Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Rochilmer Rocha, psicólogo de multidões


Rochilmer Rocha, psicólogo de multidões - Gente de Opinião
Jornalista e Advogado Rochilmer Melo da Rocha: um exemplo de solidariedade e humanismo na imprensa amazônica /MENSAGEM FAMILIAR

 
 

MONTEZUMA CRUZ


Na pequena estante da sala do diretor de A Tribuna, Dr. Rochilmer Melo da Rocha, o livro “Psicologia das multidões” era bem apropriado ao momento vivido pelo extinto Território Federal de Rondônia. Gente chegando de todos os quadrantes do País motivava-o para reflexões: como será isso aqui? Para qual público estamos fazendo um jornal? A “Era das Multidões”, introdução à leitura desse livro de Gustavo Le Bon, respondia ao inquieto filho do pioneiro Joaquim Pereira da Rocha: “A voz das multidões tornou-se preponderante. Ela dita aos reis a sua maneira de proceder. Já não é nos conselhos dos príncipes, porém, na alma das turbas, que se preparam os destinos das nações”.


Conheci Rochilmer há 33 anos, já enfiado na redação e na oficina gráfica daquele prédio de alvenaria da esquina das avenidas Sete de Setembro e Jorge Teixeira de Oliveira (ex-Avenida John Kennedy). Anteriormente, ali existia uma máquina de beneficiamento de arroz.


Chegara há pouco em Rondônia. Hóspede do quarto número seis do Hotel Rodoviário, sentia necessidade de apoio moral, psicológico e financeiro.


O ano de 1976 marcou assim a minha inserção em Rondônia, da qual nunca mais me separei, pois aqui nasceu a maioria dos meus filhos. Meu “novo patrão” parecia-me uma pessoa capaz de se dividir entre uma postura enérgica, solidária e benevolente. Nele confiei.


Uma família unida


A fumaça do chumbo quente com o qual eram compostas as páginas do jornal não permitia conhecer de perto os gráficos. Saíamos após o fechamento para noites e madrugadas de feliz convívio. A eles me integrei no terreno de A Tribuna, aonde alguns ergueram seus lares. Houve outro jornal assim?


Fiz amizade com os gráficos, algo que o jornalismo dos anos 1970 permitiu a uma plêiade de felizes profissionais. Encantava-me a simplicidade do ex-seringueiro seu Raimundinho, servindo-nos café todas as tardes, enquanto narrava histórias da floresta e lustrava carinhosamente as hastes douradas da impressora.


Revezando-se com o motorista Valdir, doutor Rochilmer transportava seus repórteres num Opala azul para beber açaí e tacacá em bancas do centro ou do Bairro da Liberdade. Bebíamos guaraná Tuchaua no Café Santos, depois íamos à Panificadora Resky e aos fotos Lopes e Pereira, para encomendar a revelação dos filmes de nossas matérias. Uma hora depois, as fotos estavam copiadas para seleção e confecção dos clichês, à noite.
 

Seria no alto desse mesmo ex-Café Santos (atualmente uma farmácia) que Rochilmer construiria agora a Redação de um semanário no qual, para o qual, com certeza colaborariam, aqueles que um dia trabalharam numa de suas três fases.

Rochilmer Rocha, psicólogo de multidões - Gente de Opinião
Assessoria de Segurança e Informação da velha Companhia Vale do Rio Doce e Serviço Nacional de Informações (SNI) recomendavam ao regime militar o boicote econômico: A Tribuna foi o segundo jornal da lista; soubemos disso quase 30 anos depois daqueles agitados 1976, 77 e 78 /REPRODUÇÃO M.CRUZ


 

Ah! que aprendizado.


Os editores Lúcio Albuquerque e Ivan Marrocos testaram o meu grau de interesse e de paciência em desvendar ou construir a reportagem na essência: despacharam-me num ônibus da Viação Rondônia para a então poeirenta e embarreada BR-364. Fui de Porto Velho a Vilhena com um grupo seleto de arenistas (filiados à Aliança Renovadora Nacional), um misto de seguidores do governo ou dissidentes dissimulados.


Percorrer lugares, entre os quais, Candeias do Jamari, a emergente Nova Ariquemes, Jaru, Nova Vida, Ouro Preto do Oeste, Vila Rondônia, Presidente Médici, Cacoal, Pimenta Bueno (ex-Urupá) e Vilhena significou-me o resgate de sonhos de infância, quando lia O Cruzeiro e me deixava seduzir por histórias que aqui se passaram.
 

