Excedentes denunciam “desrespeito, desprezo à moralidade, à eficiência e à economia”. Torrador do Planejamento alcança R$ 1,6 milhão e só minimiza problemas. Assaltos a cargas, contrabando de mercadorias, roubo de caminhões, tráfico de drogas e de seres humanos continuam impunes.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
BRASÍLIA – O governo está torrando R$ 1,6 milhão com pagamentos de diárias a agentes remanejados de outros estados para suprir lacunas no Departamento da Polícia Rodoviária Federal (DPRF) no País, quando poderia contratar excedentes do concurso promovido em 2008 e que alcançou mais de 160 mil inscritos. O patrulhamento de rodovias federais na Amazônia é um dos principais prejudicados.
Essa situação configura “desrespeito a diversos princípios do Direito, da eficiência, da moralidade e da economicidade”, denunciam representantes dos excedentes. “São 203 aprovados até agora não aproveitados”. O Brasil tem menos de dez mil PRFs, quando o ideal são pelo menos 20 mil.
O Ministério Público Federal recomendou à Fundação de Apoio à Pesquisa (Funrio), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – escolhida sem licitação – a devolução do valor das taxas pagas por candidatos inscritos em mais de um estado para concorrer a vagas de agente no DPRF. Nesse caso, a instituição teria direito a receber apenas o valor correspondente à primeira inscrição.
Os organizadores do concurso comprometeram-se a ressarcir os candidatos. A forma de reembolso será oportunamente divulgada pela Funrio em comunicados oficiais. A recomendação é um instrumento usado pelo MP para defender o interesse público sem recorrer a um processo judicial.
No concurso de 2008 para a função de policial rodoviário federal abriram-se 340 vagas destinadas aos estados do Mato Grosso e Pará, regido pelo Edital DPRF-01/2008. Esse certame já havia sido cancelado por fraude
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Excedentes vivem uma melancólica novela desde 2008. Querem trabalhar, mas são "amarrados" pelo governo que não os contrata, mas paga diárias para soldados PM trabalharem em rodovias federais /M.CRUZ
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cometida pela, então, organizadora da prova, o Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ. Foram considerados aprovados um total de 746 candidatos, dos quais, os primeiros 340 ficaram dentro das vagas e outros 406 considerados aprovados excedentes.
Um vaivém
marcado por má-fé
BRASÍLIA – Em 12 de agosto de 2009 foi aberto novo certame com 750 vagas destinadas ao mesmo cargo: policial rodoviário federal, classe agente. O concurso anterior, regido também por edital, teve seu resultado final homologado em 15 de julho e, conseqüentemente, tem validade até 15 de fevereiro de 2010, podendo ser prorrogado até 15/07/2011.
O procurador Edson Abdon pediu a suspensão imediata do concurso organizado pela Funrio. O edital permitia que os candidatos se inscrevessem múltiplas vezes em diversos estados. Uma única prova possibilitava suas chances de aprovação. De acordo com Abdon, essa brecha no edital favorecia concorrentes com poder aquisitivo para se inscrever em mais de um Estado ou que obtiveram isenção de taxa.
A recomendação também indica que a Funrio “pode ter deixado essa brecha propositalmente, para lucrar com candidatos que se inscreveram várias vezes”. A maneira como ela foi contratada também é colocada sob suspeita, já que os serviços a serem executados pela Funrio não integram sua finalidade institucional. Ainda conforme o procurador, existem indícios de dispensa imotivada de licitação: “Outras empresas também organizam concursos públicos”.
“A ma-fé dos organizadores do concurso é cristalina, na medida em que consentem e promovem a violação deliberada dos princípios da legalidade, impessoalidade e isonomia. O ardiloso expediente assegura aos candidatos dispostos a levar vantagem indevida que façam uso de uma mesma prova, para fins de concorrer em qualquer das unidades federativas ou até mesmo em todas elas, permitindo-lhes que, discricionariamente, escolham, após o resultado, o local que bem lhes aprouver, que será, por óbvio, onde obtiveram maior e melhor classificação', disse o procurador da República Édson Abdon. (M.C.)
Leia, aqui, a íntegra da
recomendação do MPF
DESABAFO DE UM EXCEDENTE
Nem recomendação do Ministério da
Justiça funciona. Clima é de desalento.
BRASÍLIA – O excedente Andrônico Meireles lançou nesta sexta-feira um desabafo: “Em nome dos aprovados excedentes do concurso de 2008 quero deixar claro que não sou contra o concurso nacional. Quero apenas ser respeitado como brasileiro, como cidadão. Nós, excedentes do certame anterior, fizemos um concurso com 160 mil inscritos, com uma prova de alto nível intelectual, uma das mais difíceis que já fizemos e, com certeza, a mais difícil que a PRF já fez”.
