Reduto em Alto Itacuruçá está prejudicado pela lentidão no reconhecimento da titulação fundiária e pela expansão da cultura do dendê.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
ALTO ITACURUÇÁ, PA – Dura, compacta e resistente ao apodrecimento, a sucupira é a matéria-prima das canoas fabricadas artesanalmente e vendidas por R$ 300 a unidade num reduto de quilombolas da região nordeste do Estado do Pará. Essa embarcação comporta quatro pessoas sentadas. Produto de mais um produto característico da mata firme, a sucupira é encontrada com freqüência no Pará.
As 1.444 famílias (4.429 pessoas) de Alto Itacuruçá e região estão distribuídas em nove comunidades espalhadas por um território de 11,8 mil hectares, informa Isaías Neri Rodrigues, 36 anos, da Associação dos Remanescentes de Quilombos das Ilhas de Abaetetuba. Segundo ele, até o ano passado, quilombolas e pequenos agricultores da vizinhança tinham dificuldade em explorar esse negócio com independência. Uma só pessoa monopolizava a fabricação.
“Hoje, o Programa Agroextrativista (PAE) atende bem as áreas ribeirinhas”, diz Costa, o coordenador. É ele quem faz a intermediação entre os fabricantes e os compradores, todos eles pequenos agricultores e pescadores.
Edilson Cardoso da Costa, 51, lembra que um modelo menor, para duas pessoas, também é feito “com o mesmo esforço e a mesma dedicação”. As árvores antigas alcançam até 45 m de altura e 120 cm de diâmetro, explica esse especialista em secagem e no uso dessa madeira. “Aqui sobra sucupira, por isso o senhor vê esse movimento todo. A gente leva uns três dias para fazer uma canoa e sempre tem encomenda para atender”, ele relata.
Cercados por indústria canadense
Não fosse o entrave fundiário, a situação poderia ser mais confortável para esses artesãos, lenhadores e plantadores de mandioca, feijão-caupi, milho,, arroz, açaí e cupuaçu.
Os quilombolas se apossaram das terras onde vivem ainda nos anos 1980, mas a associação ainda enfrenta um entrave para usufruir da titulação definitiva do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), outorgada em 1992. Segundo Isaías Rodrigues, as famílias ainda têm dificuldade na demarcação, “porque são pressionados por fazendeiros de Belém e de São Paulo”.
Fica em território quilombola a indústria canadense Biopalma da Amazônia S/A, produtora do óleo de dendê, que é retirado dessa palmeira. A empresa estende seu patrimônio por uma área de aproximadamente 50 mil hectares, conforme relatório do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da organização não-governamental Repórter Brasil. EM 2008 a entidade já alertava para as conseqüências do projeto de dendeicultura no Pólo Acará-Bujaru-Concórdia.
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Idelma Rodrigues, 25 anos, anima os encontros da Associação dos Remanescentes de Quilombolas. Traz a poesia na veia e demonstra um bonito entusiasmo / MONTEZUMA CRUZ
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As 32 olarias da região trabalham com argila própria, conta Manoel de Jesus Pinheiro, 51, oito filhos, o “Preto”. “Fabricamos tudo”, comenta, feliz. No meio da floresta conhecemos a aposentada Irene Maciel de Souza, 58, oito filhos, dos quais cinco morreram. “Fiquei com três moços”, diz.
“A coluna dói”, ela reclama. Ela e as sobrinhas Claudiane, 8, e Claudilene, 10, estudantes das segunda série, transportam lenha nas costas diversas vezes por dia. No paneiro, Irene carrega mandioca ralada para fazer tapioca e vende nas redondezas, a R$ 2 a unidade.
Nascida em Itacuruçá, Idelma Neri Rodrigues, 25, gosta de poesias e declama algumas. “Minha identidade”, uma delas, é de autoria do pai, Lucindo Rodrigues, que tem 11 filhos. “Ela consegue entusiasmar a todos e tem uma enorme consciência da luta dos negros desde o Brasil Colônia”, atesta o pesquisador da Embrapa Raimundo Nonato Brabo Alves.