Testemunhei algumas, mescladas pelo pulsar do garimpo à pistolagem, da saga dos sem-teto à saga dos posseiros, da aldeia indígena e dos escritórios do Incra ao palácio governamental. Acompanhei arenistas pela “Estrada de JK” e, ao mesmo tempo, tive o privilégio de freqüentar aquele casarão branco da Rua Campos Sales, onde “reinava” o advogado goiano e três vezes deputado federal Jerônimo Garcia de Santana, do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).


Graças a esse emprego que me foi dado em boníssima hora, liguei-me às multidões de migrantes e nativos, formadores de idéias, projetos senão muito justos, pelo menos muito precisos no tocante ao interesse de cada um. Ou seja, cada qual aportava ou vivia no ex-Território do Guaporé, adquirindo consciência da sua força. Obviamente, alguns, entre eles, jornalistas, não acumularam tanta força, pois foram vencidos pela malária, apendicite, aneurisma cerebral, edemas, e até por acidentes rodoviários.


Mostrava quem é quem


Nesse cenário de transformação, Rochilmer aplicava o aprendizado adquirido com brilhantismo na sala do curso de Direito e na redação do Correio da Manhã, no Rio de Janeiro. Ao retornar, já com família constituída, atuou em O Guaporé e por um período foi correspondente de O Estado de S.Paulo. Sempre soube respeitar os concorrentes, reconhecendo o valor dos “furos” – matérias publicadas em primeira mão. Tomava-os como legítima motivação à equipe de A Tribuna, nascida em 1975.


Rochilmer apontava-me as “estrelas” que viravam notícia, fazendo-me compreender o mérito de cada um. Repetia isso com todos os seus repórteres. O advogado Abílio Nascimento era “o rei do júri” e seu colega José Mário Alves da Silva, um notável criminalista. Nesse patamar, o ainda não presidente do Tribunal de Justiça, Fouad Darwich Zacharias, se especializaria em questões fundiárias. Tudo sabia. A ele associou-se Amir Lando.


Daquele que foi repórter sindical de um dos mais célebres jornais brasileiros e conheceu os meandros da reportagem, esperei e obtive mais. Em conluio com os editores Ivan e Lúcio, o diretor Rochilmer me permitiu enfrentar situações de múltiplos efeitos: um dia, o trio colocou-me para entrevistar Waldemar de Holanda Pinto, o Waldemar cachorro, que levou a cobra Vanusa ao Programa do Chacrinha. Noutra ocasião, o general Fernando de Carvalho visitara a redação para divulgar um dos seus livros anticomunistas. Quem foi o escolhido para ouvi-lo? Este repórter.
 

Autorizado por Rochilmer, o colunista social Roberto Vieira promovia jantares especiais dentro da redação. Os convidados degustavam lasanha, assados, peixe e tabule. Essa mesma redação também recebia a visita noturna de coronéis comandantes do 5º Batalhão de Engenharia e Construção e do antigo Comando de Fronteiras Acre-Rondônia, numa época ainda distante da “abertura política”.


Seu Rocha, um conselheiro


Templo de discussões, inquietudes, confissões de paixões incontidas e de um promissor planejamento de pautas, o Café Santos proporciona o contato direto com os jogadores do Moto Clube, quando pediam a bênção de seu Joaquim Rocha. Ele morava com dona Noêmia no primeiro andar e costumava convidar amigos para almoçar no restaurante.


Rochilmer presente, facilitava nossas conversas com gente da capital e do interior. Seu Rocha também ia cedo ao jornal, onde lia o exemplar do dia, comentava as notícias e a todos transmitia preciosas orientações. Na verdade, na falta do meu pai que perdi aos 16 anos, ou de um tio bem próximo, senti na presença dele um conselheiro importante naquela minha juventude.
 

Seu Rocha foi dono de seringal, cujo subsolo guardava imensuráveis reservas de cassiterita (minério de estanho). Jogadores do Moto Clube pediam-lhe adiantamento salarial, os tradicionais vales. Reconhecendo valores e situações de dificuldade, ele compartilhava sua riqueza, presenteando as pessoas com seus conhecimentos e, não raro, com dinheiro.
 

Protestos do Incra e denúncias ao SNI


Indignado com reportagens retratando a dureza dos assentados em projetos na região central do ex-território federal, o coordenador regional do Incra Bernardo Martins Lindoso telefonou bravo a Rochilmer. Depois, suspendeu pagamento de editais, estabelecendo a censura econômica.


Assessorias de segurança no governo e nas empresas públicas (os conhecidos “arapongas”) deduraram o jornal ao arbitrário Serviço Nacional de Informações (SNI), recomendando que não lhe dessem anúncios.


