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Montezuma Cruz

RESGATE A ÍNDIOS ABANDONADOS


 
Resgate a índios abandonados, 
uma dura e persistente missão 
da Igreja em Guajará-Mirim


MONTEZUMA CRUZ

GUAJARÁ-MIRIM, Rondônia – Se já não é fácil conservar em pé a floresta das áreas indígenas em Rondônia, imagine-se então reconhecê-las e demarcá-las no momento em que a corrida madeireira se torna cada vez mais desenfreada. No meio desse turbulento trabalho, o bispo da Diocese de Guajará-Mirim, dom Geraldo Verdier, insiste em postular os direitos de índios isolados no Vale do Guaporé. Ele está fortalecendo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no reconhecimento aos remanescentes das tribos Cujubim do Rio Cautário, Miquelenos do Rio Manoel Correia, e Puruborá do Rio Colorado. Em Brasília, a Funai também trata do assunto. 

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Dom Geraldo: persistência no resgate /M.CRUZ

Talvez seja esta uma das mais difíceis, mas não impossíveis missões sociais do bispo, aos 70 anos de idade. Há 30 anos ele defendia posseiros, denunciava o trabalho escravo em fazendas do Guaporé. Hoje Dom Geraldo vê os indígenas praticamente encurralados pelo avanço de serrarias, de milhares de sem-terra e percebe as autoridades confusas na hora de decidir. É nesse ambiente conflitante que ele age, sempre confiante em obter soluções pacíficas. 

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Barraco de invasores, incendiado na reserva Uru-eu-au-au /ABr
Enquanto se esforça para fazer ver aos governos federal e estadual que Rondônia ainda possui aldeias carentes de saúde e de recursos, o bispo conta com um legado muito forte, pouco conhecido da população: a língua indígena Puruborá, atualmente estudada pela pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, Ana Vilacy Galúcio, está ameaçada de extinção. Ana Galúcio saiu da sede da instituição mais antiga de pesquisa da Amazônia, em Belém, para se encontrar com os dois únicos falantes, ambos octogenários. Moravam em Guajará-Mirim e Costa Marques e ficaram 40 anos sem falar essa língua. 


Lembranças do Polonoroeste 


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Corrida madeireira ameaça áreas indígenas /GENTE DE OPINIÃO
O ano de 2007 foi marcado pela violência contra os povos indígenas de Rondônia e de modo especial no município de Guajará Mirim. No final de março houve um assassinato duplamente qualificado de Maria Helena, uma idosa do povo Guaratega (Kampé), que foi asfixiada depois de estuprada.

Em menos de 8 meses morreram dois indígenas em fazendas no ramal Lago das Garças: Gilson Acácio Lobato, Puruborá, 26 anos, assassinado com um tiro de espingarda em janeiro de 2007, por Hermes José da Silva, na fazenda do sr. Cabral. E João Pereira da Silva, 38 anos, Miquelém, atingido mortalmente por uma árvore durante uma derrubada ilegal na Fazenda Água Boa.

Gilson e João participavam das assembléias de seu povo com a perspectiva de se mudar para a sua terra quando for demarcada. Assembléias anuais durante sete anos seguidos com documentos encaminhados para a Funai e Ministério Público Federal não foram suficientes para que o órgão concretizasse as demarcações solicitadas. Os indígenas "sem terra" e desempregados na cidade se tornam uma mão-de-obra barata para as fazendas da região, que além de pagar pouco não oferecem qualquer proteção trabalhista.

Impunidade

No caso da idosa Guaratega, a polícia soltou o único suspeito por falta de provas. De fato, os "peritos" que fizeram o inquérito não colheram nem o sêmen nem as digitais. No caso do Gilson do povo Puruborá, as únicas testemunhas encontradas para depor eram parentes ou amigos do assassino que falaram de legítima defesa. A denúncia do promotor contra o assassino foi uma queixa-crime por "porte ilegal de arma" e por ser réu primário e com mais de 60 anos foi absolvido, apenas perdeu a chumbeira mortífera! A família não recorre da sentença por temer represálias.

No caso do João do povo Miguelém, alem de prestar um serviço sem nenhum contrato de trabalho como é rotina nas fazendas, o dono da fazenda não ofereceu nenhuma indenização. A irrisória ajuda que deu o gerente da fazenda foi o translado do corpo do necrotério até a casa. A família pensa em procurar o Ministério Público para pedir justiça. O fazendeiro foi atuado pelo Ibama, mas prosseguiu a derrubada ilegal.

