesmo tempo deplorava o sofrimento de seus colonos atacados pela malária, sem
acesso ao crédito agrícola e ao armazenamento da produção. “A realidade da
colonização não se limita ao Projeto Ouro Preto, sede de churrascos e banquetes
oficiais; ela também diz respeito a Colorado do Oeste, Rolim de Moura, Sidney
Girão e tantos outros vales de lágrimas de pessoas que não encontram alguém
para dizer o que sofrem e sentem”, criticava na tribuna da Câmara, o deputado
Jerônimo Santana (MDB-RO).
“Rondônia,
o Novo Eldorado”, dizia a propaganda que fez aumentar o fluxo migratório. O
segundo PIC foi Sidney Girão, e começou em 13 de agosto de 1971 em
Guajará-Mirim. Ali o governo assentou 3.686 famílias em lotes rurais de cem
hectares cada.
JERÔNIMO
SANTANA
QUERIA O ESTADO EM 1971
Em 3 de dezembro de 1971, tramitava na Comissão de
Justiça da Câmara o Projeto de Lei nº 543, de Jerônimo Santana (foto),
reivindicando a elevação do território a estado. Ele justificava: “Até então,
somente o Território Federal do Acre logrou ser elevado à condição de estado”
argumentava o parlamentar.
“O
Acre, com 152,5 mil Km², representa 1,79 % do território brasileiro. Rondônia,
com seus 243,04 mil Km² de área terrestre, 2,86% do território nacional. Quando
o Acre foi a Estado, em 1962, contava 16,02 mil habitantes, hoje tem 218 mil,
segundo o IBGE”. Rondônia, em 10 de setembro de 1970 já somava 116,6 mil
habitantes, com população urbana, totalizando 60,5 mil e rural de 56,07 mil. Em
1970 Rondônia edificara 3.798 m² de área residencial e 2.406 m² de área
comercial”, ele informava ao Congresso Nacional.
Em
16 de julho de 1972 teve início o PIC Gy-Paraná no Seringal Cacaual, à margem
direita do Rio Machado, onde o Incra assentou 4.756 famílias. “Antes mesmo da
distribuição dos lotes rurais e algumas famílias de migrantes das regiões Sul e
Sudeste do País acamparam e permaneceram às margens do Igarapé Pirarara,
próximo à BR-364, onde surgiu a cidade de Cacoal”, lembra o historiador Aleks
Palitot.
“A partir daí surgiram as cidades de Cacoal, Ministro
Andreazza, Rolim de Moura, Santa Luzia d’Oeste, Novo Horizonte do Oeste, Alta
Floresta d’Oeste e Alto Alegre dos Parecis”, ele acrescenta.
Marques Henriques lançou o projeto da bacia leiteira e deu seguimento a projetos agropecuários, de saúde e educação. Saiu em outubro de 1972, com metas ainda pendentes para o seu segundo governo.
Gahyva recebe documento entregue pelo comandante de fronteira,
coronel Carlos Godoy
CRISE
SE ESTENDE
A GAYVA
Por designação do presidente Emílio Médici, o coronel do
Exército Theodorico Gayva, mato-grossense nascido em Cáceres, foi empossado no
cargo em 31 de outubro de 1972. Chegava a Porto Velho num ano marcado pelo
início da Guerrilha do Araguaia, no sul do Pará, em abril daquele ano.
Em
29 de junho o Congresso Nacional aprovava o projeto da criação da Empresa de
Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebras); em 24 de julho a Universidade de
São Paulo (USP) anunciava o primeiro computador brasileiro e primeiro da
América do Sul, construído por uma equipe da Escola Politécnica; em 10 de
setembro o piloto Emerson Fittipaldi conquistava o primeiro título de campeão
mundial de Fórmula 1, após vencer o Grande Prêmio da Itália; e em 27 de
setembro Médici inaugurava o primeiro trecho da Rodovia Transamazônica.
A nomeação de Gahyva coincidiu com a campanha para as câmaras
municipais de Porto Velho e Guajará-Mirim [na fronteira brasileira com a
Bolívia], onde o MDB oposicionista foi vitorioso em ambas, elegendo a maioria
dos vereadores.