Em Brasília, o SNI nos considerou agitadores e subversivos abrigados por um jornalista-advogado influente. Apesar dessa situação, desconhecida por alguns durante pelo menos três décadas, não nos abalamos ao datilografar as velhas laudas de papel. Convicto do que fazia, Rochilmer nunca deixou de recolher encargos sociais e do pagamento de salários. Contam-se os meses em que os atrasou por uma semana, mantendo uma postura altiva e da qual nasceu uma nova fase no jornalismo rondoniense.

Rochilmer Rocha, psicólogo de multidões - Gente de Opinião
Este repórter é grato por ter trabalhado numa das escolas que muito lhe ensinaram /ARQUIVO


A humanidade sempre teve agitadores, alguns, de efêmera atuação e de baixos instintos. Os grandes só exerceram fascinação depois de terem sido primeiramente subjugados por uma crença. Gustavo Le Bon lembra que eles criaram nas almas essa formidável força chamada fé, a que torna o homem escravo absoluto do seu sonho.


Coragem regada a diálogo


A Tribuna teve entreveros com o governo do coronel Humberto da Silva Guedes. Rochilmer procurou o diálogo, fazendo ver que o jornal concedia o direito de voz aos desvalidos e injustiçados que não a possuíam, interpretando fielmente os seus sentimentos. Ou seja, atendia às reivindicações das turbas capazes de mudar métodos e meios da sociedade, para levá-la a ver melhor o estado normal de todos os grupos humanos no advento de uma nova civilização amazônica.


Ademais, não se inventavam notícias nesse jornal. Os títulos é que socavam autoridades contra a parede. Um deles, de Paulo Queiroz, numa edição inteiramente em preto e branco, sem as costumeiras tintas azul e vermelha, enlutou 78 famílias de posseiros despejadas com violência em Cacoal: “Só resta medo na gleba que um dia foi Prosperidade”.


No final do mandato outorgado pelo general-presidente Ernesto Geisel a um de seus coronéis de confiança, o diretor-responsável abriu espaço para “o pensamento vivo de Guedes”. Atitude democrática e, sobretudo, tolerante, diante daquilo que passou por ousar fazer um jornal capaz de expor idéias e inserir-se nas conquistas do seu tempo.


O coronel Guedes voltou para Brasília brigado com Odacir Soares e Jerônimo Santana. A nós, devotou respeito.


Só posso sentir saudade desse período e me confortar com o exame de consciência de tudo o quanto vivi, ao lado dos companheiros de A Tribuna, capitaneados pelo Dr. Rochilmer Rocha, que fez a última viagem na segunda-feira e nos deixa um enorme vazio, porque ainda planejava colaborar com a comunicação, editando um semanário na capital.


Por tudo que foi e ainda é neste Estado de Rondônia, esse amazônida nascido em Calama foi um psicólogo de multidões. A todos ele transmitiu palavras amigas e orientações, a exemplo do pai dele, seu Rocha.


Seu gesto simples ao cumprimentar ou ouvir pessoas traduziram amor ao próximo. Os cargos públicos que ocupou e a propriedade de um jornal não lhe desviaram do caminho da caminho de luz, por onde transitam os bons.


No velório do corpo do Dr. Rochilmer, sua incansável companheira Margarida Rocha disse-me que no doloroso período de enfrentamento do câncer ele se lembrava de tudo aquilo que ainda pretendia fazer em benefício da sua querida Rondônia, notadamente, o renascimento de A Tribuna. Merece a paz de espírito que hoje todos lhe desejamos.



NOTA

Havia escrito este texto a pedido do jornalista Lúcio Albuquerque, por ocasião dos 70 anos de Rochilmer Rocha, no ano passado. Modifiquei-o, incluindo agora aquilo que não desejava fazê-lo: o adeus a uma pessoa de bem.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”

“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”

Desde 2023, o presidente da Seccional OABRO, Márcio Nogueira ordena a visita a pequenos escritórios, a fim de amparar a categoria. “O jovem advogado

Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025

Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025

A Associação Casa da União Novo Horizonte, braço da Beneficência do Centro Espírita União do Vegetal, espera mais voluntários e doadores em geral pa

PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho

PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho

Mesmo tendo iniciado no Direito trabalhando no escritório do notável jurista Evandro Lins e Silva, no Rio de Janeiro, de postular uma imprensa livre

"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta

"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta

Pequenos agricultores de 15 famílias assentadas em Joana D’Arc e na linha H27, na gleba Rio das Garças, ambas no município de Porto Velho, ouviram o v

Gente de Opinião Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)