Segunda-feira, 4 de outubro de 2010 - 06h48
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Antes de ir para Cerejeiras, o esperto João Correia, de Cáceres (MT), reuniu-se com promotores de Justiça, delegado da PF e outras autoridades, para lavrar um termo de responsabilidade sobre peões libertados que pretendiam ir para Mato Grosso. No entanto, Correia era sócio da empresa Soteco, contratante de mão-de-obra rural.
Prometia a todos que concordassem em voltar ao trabalho de desmatamento abonar dívidas contraídas no barracão (armazém da fazenda), daria “livre trânsito”, aumentaria os créditos e pagaria 1 mil 700 cruzados por alqueire derrubado. Cruzado era a moeda em vigor em 1986.
Alguns dos peões olhavam-no, desconfiados pela benevolência de contratá-los aparentemente “sem a interveniência de gatos”. Ao conceder-lhes “livre trânsito”, Correia falava mais alto que a própria Constituição Brasileira. No meio do pessoal havia alguns jagunços que tinham contas a acertar com a polícia. Todos eles eram fugitivos da lei.
Com a mesma esperteza de Correia, fazendeiros da região ofereceram três aviões aos fiscais do Ministério do Trabalho, para que percorressem a região e efetivassem uma “rigorosa inspeção”.
Mesmo voando no helicóptero do governo estadual, o “Trovão azul” tão usado pelo governador Teixeirão, os fiscais Rodolfo Simonek e Nacira Simonek queixaram-se de que tiveram pouco tempo para apurar as irregularidades.
Dez dias depois de serem soltos graças à intervenção da Promotoria de Justiça em Cerejeiras e da Polícia Federal, duzentos peões acamparam na pracinha, onde receberam dos comerciantes e dos padres: arroz, feijão, farinha, pão e carne.
No segundo dia, o cardápio foi reduzido a pão, feijão e alguns ossos, porque a população já auxiliava, havia cinco meses, diversas famílias despejadas da Fazenda Guarajus. Elas também estavam acampadas em Cerejeiras.
Os promotores Osvaldo Luís Araújo e Charles José Grabner não viam prosperar os processos, por causa das dificuldades em ouvir os trabalhadores.
Eles saíam angustiados da cidade, prontos para buscar outras empreitadas bem longe “do inferno”. Até mesmo o peão Silvano Cardoso, 33 anos na época, espancado em estado febril. Até mesmo o menor Cícero, obrigado a desmatar, mesmo com parte do joelho arrancada por uma motosserra.
Se na escravatura os negros construíam quilombos, onde viviam escravos perseguidos por capatazes dos casarões, em Cerejeiras os peões adentravam a mata na localidade de Nova Esperança, sob risco permanente de serem capturados pelos jagunços.
Nas Fazendas Bordon e Antonio José, a caçada aos desertores usava métodos sofisticados: avião, rádio e armas de grosso calibre. Infeliz de quem alcançava outra fazenda: terminava preso pelos fiscais de lá.
Os fazendeiros cuidavam de ocultar os crimes de sevícia, tortura e cárcere privado. Contratavam advogados e despistavam investigações policiais, que raramente ocorriam. Métodos antigos, métodos repetidos. Lamentavelmente, hoje ainda ocorrem situações semelhantes.
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