Mas dom Geraldo não esmorece. Movido pela fé e pela vontade que consagrou seus históricos antecessores, faz o quanto pode pela demarcação dos respectivos territórios. Anima-se ao relembrar que durante a execução do Programa de Desenvolvimento do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste), financiado pelo Banco Mundial, nos anos 1980, foi possível a demarcação das terras dos Uru-eu-au-au. 
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Emília Puruborá cedeu a casa para reuniões de seu povo /JANDIRA KEPPI


Puruborá, um momento especial 

GUAJARÁ-MIRIM – Pelo menos 42 das quase 160 línguas indígenas do Brasil estão em perigo de extinção por causa do número reduzido de usuários ou da falta de transmissão às novas gerações. Graças ao trabalho da pesquisadora e sua equipe, a recuperação da língua Puruborá vem sendo possível.

"O trabalho na comunidade de cerca de trezentos indígenas motivou a nova geração", disse Ana Galúcio. O material de pesquisa, áudio e vídeo vem sendo usado na escola dos remanescentes. "É uma luta difícil, porque a disputa pela madeira nobre em nossa região vem se tornando uma das maiores ameaças à sobrevivência desses índios dentro dos seus padrões étnicos e culturais", ele comenta.

Esperança

A advogada Jandira Keppi, do Conselho de Missão entre os Índios (Comin), ainda tem esperança em ver os Puruborá felizes. "Apesar de já estarem muito devastadas pelos fazendeiros, que derrubaram a floresta para criação de gado, a terra deles está ali, esperando por eles, para que eles a recuperem, deixem a floresta se regenerar e os rios e igarapés voltem a ter águas limpas e correntes". O Comin é ligado à Igreja Evangélica de Confissão Luterana, de tradicional atuação na defesa de minorias étnicas em Rondônia. Seus profissionais atuam nas áreas de pedagogia, teologia, pastoral, direito, enfermagem e medicina, assistência social, agronomia e outras, em sete campos de trabalho.

"Essa terra é o lugar sagrado dos Puruborá. A memória de seus antepassados está em todo lugar. Será também o espaço de reagrupamento desse povo, que tanto sofreu pela discriminação, pela falta de terra, pela dispersão dos parentes. Será o lugar onde todos poderão morar juntos novamente, voltar a falar sua língua, produzir e reproduzir sua cultura coletivamente", acrescenta Jandira. 

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Puruborá se reencontraram e voltam a falar a sua língua /COMIN
Emoção no relato sobre o
reagrupamento da tribo

GUAJARÁ-MIRIM – É da advogada Jandira Keppi este relato: dona Emília é uma indígena do povo Puruborá. Sua história e a de seu povo coincide com a de muitos povos indígenas que, por muito tempo, tiveram sua identidade indígena negada pela Funai ou tiveram que escondê-la para não serem perseguidos pelos invasores de suas terras. Dona Emília morava com seus filhos, seu marido e demais membros do seu povo na região onde hoje está localizada a Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, no município de Seringueiras, Estado de Rondônia.

Por ocasião da demarcação desta área indígena, em meados da década de 80, a Funai fez o levantamento de todos os ocupantes não indígenas, incluindo a família de dona Emília e de todos os seus parentes como posseiros que deviam se retirar daquela área, o que foi questionado por eles, alegando que também eram indígenas e que pertenciam ao povo Puruborá. Que suas terras tradicionais iam inclusive além dos limites pleiteados pelos Uru-eu-wau-wau. Porém, o órgão indigenista negou a identidade desse povo, sob o argumento de que os Puruborá 'haviam sido extintos na década de 1940'.

Dispersão e reagrupamento

Em conseqüência da negativa da Funai, dona Emília e todo o seu povo tiveram que sair da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau. Como não tinham para onde ir, se dispersaram. Cada família foi para um canto. Dona Emília e sua família conseguiram comprar um pedacinho de terra ali por perto mesmo, em suas terras tradicionais, que haviam ficado fora dos limites da área dos Uru-eu-wau-wau.

Mesmo dispersos por toda a região do vale do Guaporé e sendo vistos como não- indígenas, os Puruborá continuavam se sentindo como Puruborá e tinham o sonho de um dia se reagrupar, encontrar seus parentes, ter notícias de outros, saber onde estavam seus sobrinhos, seus netos, seus tios, inclusive tantos outros que já se foram e que só ficaram na memória dos mais velhos. Hoje eles já sabem que existem mais de 400 pessoas Puruborá. Com o apoio do Conselho Indigenista Missionário, em 2000, conseguiram fazer sua primeira assembléia. De lá pra cá, ano a ano o povo vem se reunindo.