Por causa da exploração mecanizada das reservas de cassiterita, o governador mandou instalar o mais moderno sistema de telefonia da época, analógico. A Central Telefônica passou a ser subsidiária da Telebras.
Gahyva enfrentou grave crise política em consequência do
desemprego de garimpeiros, e para contornar problemas promoveu o governo
itinerante, passando a despachar no interior do território. Ao mesmo tempo,
apoiava a prefeitura da Capital em atos de nomeação de administradores
distritais.
Em outubro de 1973 o Incra iniciava os assentamentos no PIC
Paulo Assis Ribeiro, que deu origem à cidade de Colorado do Oeste e contribuiu
também para o desenvolvimento de Vilhena, esta, nascida do posto telegráfico
instalado pela Comissão Rondon em 12 de outubro de 1911.
Em
30 de junho de 1973, Gahyva assinava decreto denominando Presidente
Médici à antiga Vila 33, um subdistrito na rodovia BR-364, que também ficara
conhecida pelo pejorativo de Pela jegue. Por plebiscito,
pioneiros escolheram o nome entre os seguintes apresentados: Getúlio Vargas,
Presidente Médici, Fátima do Norte, Cruzeiro do Sul, Nova Canaã e Nova
Jerusalém.
Gahyva deixou o cargo em 23 de abril de 1974, pouco depois do
general Emílio Médici inaugurar a Ponte Rio-Niterói, na Baía de Guanabara e da
posse do general Ernesto Geisel na presidência.
1969 NO BRASIL
226 de fevereiro – Presidente Artur da
Costa e Silva edita o Ato Institucional nº 7, que suspende as eleições para
governadores e prefeitos.
17 de
outubro – A Junta Governativa Provisória promulga a Emenda
Constitucional n°1, conhecida como Constituição de 1969.
25 de outubro – O candidato da
Arena, Emílio Médici, é eleito presidente do Brasil, em sessão conjunta do
Congresso, especialmente reaberto pelo AI-16. Tomou posse em 30 de outubro, sem
eleições diretas.
4 de novembro – O líder da Ação
Libertadora Nacional, Carlos Marighella, é morto a tiros de metralhadora por
agentes do DOPS em São Paulo
19 de novembro – Pelé, do Santos,
marca seu milésimo gol, vencendo o Vasco da Gama por 2 a 1 no Estádio do
Maracanã.
1970 NO BRASIL
11 de março – O cônsul japonês Nobuo
Okuchi é sequestrado por integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)
em São Paulo.
14 de março – Cinco presos
políticos são soltos em troca da libertação do cônsul japonês Nobuo Okuchi.
15 de março – O cônsul é libertado
no começo da noite, 97 horas e 45 minutos depois de ter sido sequestrado por
integrantes da VPR, nas proximidades de sua residência em São Paulo.
25 de março – O presidente Emílio
Médici assina o decreto-lei, que dispõe sobre a ampliação do mar territorial
brasileiro de 12 para 200 milhas marítimas.
11 de junho – O embaixador da
Alemanha Ocidental no Brasil, Ehrenfried von Holleben, é sequestrado no Rio de
Janeiro.
21
de junho – A Seleção Brasileira conquista o terceiro
título da Copa do Mundo de Futebol, derrotando a Itália por 4 a 1 no Estádio
Azteca, na Cidade de México.
1º de julho – Quatro membros da VPR
tentam sem sucesso sequestrar um avião da Cruzeiro do Sul com 34 passageiros e
7 tripulantes a bordo.
31 de julho – O cônsul brasileiro
Aloísio Mares Dias Gomide é sequestrado por Tupamaros, militantes da
organização de guerrilha urbana uruguaia, em Montevidéu, Uruguai.
15 de novembro – São realizadas as
eleições gerais para senador, deputados federal e estadual, prefeito e vereador.
7 de dezembro – O embaixador da
Suíça no Brasil, Giovanni Enrico Bucher, é sequestrado por um grupo de
militantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN), no Rio de Janeiro.
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