Apoio técnico
Os quilombolas se organizaram para cobrar das autoridades estaduais a titulação coletiva da área. Eles não têm todas as informações a respeito do andamento do processo de legalização da área já vistoriada para a titulação coletiva nos municípios de Bujaru e Concórdia do Pará; encaminhamento dos procedimentos técnicos de vistoria das demais áreas do município de Concórdia; e sobre o laudo histórico-antropológico das famílias.
A demora para serem donos de verdade dos lotes ocupados é compensada com o apoio dado por técnicos do Pará Rural para 14 comunidades no distrito de Jambuaçu, município de Moju, a cerca de 70 quilômetros de Belém. Sob a coordenação da Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos, esses técnicos fazem a sua parte. Até há dois meses, eles atenderam a mais de quatrocentas famílias de agricultores familiares.
Temor do agronegócio
A governadora do Pará, Ana Julia Carepa (PT) está cobrando da Superintendência Estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Gerência Regional do Patrimônio da União a solução para o problema. Segundo os quilombolas de Bujaru e Concórdia do Pará, a demora na titulação coletiva de seu território dura sete anos.
De um total de 18 comunidades quilombolas nessa região, apenas quatro situadas no município de Concórdia do Pará e uma em Bujaru passaram pela efetivação de relatório técnico de vistoria para identificação, delimitação e levantamento ocupacional. Essa medida possibilita a titulação coletiva e a emissão do título de reconhecimento de domínio elaborados pelo Incra em 2005.
Há uma grande corrida à compra de terras para atender ao agronegócio, que responde às projeções do governo federal na área de biocombustíveis. Para a Associação dos Remanescentes de Quilombos, no momento a venda de terras “atende ao objetivo de empresas do ramo do dendê”.
Não há papéis comprobatórios ou, pelo menos, estes são sonegados à imprensa, mas existem indícios da compra de terra pela Biopalma. A associação queixa-se de que algumas pessoas “foram persuadidas a assinar papéis para facilitar a compra e a venda da terra a ser negociada com a Biopalma.
No ano passado, a Companhia Vale do Rio Doce formou uma joint venture (associação) com a Biopalma, criando o maior produtor de óleo de palma, com investimentos que deverão alcançar US$ 500 milhões. A fábrica de biodiesel propriamente dita será integralmente da Vale.
Artesãos do miriti conservam
o ambiente e saem da pobreza
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Brinquedos confeccionados por artesãos associados já ultrapassaram os limites da praça em Belém. Chegaram à Europa, eles contam, animados / MUSEU GOELDI
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ABAETETUBA – Com 150 integrantes, a Associação Arte em Miriti de Abaetetuba (Miritong) apóia e incentiva toda e qualquer política ou ação de preservação, plantio e manejo de miritizais da microrregião do Baixo Tocantins. Eles fabricam brinquedos a partir dos “braços” (hastes que sustentam as folhas) do miritizeiro, uma típica palmeira da várzea amazônica muito utilizada pelas populações ribeirinhas.
A produção artesanal multicolorida e de diversos formatos segue para Belém, onde é vendida nas ruas e praças. Especialmente nas vésperas de datas importantes, entre as quais, o Círio de Nazaré. Há décadas, esse brinquedo retrata fragmentos da realidade e do imaginário amazônico.
Entre 2002 e 2005 os associados se dividiram em quatro grupos de trabalhos artesanais: Arte em Miriti Cores e Encantos da Amazônia; Grupo Cacos e Caroços; Abaeté Artesanato – Brinquedos Educativos de Madeira; e Grupo de Música Reponta-da-Maré.
