Sexta-feira, 23 de maio de 2014 - 16h17
MONTEZUMA CRUZ
Em Brasília
Há tempos ouvi experientes políticos dizerem que a sigla MP rapidamente adquiriu o aspecto camaleão, ou seja, o seu significado – medida provisória – transformou-se em medida permanente.
Esta semana clareou-me ainda mais a consciência, quando constatei que o Congresso Nacional, em vez de legislar, se torna exageradamente genuflexo ao governo, pois aprova um caminhão de MPs, deixando ao largo valiosos projetos de lei.
O afogadilho, aquilo que faz o apressado comer cru, responsabilizou-se pela aprovação de MPs, em nome da “limpeza da pauta”
Doa a quem doer, ao eleitor brasileiro principalmente, as votações ocorrem somente depois de acordos entre líderes partidários. E foi esse o cenário de quarta-feira, sob a mediação do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.
Às vésperas da Copa do Mundo, a melancólica Câmara dos Deputados, a Casa do Povo Brasileiro, tenta enfrentar o inexorável relógio do Tempo. No fim, desgasta o parlamentar, empurrando-lhe ladeira abaixo no conceito do eleitorado. Seis MPs aprovadas estão com prazo de vigência perto do fim, o dia dois de junho, enquanto cinco ainda precisam ser votadas pelo Senado; apenas uma, a MP 630/13, será sancionada.
Essas MPs costumam chegar contaminadas desde o Palácio do Planalto. Isso vem desde os governos José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso duas vezes e Lula duas vezes.
O que para o governo é razoável e até bom, para o Congresso Nacional pega mal. Seis anos atrás, em Campo Grande (MS), o ex-presidente Lula da Silva, justificava-se: “A medida provisória, quando foi instituída na Constituinte de 88, veio porque estávamos cansados de decreto-lei”.
Na ocasião, ele mencionou a palavra “agilidade”. Hoje, o eleitor cansado do decreto-lei, no dizer de Sua Excelência, também está saturado da MP e desse morfético teatro da “agilidade”.
Oposicionistas queriam obstruir a pauta, enquanto fosse mantida na MP 634/13 o conteúdo da MP 644/14, que reajustou a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, aprovada pela comissão mista. Retirado esse ponto, a votação da MP 634 foi feita sem obstrução.
Votações, todas elas apressadamente, em desprezo a tantas matérias engavetadas e ao conhecimento de alguns esforçados deputados que, embora capazes de escapar ao trator governista, sempre são vencidos pelos acordos de líderes, atualmente às vésperas de se transformar em "senhores do bem e do mal”.
Das 17h à meia-noite de quarta-feira, a Câmara uma vez mais voltou-se contra a inteligência e a vontade de trabalhar de alguns, esmagando-os em pleno ano eleitoral. Isso causa enorme desalento no eleitor, sempre usado, porém cansado de tantas desfeitas, pois lá coloca aqueles que pensa serem seus representantes e, no frigir dos ovos...
Assim foi o toque de caixa: MP 630/13, que aplica o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) às obras dos presídios públicos. Está é a única medida que já segue para sanção; 633/13, que garante juros subsidiados para financiamentos do setor exportador e injeta recursos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
● 634/13, que isenta os importadores de álcool do pagamento do PIS/Pasep-importação e da Cofins-importação, além de fazer mudanças em outros assuntos tributários;
● 635/13, que amplia auxílio financeiros recebido por agricultores atingidos pela seca e outros desastres em 2012;
● 636/13, que trata de dívidas de assentados da reforma agrária e concede linha de crédito para famílias incluídas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA);
● 638/14, que prorroga o Refis da Crise, renegocia dívidas de santas casas e permite às empresas habilitadas no programa Inovar-Auto importarem softwares, assim como equipamentos e suas peças de reposição.
Na sessão de terça-feira, o Plenário aprovou a MP 632/13, que reajusta salários de algumas carreiras do Executivo e prorroga o funcionamento da Comissão Nacional da Verdade. A proposta vai ao Senado Federal.
No direito constitucionalbrasileiro, medida provisória (MP) é um ato unipessoal do presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior. O pressuposto da MP, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal é urgência e relevância, cumulativamente. Nem sempre o Executivo respeita esse critério de relevância e urgência quando edita uma MP.
A MP 629/13, que libera R$ 1,95 bilhão para quitar dívidas de estados e municípios e estimular as exportações, ainda não foi votada e deve perder a vigência. A proposta precisa ser votada até o dia 28 de maio, o que não deve ocorrer, conforme prevê a Mesa Diretora da Câmara. Lamentável.
Para que serve um deputado? As novas gerações conhecerão a Câmara dos seus sonhos? Ou, para elas, política é assim mesmo, tristemente imutável?
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