Viva o internauta brasileiro, senhor desse imenso vácuo das melhores idéias! Opa! Agora é ideias. Separo o joio do trigo: há internauta desleixado e internauta interessado, capaz, estudioso. A estes, avante! Aprender é um exercício diário, ininterrupto. O ditongo aberto foi eliminado nas paroxítonas. Assim, esses heroicos sindicalistas dos anos 2000 promoverão sucessivas assembleias, no estrito cumprimento do dever, mesmo com indisfarçáveis tramoias.
Recebo mensagem de ano novo propondo: faça algo diferente em 2009. Com a advertência: aceite as mudanças para não envelhecer. Será? Alguns jornais se glorificam, ao anunciar garbosamente que adotam a novíssima ortografia no alvorecer de 2009.
Centenas ou milhares de redatores, editores e repórteres suspiram: "Graças a Deus!". Por falta de revisão, os jornais acumulam erros de acentuação que agora serão evitados com alguma facilidade. Igualmente, pecavam e ainda pecarão pelo estrangeirismo no texto. É outro assunto.
Saudade, sim
Homônimos, homófonos e heterógrafos. Ditongo, tritongo, hiato. Verbo, adjetivo, substantivo, artigos, pronomes demonstrativos, pleonasmos, cacófatos, galicismos, gentílicos, advérbios de tempo, modo e lugar. No túnel do tempo, freqüento a sala da 1ª série A do curso colegial. Freqüenta, não, Montezuma! Agora é frequenta, primo-irmão de requenta, deliquente, sequencia, tranquilo.
Aprenda, burraldo! E modifique logo o seu computador, porque ele permanece tão burraldo quanto você. Agora é claraboia, plateia, epopeia. Nessa grafia ouço clarabôia, platêia, epopêia. Meu ouvido é diferente do seu, estimado leitor? Ou assumo fidelidade e obediência ao que de melhor existiu no meu banco escolar?
Quisera ter novamente ao meu lado a professora pirajuense Jeanne Therezinha Polenghi, que lia e nos fazia interpretar as páginas sublimes do livro de português de João Baptista da Luz. Em seguida, ordenava uma análise sintática, possibilitando-nos um banho de verbos transitivos diretos, indiretos e intransitivos.
Gaspari agora escreverá patuleia
E os ditados? Alguém resiste hoje a um ditado de cinco minutos? A nota máxima da maioria dos alunos de Jeanne não passava de sete ou oito, no entanto, aprendíamos razoavelmente bem.
O que será deste indignado visconde brejeiro que provou daquele bálsamo e se obrigou a rejeitar, desde o advento da internet, o linguajar chulo do MSN e do Orkut: falanu, chegandu, vem k, explicandu, esperandu, aki, entrandu?..
Mestre Dad Squarisi pode até lamentar, mas a partir desta semana, o Correio Braziliense publicará: Mangabeira tem mais ideias para a reforma agrária. E Élio Gáspari escreverá patuleia, uma de suas palavras prediletas.
Agora, o indivíduo nasce em Cananeia ou Pompeia...
Apoiar não segue mais a regra diferencial do pôde e pode. Agora, eu apoio quem me dá apoio é tudo igual. Apóio acabou.
TV Globo na rua
Menino, não coma essa geleia! Tem corante. Assim você não estreia no basquete da Unimed. Na novela, sucedem-se o: esquece, rapaz! (no lugar de esqueça); na propaganda, faz um 21 (ordenando, no lugar do faça). Conjuga-se mal no horário nobre. E nos obrigamos a retirar tão importantes acentos agudos e tremas das palavras? Pura perseguição e covardia, protesta um professor na internet.
Retrógrado e transgressor da lei, me submeteria ao ridículo de escrever ideia, azaleia? Assisti na TV o didático Tonico Ferreira – aquele jornalista comunista que escrevia tão bem no extinto Movimento – esforçando-se em tom professoral para corrigir pessoas nas ruas de São Paulo. Ele mostrou-lhes numa folha impressa as palavras linguiça, sequestro, consequência — todas sem o trema.