Apesar da limitada situação financeira, a Miritong consegue envolver, principalmente jovens, na divulgação da cultura do trabalho com miriti. A associação participa de exposições e eventos nacionais e internacionais, e com isso desperta a auto-estima das pessoas que confeccionam as peças de artesanato. Ao mesmo tempo, valoriza a tradição de Abaetetuba.
Já o Grupo Abaeté Artesanato iniciou suas atividades em 1999, aproveitando madeira reciclada em brinquedos pedagógicos e jogos de saúde mental. Seu público-alvo constitui-se de jovens carentes em situação de risco. Com os mesmos objetivos, a ela juntou-se, em 2002, o Grupo Arte em Miriti em 2002 contribuindo em muito para a organização social da Miritong.
Segundo o coordenador do grupo, Manoel Gomes Filho, que também é diretor da Miritong, a Amazon Paper cedeu algumas máquinas; a Escola de Trabalho e Produção cedeu um galpão em suas dependências; e a Terrapi, empresa francesa, contribuiu para a capacitação da entidade na área de gestão, melhoria e desenvolvimento de novos produtos. Também contribui com a divulgação desses produtos no mercado europeu.
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O manguezal é parte integrante da paisagem rural desta região paraense que mescla o artesanato como alternativa à pobreza e as conquistas do extrativismo /EMBRAPA
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O Grupo Cacos e Caroços utiliza sementes e resíduos da floresta para confeccionar biojóias, adereços, ornatos, luminárias e expositores. Esse grupo contribuirá com o grupo de música na confecção de instrumentos musicais.
O artesanato em miriti divide-se em quatro grupos: Arte em Miriti Cores e Encantos da Amazônia. Este grupo desenvolve suas atividades na “Fábrica de sonhos”, na sede da Miritong. O Grupo Tauerá de Bela trabalha na zona rural, onde também desenvolve atividades com manejo da palmeira de miriti, em parceria com a Associação de Moradores.
O Grupo Pirocaba, outra colônia do município de Abaetetuba, reúne jovens artesãos daquela localidade. O Grupo da Comunidade do Baixo Itacuruçá pertence à região das ilhas do município. Sua composição é formada majoritariamente por mulheres. Ali, em parceria com o Centro Internacional de Pesquisa Florestal, Embrapa, Museu Goeldi e Universidade Federal Rural da Amazônia, a Miritong instalou o experimento para pesquisa da palmeira.
Com o curso livre de música Reponta-da-Maré, o professor Ney Viola integrou-se em 2007 às atividades da Miritong. Participam 45 jovens dispostos a um trabalho artístico com ênfase para a percussão e a pesquisa. O curso Reponta-da-Maré leva música à juventude como instrumento pedagógico de desenvolvimento social, de agregação dos principais valores humanos, entre os quais, a solidariedade, o companheirismo e o respeito às diversidades.
RIQUEZA DA FLORESTA
● Nome científico da sucupira parda: Bowdichía virgilioides H.B.K., Leguminosae.
● Árvores de capoeirão são de menor porte. Sua casca mostra-se cinzenta, quase lisa, com pequenas fissuras verticais. Tem cheiro imperceptível.
● Outro nomes e espécies afins: sapupira, sucupira-do-igapó, cutiúba e sapupira-da-mata. Possui cerne de tonalidade chocolate (recém-cortada) ao marrom-escuro (após secagem), com alburno estreito e acinzentado.
● As madeiras que compõem o grupo conhecido por Sucupira-parda são procedentes, em todo o País, por espécies pertencentes aos gêneros Bowdichia (B. nitida e B. virgilioides) e Diplotropis. Em razão da semelhança entre suas madeiras, não existe diferenciação no comércio.
● Textura entre média e grossa. É comum grã irregular e ondulada. Possui superfície irregularmente lustrosa, de aspecto fibroso e entrelaçado, ligeiramente áspera ao trato.
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Fonte: Montezuma Cruz - A Agência Amazônia é parceira do Gentedeopinião