Em 2007, de 10 a 12 de julho, ocorreu a VII Assembléia do povo Puruborá, onde o Comin esteve presente com assessoria jurídica. Todas as assembléias ocorreram na casa da dona Emília, que hoje já não é mais um espaço individual dela, mas transformou-se numa aldeia. Aldeia Aperoy! Dona Emília quer que essa aldeia cresça mais e não perde a oportunidade de convidar seus parentes a virem morar com ela". 
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Um bispo sempre às voltas com a polícia e a Justiça /M.CRUZ


Ser bispo na Amazônia,
uma delicada missão


GUAJARÁ-MIRIM – Ser bispo na Amazônia é estar ao lado das minorias étnicas. Mais do que nas décadas de 1970 e 80, a sobrevivência indígena depende da garantia desse espaço ameaçado pelo cerco promovido por migrantes. Rondônia ainda possui nove povos indígenas sem contato, cinco dos quais em território assistido pela Diocese. Em 1932 a população indígena somava maia de 20 mil pessoas; atualmente são apenas três mil, cercadas cada vez mais por seringueiros, madeireiros, garimpeiros e fazendeiros.

"Eles necessitam transporte regular para buscar o tratamento de doenças, principalmente a hepatite", alerta o bispo. Francês de nascimento, dom Geraldo se tornou rondoniense há 41 anos, conforme relata, quando aqui pisou pela primeira vez. Recebe visitas diárias de líderes políticos, índios e populares, no escritório situado a cem metros do Rio Mamoré, na Amazônia Ocidental Brasileira, de frente para o Departamento (província) do Beni, Amazônia Boliviana. 

Por uma imposição geográfica, ele está na lista dos bispos mais "viajados" do País: com 90 mil Km2, a Diocese de Guajará Mirim abrange terras de Colorado do Oeste a Nova Mamoré, entre o sul e o centro do Estado de Rondônia. Em outro aspecto desconfortável, entrou na lista dos ameaçados de morte, na qual também inscreveram os nomes dos bispos dom Antônio Possamai (ex-titular da Diocese de Ji-Paraná) e dom Moacyr Grechi (arcebispo de Porto Velho). 
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Nove de agosto de 1995: PM despeja sem-terras em Corumbiara


Corumbiara, um pesadelo

Ele foi a primeira autoridade da Igreja a denunciar o trabalho escravo em fazendas da região sul de Rondônia. Sobram-lhe inquietudes, motivadas por questões fundiárias. "É inadmissível que os autores da chacina de Corumbiara até hoje não tenham sido punidos", lamenta. A chacina ocorreu na madrugada de nove de agosto de 1995: duzentos policiais armados retiraram cerca de 500 posseiros que ocupavam a Fazenda Santa Elina, naquele município do sudoeste de Rondônia. Durante o tiroteio, mulheres foram usadas como escudo humano e obrigadas a avançar diante das tropas.

Após a rendição dos trabalhadores, o acampamento foi queimado. Morreram dois PMs e nove posseiros, entre eles uma menina de sete anos. A violência foi tão grande que algumas pessoas nem puderam ser identificadas, segundo o delegado que presidiu o inquérito policial, Raimundo Mendes de Souza Filho.

Mediação à risca

Sob clima tenso, dom Geraldo estivera anteriormente na região. Andou a pé, alimentou-se apenas de arroz e feijão, para evitar a resistência armada na Fazenda Adriana, em vias de desapropriação pelo Incra, para reforma agrária. "A Polícia Militar suspendeu a ordem de despejo. Lembro-me que o capitão Quirino recusou-se a despejar as famílias, alegando que teria de atirar nos sem-terra e seus homens também poderiam ser alvejados".

Houve uma audiência judicial em Porto Velho, mas os donos das terras não compareceram, ele recorda. O lugar passou depois a ser denominado Acampamento Bom Jesus dos Assentados. Mais organizados, atualmente, os posseiros aguardam energia elétrica.

Certa vez, dom Geraldo queixou-se para o juiz de Direito da superlotação da cadeia de Guajará-Mirim. A autoridade determinou a soltura de 60 presos. "Eu me assustei; até o Carapanã?". O sujeito fora condenado por sete homicídios nas costas e ganhou a liberdade. "Encontrei-o, depois, vendendo picolés e lhe dei alguns conselhos". Em outra ocasião, o jipe no qual viajava foi abalroado numa estrada de Colorado do Oeste pelo veículo ocupado por dois traficantes de drogas. Ele desceu do carro e foi humilhado pela dupla.

O promotor de Justiça de Colorado Oeste, Tarcísio Leite de Matos, também sofrera ameaças deles. Os dois eram foragidos da Paraíba. Dom Geraldo não pensou duas vezes: procurou-os na cidade e quando os encontrou passou-lhes um sermão (M.C.) 

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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