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Montezuma Cruz

Quase fui para Asunción, quando meu destino era Rondônia


 

Quase fui para Asunción, quando meu destino era Rondônia - Gente de Opinião
Trabalhar em fronteira, durante minha vida em sucursais (Dourados, Maringá e Foz do Iguaçu) abriu-me portas para enxergar problemas sul-americanos

 

MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias

 

Dourados sempre encarnou uma sucursal meio paraguaia da Folha de Londrina. Seu representante comercial, João Natalício de Oliveira, falava fluentemente espanhol e guarani. O motorista João Batista Lopes nascera no país vizinho e tinha carta branca para transitar por lá, especialmente com a militância do Partido Colorado, que apoiava a ditadura do general Alfredo Stroessner. O repórter Valfrido Silva, com quem trabalhei, também era profundo conhecedor da região e de suas principais fontes de informação.
 

Sob a batuta do patrão, seu João Milanez (*), do redator-chefe Walmor Macarini, sobrinho dele, e do editor regional Jota Oliveira, a Folha iniciou-me na fase de sucursais, abrindo-me espaço para reportagens em Mundo Novo, Itaquiraí, Iguatemi, Fátima do Sul, Glória de Dourados, Rio Brilhante, Caarapó, Naviraí, entre outras cidades sul-mato-grossenses.
 

Quase fui para Asunción, quando meu destino era Rondônia - Gente de Opinião
João Milanez, o dono de jornal que facilitava
a ação da reportagem /FOLHA DE LONDRINA



Descobria um mundo novo. Foi assim, por exemplo, no dia 1º de março de 1977, data em que o Paraguai lembra a morte do seu herói, o marechal Solano Lopes (1870). Chegava a Cerro Corá, onde, às margens do lendário Rio Aquidaban, assistia à apresentação de um grupo teatral de Asunción, que mostrava o outro lado da guerra, aquele revelando massacres contra mães e crianças.
 

João Batista e Natalício estavam “em casa”. A festa entrava na madrugada, num ambiente que enchia meus olhos: dezenas de mães amamentavam bebês deitadas em redes ou sentadas na relva. Vinha-me à memória a história da Batalha da Costa Añu, na Guerra do Paraguai, que dizimou mais de três mil mulheres e meninos. Calava-me.
 

Em consequência de um temporal na manhã do dia 1º de março de 1977, o generalíssimo Alfredo Stroessner permaneceria na capital. Suspenso o voo que o levaria a Pedro Juan Caballero, a comemoração ficava por conta de quem já estava lá. Entre os militares, maioria absoluta no staff presidencial, destacava-se o ministro da Defesa e também presidente do Instituto Nacional de Desenvolvimento Indígena (Indi), general Marcial Samaniego. Conversei com ele durante a manhã toda.
 

Com mais de 70 anos na época, Samaniego encarava-me, mostrando-se afável ao perceber o meu interesse pela civilização guarani. Mais gentil ficou, quando lhe informei que conhecia o então presidente da Funai, general Ismarth Araújo de Oliveira, do qual ele se tornara amigo.
 

Quase fui para Asunción, quando meu destino era Rondônia - Gente de Opinião
Cerro Corá é sede de parque nacional /ÉRIKA VANESSA ARANDA

Falamos da cultura e sobrevivência indígena, da invasão de suas terras, das etnias sul-americanas, da amizade entre os povos – uma conversa bem próspera, com aspectos políticos e antropológicos.
 

Escrevia a matéria, editada por Jota Oliveira, e o chefe de Redação Walmor Macarini estampava a manchete: Eternamente Lopes: as comemorações do 1º de março em Cerro-Corá.
 

Meu prestígio crescia entre alguns liberais, febreristas e alguns expoentes do regime ditatorial que sufocou o povo paraguaio durante mais de três décadas.
 

Soube mais tarde das conversas dos paraguaios com seu João Milanez, durante as suas estadas em Asunción e na antiga Puerto Stroessner (Ciudad Del Este). Sugeriam-lhe manter um corresponsal fixo por lá, preferencialmente eu. Em 1977 eu me mudava para o extinto Território Federal de Rondônia. A ditadura paraguaia terminaria em 1989.

 

 Facilitando o acesso ao staff de Geisel
 

Num sábado chuvoso de 1977 em Dourados, a multidão espremia-se na frente do prédio da prefeitura para se aproximar do palanque de lona e madeira onde estava o presidente Ernesto Geisel, ladeado por ministros militares e civis. O general e um grupo de 40 pessoas do seu staff prestigiavam o anúncio de investimentos no campo, feito pelo ministro da Agricultura Alysson Paulinelli.
 

Chegava à nova fronteira da soja o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados. Sob o olhar das autoridades, seguranças davam cotoveladas nos mais insistentes, entre os quais este repórter, vestido num apertado terno cinza e estreando um par de sapatos marrom, logo enlameados.
 

Do alto do palanque, nem o secretário de Imprensa Humberto Esmeraldo Barreto, cearense e afilhado querido de Geisel, intercedia para que os bombados gorilas da Segurança fossem menos hostis com o pacato povo douradense – e com a imprensa, evidentemente.
 

Vencida a primeira hora da festa, seu João Milanez, dono da Folha de Londrina, colocou-se na calçada da prefeitura e foi convocando os amigos próximos para entrar no prédio. Levei cotoveladas dos atléticos seguranças, entretanto, minutos depois o prefeito João da Câmara, Totó,  reunia numa pequena sala enviados especiais, correspondentes regionais e demais repórteres.
 

Numa intimidade própria de quem conhecia a Corte e, às vezes, exercendo a costumeira ousadia, o patrão (também o conheciam assim) puxava ministros pelo braço e os anunciava para os ávidos repórteres. Sabia que a ditadura militar não lhes deixavam à vontade com a imprensa, quase sempre, mantida a distância. Ali estava a oportunidade.
 

– Ministro, converse com o repórter da Folha de Londrina – ele apelava. Assim eu conseguia entrevistar o ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki.
 

Paulista de Bastos, Ueki era também querido e aplicado discípulo do general-presidente. A entrevista prosperou. O ministro tirava o paletó, respondia a todas as perguntas, dava entrevistas a rádios e à TV Morena (Campo Grande). No mesmo local, ouvíamos Alysson Paulinelli. Geisel saía pelos fundos do prédio, cercado por seguranças.
 

Mais chuva em Dourados. Só tive tempo para tirar o filme da máquina e entregá-lo ao patrão, que na mesma tarde retornaria a Londrina. Seu João embarcava num avião pequeno que aterrissou com dificuldade no campo da fazenda de um Garcia, no noroeste paranaense. Mesmo fechando mais tarde as edições naquela época, o editor Jota Oliveira e o redator Widson Schwartz não receberam o filme na Editoria Regional.
 

É o típico exemplo de sacrifício quase sem glória. Aquelas matérias foram ditadas por telefone à inesquecível dupla de escutas da Folha: Toninho e Hugo. Sairiam todas, porém, sem fotos.

 

NOTA
*João Milanez morreu em Londrina, de falência múltipla de órgãos, em oito de agosto de 2009.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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