Sexta-feira, 12 de abril de 2024 - 15h29
Numa caótica organização judiciária, apenas
duas Comarcas funcionavam em meados dos anos 1970. A Comarca de Porto Velho começava
no Abunã e terminava em Vilhena, na divisa de Rondônia com Mato Grosso. A
Comarca de Guajará-Mirim também abrangia extenso território. A BR-364 só seria asfaltada
e inaugurada em 1983. Rondônia e seus ciclos econômicos atraíam a migração
espontânea de pessoas, interesses e capitais; o Poder Público agia como as
condições permitiam.
Sem rodovia até 1965, Rondônia também viveu os
anos 1970 na dependência do transporte aéreo, sua maior ligação com outras
regiões brasileiras.
Conflitos tinham conotação agrária e minerária. Mas também aconteciam por outras causas. Segundo lembra o advogado Pedro Origa Neto, o profissional do Direito “vivia num imenso campo de influências e de incidências, dependendo mais de seu trabalho pessoal e sem contar com a efetiva assistência de seu órgão de classe.”
Foi nesse período que o Fórum Ruy Barbosa conheceu o advogado Acyr Bernardes, de São Paulo. “Consta que ele veio para escapar da repressão militar, por aqui entrosou-se com seringalistas, que passaram a ser mineradores, caso de Moacyr Motta, Joaquim Pereira da Rocha, Paiva e outros”, lembra o advogado Amadeu Guilherme Matzembacher Machado.
“Quando foi decretada a extinção do garimpo manual, o doutor Acyr encarou a briga e notabilizou-se de tal forma que a Mineração Paranapanema o contratou e o levou de volta para São Paulo” – conta Amadeu Machado.
Acyr, falecido em 2023, tornou-se grande referência em direito mineral e se consolidou como pessoa de relevância no contexto, conhecedor e sagaz.
Segundo Amadeu Machado, Acyr se relacionava muito bem com o controlador da Paranapanema, Otávio Lacombe. “Desfrutei da amizade do Acyr, pessoa gentil, prestativa, competente e brilhante advogado” – lembra Amadeu.
Processo dos professores desaparece
Em 1979, o juiz Bruno Ferreira Gomes adiava pela terceira vez uma audiência de conciliação e julgamento de uma ação trabalhista no valor de dois milhões de cruzeiros, impetrada pela Associação dos Professores contra o Governo do Território, então presidida por Francisco Onofre Matias.
Inexplicavelmente, o processo desaparecera no Fórum, constatava o magistrado no momento da audiência. Semanas antes, era pública e notória a pressão exercida pela Secretaria de Educação, apesar da tentativa de diálogo buscada pelo vereador e professor Amizael Gomes da Silva. Pressão, sumiço de processo, tudo a ver?
Ao suspender a audiência, o juiz informava aos presentes que o cancelamento havia ocorrido duas vezes, “a pedido da assessoria jurídica do governo”. Pedro Origa, advogado dos professores, advertia: “O procedimento do governo é indevido, ao descontar horas-aula nos feriados e deixar de pagar a meia semana de salário a cada reclamante”.
Os professores haviam sido contratados para dar aulas em diversas disciplinas. A remuneração baseada na hora-aula obrigava a classe a trabalhar semanalmente. “No entanto, na ocasião do pagamento do salário, desrespeitou-se a CLT e eles ficaram sem receber a meia semana a que fazem jus”, justificava o advogado.
O processo reapareceria pouco antes de o governo ser condenado a pagar a diferença salarial não efetuada, com juros e correção monetária.
TFR condena governo a pagar professores
Fevereiro de 1981: por decisão unânime, a 1ª Turma do Tribunal Federal de Recursos confirmou sentença do juiz José Clemenceau Pedrosa Maia dando ganho de causa a um grupo de professores que acionou o governo territorial reclamando o não-pagamento da meia semana a mais a cada mês para os regidos pelo sistema hora-aula, conforme estipulava o art. 320, prgf. 2º da CLT.