Fala-se kinkênio ou qüinqüênio?
Qüe, qüia, güe, güi são são frescuras, gente; são necessários.
Vão golpear a cedilha também?
Mestres ensinam que o trema é um acento diacrítico, pois atribui um som diferente a uma letra. Tal qual a cedilha: quando colocamos aquela 'cobrinha' embaixo da letra 'c', significa que terá aquele som, exatamente, de cobra ("sssssss").
Aboliriam também a cedilha, por 'inutilidade'?
Eles veem, eles não creem em profecias, nem no Apocalipse. Muitos dirão: "Não há diferença". Há. Sem o circunflexo, o som é vem e crem. Certamente o locutor de rádio, TV e internet não dirá crem, mas crêem, à moda quase antiga. Não confundirá o vêem (de enxergar) com o vem (de chegar).
Já o hífen continua desafiando os melhores cérebros. Melhor estudá-lo como sempre nos foi recomendado, porque possui macro-história e nos proporciona uma imprescindível autoaprendizagem.
Ainda bem que permanecem os acentos diferenciais do singular e do plural dos verbos ter e vir. Da mesma forma, os seus derivados – manter, deter, reter, conter, convir, intervir, advir etc. Ele tem dois carros flex. Eles têm dois carros. Ele vem de Porto Velho. Eles vêm de Cruz das Almas.
Matuto, feito um Quixote sem lança: resistirei, em condições de reaprender? Terei forças para apreciar Fernando Pessoa, segundo o qual, a sorte de um povo depende do estado da sua gramática? "Não há grande nação sem propriedade da linguagem", ele proclamou.
Oremos. Muitas pessoas exercerão esse papel na sua plenitude, mas não se livrarão de morrer com a memória presa.
MAIS
Polêmica e incerteza
● Apesar de a reforma ortográfica já estar em vigor na ordem jurídica internacional e de ter sido ratificada por quatro países, a polêmica sobre o valor do acordo ainda resiste, noticiam as agências internacionais de notícias.
● O Brasil se torna o primeiro país de língua portuguesa a adotar as novas regras ortográficas, enquanto no resto do mundo lusófono o acordo ainda está cercado de polêmica e incerteza.
Abaixo-assinado português pede a suspensão
● Em Portugal, uma petição com milhares de assinaturas pedindo a suspensão da implementação do acordo está sendo avaliada pela Assembléia da República. Um dos signatários, o deputado do Parlamento europeu Vasco Graça Moura, diz que a reforma é "praticamente a adoção da grafia em vigor no Brasil, com a pretensão de que ela se aplica a todos os espaços em que se fala a língua portuguesa".
● Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Portugal também já ratificaram o acordo, mas nenhum deles tem data marcada para implementar a nova ortografia.
"Asneira do século"
● O novo acordo ortográfico da língua portuguesa é a maior asneira lingüística do milênio, critica o jornalista Ray Cunha, no saite
wwwconexaocplp.com.br em Brasília.
"Em vez de unificar as línguas portuguesa e brasileira, confunde. Representa a galinha dos ovos de ouro para os editores fregueses do Ministério da Educação do Brasil. Em vez de as nações lusófonas gastarem rios de dinheiro com essa besteira, deveriam prestar atenção no setor educacional dos respectivos países.
● "No Brasil, por exemplo, a Educação está – sempre esteve — relegada a segundo plano. Antes de ficar pensando em firulas, o Brasil ainda precisa superar muita coisa, como: escravidão, destruição da Amazônia, massacre de crianças índias e miseráveis; famílias que moram nas ruas das grandes cidades; desemprego; fome (apesar de sermos os maiores produtores de alimentos do planeta); ignorância; miséria. O acordo deve ser prioritariamente social".