“Gastamos uma imensidão de dinheiro com exames médicos, passagens aéreas, hotel e alimentação. Fomos aprovados em todos os testes. O Ministério da Justiça chegou a pedir a convocação dos 406 excedentes restantes, através do ofício n° 372-2009/SE, encaminhado ao Ministério do Planejamento, que corroborou com o pedido, autorizando a convocação de 170 excedentes, por competência do órgão e expedindo a nota técnica nº 507/2009 ao Exm° Sr. Presidente da República, para a convocação de mais 130 desses excedentes. Essa nota técnica reflete a real
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BR-317: esta e outras rodovias amazônicas estão despoliciadas. E mais de três mil vagas de agentes não são preenchidas. Governo prefere fazer novo concurso público /M.CRUZ
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necessidade da PRF, com estudos orçamentário e de vacâncias, que atestam a disponibilidade orçamentária e de pessoal. Existe previsão orçamentária para nossa convocação, pois existem mais de mil cargos vagos, fora os três mil criados por lei específica em 2008, porém, estranhamente essa nota técnica foi arquivada”.
4,5 mil Km nas mãos da PM
“Em face de decisão judicial (Acórdão em Ação Rescisória 2007.04.00.021613-1/PR) foi determinado que a Polícia Rodoviária Federal assumisse a fiscalização de 4,5 mil quilômetros de rodovias federais que vinham sendo fiscalizadas pela Polícia Militar no Estado do Paraná. Com isso estão sendo deslocados em caráter emergencial recursos humanos oriundos de outros estados, mediante o pagamento de diárias, até a viabilização de solução definitiva. Tais diárias estão onerando o DPRF em R$ 800 mil por mês desde maio do corrente ano. Isso, sem contar as despesas com transporte e os prejuízos com a falta de policiais nos seus estados de origem, tendo em vista que a defasagem de policiais existe em todos os Estados”.
“Para piorar a situação o Decreto nº 6.907, de 21 de julho de 2009 alterou o valor mínimo da diária para servidores de R$ 85,00 para R$ 178,00. Ou seja, o gasto mensal hoje com essa situação emergencial é de R$ 1,6 milhão por mês. Sairia então, mais econômica e eficiente a contratação destes candidatos aptos a realizar o curso de formação do que sustentar essa situação absurda, sem contar que não estaria desfalcando outros estados brasileiros e o problema seria resolvido em curto prazo.
Perdas morais e econômicas
“O que está ocorrendo é um completo desrespeito a diversos princípios do Direito, como o da eficiência, moralidade e, principalmente, o da economicidade, tendo, tendo em vista que está se gastando R$ 1,6 milhão em pagamentos de diárias a policiais deslocados, sem contar os custos com transporte destes, deixando 203 aprovados em concurso público sem aproveitamento.
“Alguns dos excedentes se inscrevem no atual certame (este de 2009), mesmo sabendo que já tinham passado no anterior e que tinham o direito de serem convocados. O edital deste concurso está cheio de ilegalidades. O MPF pede o cancelamento do concurso por causa das ilegalidades. Depois vem um acordo, sem observar o direito de opção do candidato. Quando o candidato aceita as normas do edital, firma-se, a partir daquele momento, um contrato entra as partes (Administração e candidato). E, qualquer leigo em Direito sabe que um dos elementos essenciais da constituição do contrato é a vontade.
“No momento em que a Administração escolhe o Estado para o qual o candidato vai concorrer, ela está suprimindo a vontade do candidato e este contrato é nulo de direito, pois não existe a vontade por parte do candidato. Primeira inscrição não é mesma coisa que primeira opção. Isso é claro e lógico. Minha primeira opção poderia ser a Bahia, no entanto minha primeira inscrição poderia ter sido para o Paraná. E ai? É muita falta de respeito. Não podemos ficar calados diante de uma situação como essa.
Nível médio de escolaridade
“Merecemos respeito. Tem mais. A organizadora da prova, a Funrio, foi escolhida sem licitação. O DPRF alegou que seria a única em condições de aplicar prova de Física, mas consultando outras organizadoras, foi-nos informado pela Cesgranrio que eles poderiam fazer a mesma prova sem problemas. Este foi o último concurso que exigiu nível médio de escolaridade para ingresso na carreira de policial rodoviário federal. Esta é a realidade da maioria dos excedentes, que só terão nova oportunidade dentro de seis anos, se passarem no vestibular no fim desse ano e se formarem em quatro anos”.
Fonte: Montezuma Cruz - A Agência Amazônia é parceira do Gentedeopinião
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