Inicialmente, eram mais de 90 os peticionários representados pelo advogado Pedro Origa, porém, devido a pressões do empregador (governo), a grande maioria desistiria. E a ação se reduziria apenas a cinco dos originais: professores Amizael Silva, Berenice Luz da Silva, Francisco das Chagas Teixeira, José Campelo Alexandre, e Maria Marlene Costa Arcanjo.
O então presidente da Associação dos Professores, Francisco Onofre Matias, responsável pelo levantamento da situação, conseguiu dar andamento à ação em 2 de outubro de 1978. Origa ainda apontava: “Um professor contratado para lecionar 40 horas-aula semanais ganhava no final do mês 160 horas, descontadas as faltas e os feriados. Assim procedendo, está o reclamado (governo) incorrendo em dois erros: descontando indevidamente horas-aula dos feriados e deixando de pagar meia semana de salário a cada reclamante.”
“Retire o advogado da sala”
Ainda acadêmico, o advogado Arquilau de Paula costumava visitar delegacias de polícia civil. Ele lembra uma situação constrangedora que viveu num dos distritos em Porto Velho.
Sucessivas vezes, o delegado tentava arrancar do preso a confissão da autoria de um furto. Já estava em vias de lhe aplicar uns sopapos ou de torturá-lo, como era comum na Capital, quando decidiu dar ordens aos agentes:
– Assim não dá! Retire o advogado da sala.
Um oficial, um juiz e...
A Justiça de Rondônia, subordinada à do Distrito Federal, gerida por um único juiz de Direito, um único cartório judicial e extrajudicial. Um oficial de justiça e alguns funcionários.
Em depoimento ao Centro Cultural e de Documentação Histórica do TJ, Pedro lembra outras pessoas: “Prestava serviços à Justiça o Dr. Pedro Olímpio da Silva Albuquerque. E como se fora um Defensor Público, o saudoso Dr. Afonso Homann (falecido), atendendo de graça aqueles que não podiam pagar, mas também os ricos e remediados que exploravam a sua benevolência e vontade de servir.”
Prossegue: “Como advogados atuantes pontificavam: o Dr. Franco Paulino dos Santos Mártires (falecido), paraense, ex-deputado estadual que aqui fixou residência e domicílio; Dr. Fouad Darwich Zacharias (falecido), egresso do Ministério Público do Pará e aqui advogado do Banco da Amazônia S.A.”
“Outros foram chegando: Dr. Miguel Roumié ainda no alvorecer de seus 23 anos de idade; Rochilmer Mello da Rocha, retornando à terra natal, após estudos no Rio de Janeiro; Dr. José Mário Alves da Silva (falecido), vindo do Rio de Janeiro; Dr. Abílio Nascimento (falecido), que exercia a função de contador da Rede Ferroviária Federal e viera para ajudar no trabalho de liquidação da lendária Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM) e, mais tarde, advogado com larga atuação no foro; Francisco Geraldo Balbi Filho (falecido), colega muito querido, atuante e determinado.”
“Nelson Oliveira, trazido pelo governador João Carlos Mader, egresso do Rio de Janeiro, que também fez sua opção por Rondônia. Dr. Odacir Soares Rodrigues, acreano de nascimento e egresso do Rio de Janeiro, que chegou a Rondônia compondo a equipe do Governador Flávio Assunção Cardoso, aqui também se fixando; Dr. Joel Quaresma de Moura (falecido), que foi Juiz de Direito e, posteriormente, tornou-se advogado atuando em parceria com Fouad Darwich.”
Nelson faleceu em Camboriú (SC) em março de 2024.
Irmão de advogado esconde inquérito
Álcio Pessoa e Abílio Nascimento, dois entre mais notáveis advogados de Porto Velho, entraram em discussão com o delegado de polícia Anísio Feliciano em 1976. Notas a respeito saíram na imprensa local e no jornal O Globo, do Rio.