PINGUE-PONGUE
"Há coisas mais relevantes a fazer"
● O site www.paraiba.com.br ouviu a professora paraibana Carminha Aguiar, 25 anos, a respeito das alterações nas regras, sobre as inquietações dos alunos com as mudanças e sobre a necessidade dos professores de todas as áreas se informarem melhor.
Professora, quais são as principais mudanças ocasionadas pelo novo acordo ortográfico do Português?
● Carminha Aguiar: As principais mudanças decorrentes do novo acordo ortográfico são a saída do trema de palavras como lingüiça que ficará linguiça, o acento diferencial de pares como para/pára, pêlo/pélo/pelo; por exemplo. Restando apenas o acento de pôr/ por e de pôde/ pode, este último por se tratar de tempos diferentes do mesmo verbo, o primeiro pertencendo ao pretérito perfeito e o segundo presente do modo indicativo.
● Professora, a senhora concorda com a reforma? Quais as vantagens e desvantagens trazidas pelo novo acordo?
● "Do ponto de vista educacional, eu acredito que haja coisas mais relevantes a se discutir sobre educação do que simplesmente o acento que sai e o que permanece. Porém, quando observamos a discussão pela ótica da política lingüística, percebemos que esse acontecimento representa um grande passo para a aproximação dos países falantes de Língua Portuguesa, seja por causa da divulgação científica entre esses países que se torna mais acessível, seja por causa da escrita que se tornará mais parecida".
● "No que se refere às desvantagens oriundas desse processo, podemos dizer que elas estão mais associadas à forma como as pessoas recebem essas mudanças. É muito comum encontrar pessoas nativas da Língua se queixando que português é difícil, tenho receio de que essas mudanças contribuam para a fortificação desse mito".
● A senhora já começou a conversar com seus alunos sobre as mudanças no Português? Quais as principais dúvidas e dificuldades deles?
● "Sim, organizei seminários que discutiam a evolução da língua portuguesa do início do século XX até os dias atuais. As principais dúvidas que surgiram a partir dessas discussões foram: vamos ter aprender o português novamente?/ Quando voltarmos das férias já deveremos saber escrever de acordo com a nova ortografia?/ Essa mudança afetará a maneira de falar palavras como cinqüenta, lingüiça, tranqüilo?. Quanto às dificuldades, a mais relevante que eu percebi nessas conversas foi em relação a escrita de palavras que perderam acento como: vôo/voo, enjôo/enjoo, vêem/vêem, entre outras.
Na África
● É a maior alteração do novo acordo ortográfico: na variante luso-africana são suprimidas as consoantes mudas que, até agora, se mantinham por uma questão etimológica. Assim, à semelhança dos brasileiros, eles passarão a escrever 'lecionar', 'ação', 'coleção', 'elétrico', 'adoção' e 'batismo'. Nos casos em que a consoante se articula, esta deverá permanecer, como em 'ficcional', 'convicção', 'intelectual', 'opcional', 'opção' ou 'eucalipto'.
Interessados, porém...
● Os governos dos demais países – Timor Leste, Guiné-Bissau, Moçambique e Angola - se dizem interessados em aprovar o acordo, mas ainda não o fizeram. Segundo Godofredo de Oliveira Neto, presidente da Comissão de Língua Portuguesa, órgão ligado ao Ministério da Educação brasileiro, os outros países de língua portuguesa acompanham com atenção o início da adoção do acordo no Brasil, assim como a situação em Portugal, e devem definir nos próximos meses como será feita a implementação das novas regras internamente.
● "A expectativa é de que todos os oito países tenham ratificado (o acordo) até a metade de 2009", diz ele. A iniciativa do Brasil de ser o primeiro país a colocar em vigor as novas regras ortográficas foi vista como "um impulso" aos demais países pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Luís Amado.
● Mas a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa deixa claro que o objetivo da reforma é a unificação e que "o ideal seria que todos os países avançassem em uníssono".