Feliciano inquiria um motorista e uma menor, em consequência do tráfico de um pacote de maconha entre Manaus e Porto Velho. Pessoa e Nascimento estavam na sala; junto com eles também se encontrava, Elcio Pessoa, irmão de Álcio. A certa altura o escrivão deu falta da terceira via do inquérito, retirada por Elcio e colocada na bolsa da menor.
O delegado não teve dúvida. Possesso, fechou a porta do gabinete, pôs a chave no bolso e iniciou a busca, sob constrangimento dos advogados. Pediu-lhes que baixassem as calças para uma revista completa.
Abílio era negro, gordinho, cardíaco, teatral, um dos mais hábeis criminalistas do Júri porto-velhense. Álcio, barbudo, polêmico, muito habituado a lidar com essa área, costumeiramente metia-se em altas encrencas com autoridades policiais, e em consequência da sua defesa de marginais via seus pedidos serem repelidos a ferro e a fogo pelos delegados, que perdiam a boa vontade com ele.
Concluída a revista, Feliciano logo constatava que não havia papel algum grudado na barriga, nas pernas, nas costas ou nas partes íntimas da dupla. Pouco depois, o irmão de Álcio confessava o furto. A subseção da OAB lamentava o fato, defendendo a dignidade dos advogados.
Álcio picha muros contra o regime militar
Em março de 1982, o advogado tributarista Alcio Pessoa foi preso por desacato na cela da 1ª Delegacia de Polícia da Capital. Ele era de fato um personagem polêmico que afugentava a maioria dos colegas profissionais.
Segundo apurou o jornal “Alto Madeira” naquele ano, ele acumulava processos contra si: duas vezes por homicídio, uma por lesão corporal e outra por latrocínio. Fora processado como sendo o mandante do assassinato do engenheiro da Ceron, João de Deus Simplício – morto brutalmente em sua residência – e acusado de ter pagado um vigilante para matar o marginal conhecido por “Curicão” no interior do Presídio Santo Antônio.
Dessa vez fora flagrado com seus irmãos Elcio e Guttemberg Pessoa pichando, de madrugada, o muro da casa oficial do governador Jorge Teixeira. “Abaixo o militarismo” – escreviam eles.
O delegado José Lamarques Alves de Medeiros estipulava a fiança em 20 mil cruzeiros, mas para a surpresa geral, Alcio negou-se a pagá-la, preferindo ficar preso. E assim o encaminharam ao quartel da PM, para uma ceda especial.
A vila Cujubim, comprada pelo Governo
A Companhia de Mineração Ferro Union (Ferusa), devidamente licenciada por decreto do presidente Juscelino Kubistschek de Oliveira, construiu a vila de luxo conhecida por Cujubim, em Porto Velho.
Segundo o advogado Amadeu Machado, mais tarde esse condomínio fechado pioneiro foi adquirido pelo governo do território. “No seu auge, aquela vila era o Jardim do Éden em Porto Velho: tinha casas amplas, vias de circulação, ajardinamento, piscina, e quadra de tênis.”
Amadeu guarda cópia do Decreto nº 43870 de 09/06/1958 / PE - Poder Executivo Federal, publicado no Diário Oficial da União em 10/6/1958, concedendo à Ferusa autorização para funcionar como empresa de mineração.
Advogada dos garimpeiros
– Olhe, esse aqui está querendo o direito de sócio na balsa. Investiu tudo, e o sócio desapareceu com o dinheiro do bamburro – contavam para ela.
A advogada Lindivalva Laranjeiras trabalhava numa casa de alvenaria da Rua Campos Sales, Bairro Areal, onde funcionava a Redação do jornal “O Garimpeiro”, que circulou em Porto Velho nos anos 1980.
Não haveria lugar mais propício ao encontro de clientes, pois a corrida ao ouro do Rio Madeira em garimpos do interior do estado estava no auge. Assim, ela foi muito indicada, procurada, e se tornou conhecida
como “a advogada dos garimpeiros.”
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Fotos: Reprodução Folha de S. Paulo, Reprodução Notícias Populares, Linkedin Acyr Bernardes, e Alto Madeira
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