Sexta-feira, 4 de setembro de 2009 - 20h11
Ministério Público dá prazo de 15 dias para se apurar denúncias de queimadas e destruição de lugares onde há vestígios históricos milenares no sul rondoniense.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
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ROLIM DE MOURA E JI-PARANÁ, RO – Dentro de 15 dias, o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deverá se manifestar a respeito da degradação ambiental em áreas com geoglifos e características de cemitério indígena, constatadas pelo farmacêutico e bioquímico Joaquim Cunha da Silva durante sucessivas pesquisas no sul do estado de Rondônia. A decisão foi anunciada pelo procurador da República Daniel Fontenele Sampaio Cunha, chefe do Ministério Público Federal (MPF) em Ji-Paraná.
O MPF entende que está diante de uma história riquíssima. Assim, Fontenele enviou documentos à Superintendência Estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), recomendando posicionamento da instituição quanto à relevância das descobertas que poderão levar especialistas a confirmar a presença do povo Inca na região onde surgiu Rondônia (sem esse nome), no início do milênio passado.
Engenharia inca caprichou na construção com pedras. Os incas eram capazes de modificar leitos de rios e lagos para sua agricultura e piscicultura. Como viviam em regiões alagadas, construíam aterros para erguer suas estradas /JOAQUIM CUNHA |
Joaquim Cunha levou ao conhecimento do MPF a ocorrência de desmatamento e queimadas em áreas georreferenciadas dos geoglifos e a existência de sítio arqueológico com características de cemitério indígena. Lembra que ainda há índios isolados na região e vislumbra a criação de um parque com proteção inclusive no entorno. Do Iphan, do Ibama, da Funai, da Polícia Federal e até da Unesco (segmento das Nações Unidas para educação, ciência e cultura.
Palafitas,
mais indícios
Na busca por pistas do Eldorado Paititi, que teria sido o maior abrigo do povo Inca, massacrado por espanhóis na Amazônia Peruana, o pesquisador vem se surpreendendo com alguns aspectos. Um deles é que os habitantes da lendária cidade habitavam palafitas. “Coincidentemente, ao procurar por bibliografias, encontrei uma foto minha citada na tese de mestrado de estudiosos da Missão Jesuítica na Amazônia Meridional, quando se refere a Santa Rosa de Mojo, num espaço de fronteira”, ele diz.
Na Pirâmide do Condor há pedras que exigem mais pesquisas. O geoglifo perto do Rio Guaporé pode ter sido o tipo levantamento de terra ou formação de ilha artificial que servia para residência da população de Paititi. A área é rica em urnas funerárias, materiais líticos e artefatos de cerâmicas /ÁLBUM DO PESQUISADOR |
A autora do estudo, Aparecida Martins Castilho Pereira, menciona que “os moradores da região dos Moxos habitavam esse tipo de moradia”. Segundo Joaquim Cunha, o Eldorado-Paititi localizava-se em volta de uma laguna com a ocorrência de geoglifos, dentro da Reserva Biológica do Guaporé, e parte fora – em Porto Rolim de Moura, Fazenda Urooses e Izidolândia, todos no município de Alta Floresta do Oeste.
Jazida de cobre e chumbo
“Esses geoglifos espalharam-se por Rondônia, seguindo a falha magnética do Cânion Buraco da Velha, no município de Alto Alegre dos Parecis, onde existe uma grande jazida de minério de cobre e chumbo, que foram a matéria prima necessária para o desenvolvimento de uma grande civilização”, explica o pesquisador.
Cunha não teve dúvida nessa fase de sua busca. Renomeou o cânion como Vale Sagrado dos Incas, dada a semelhança em miniatura do Vale Sagrado na região de Cuzco, na Amazônia Peruana. “Minas de âmbar no Peru, as minas de Âmbar de Nova Brasilândia do Oeste, perto do Rio Branco; minas de ouro do Rio Corumbiara em Colorado do Oeste, e do Rio São João do Branco, afluente do Rio Cautário, faziam parte do Gran Reino dos Moxos aqui. Na Bolívia elas se espalhavam por todo território do Departamento de Beni (Amazônia Boliviana), certifica-se.
Se encontrou dificuldades em localizar vestígios do povo Inca no sul de Rondônia, Joaquim Cunha certificou-se de que a literatura e o tipo de solo da região comprovaram a moradia em palafitas. “Eles eram exímios engenheiros, já que modificavam os leitos de rios e lagos para sua agricultura e piscicultura. Como viviam em regiões alagadas, construíam aterros para erguer suas estradas”, comenta.
Ilhas, acidentes geográficos, mosaicos
A Via Láctea possui um tipo de vegetação diferente: "Só consegui visualizar, porque estou acostumado a ver imagens e percebo pequena diferença em tonalidades de cores e formas de objeto" / ÁLBUM DO PESQUISADOR |
Ao deparar pela primeira vez com os geoglifos, o pesquisador disse não ter acreditado no que via, por causa dos tamanhos. Os habitantes de Paititi moldaram ilhas, acidentes geográficos, e deslocaram grande quantidade de solo. “Aqueles que compõem o mosaico da Via Láctea têm um tipo de vegetação diferente, o que me lembrou Peabiru. Só consegui visualizar, porque, além de ter especialização em georreferenciamento, tenho também em citologia clinica. Estou acostumado a ver imagens e percebo pequena diferença em tonalidades de cores e formas de objeto”.
Nas expedições feitas entre Rolim de Moura e Alta Floresta do Oeste, Joaquim Cunha descobriu artefatos fabricados com esmeralda, mesmo sabendo-se na inexistência de jazidas na região. Só havia na Colômbia. As características do vale também o levaram a deduzir que os guerreiros incas se exilaram ali.
“Na ânsia de roubar metais de grande valor, os espanhóis saíam destruindo tudo e ateando fogo em cidades nas quais não fossem residir. Esta região era insalubre para eles, devido ao alto índice de doenças tropicais e de insetos”, lembra. A outra face da história, o pesquisador acredita ser também relevante: para aplacar a ira da população, chegaram os missionários jesuítas, cheios de doutrina. “Aí, muitos se dispersaram na floresta para não ser escravizados ou convertidos. Varíola, febres e gripes epidêmicas provocaram então o desaparecimento de 90% da população. Com as cidades invadidas e a população debilitada, tornou-se mais fácil a conquista”, conta.
Segundo Joaquim Cunha, relatos históricos revelam ainda que os curas corruptos forneciam mão-de-obra escrava para os fidalgos espanhóis. Na Bolívia, os chiquitanos (habitantes da Província de Chiquitos) trabalharam de graça em fazendas da Bolívia e do Brasil. “Os jesuítas deixaram uma tradição religiosa muito arraigada. Veja, por exemplo, a festa máxima e centenária, a do Divino Espírito Santo que acontece anualmente no Vale do Guaporé, de Vila Bela da Santíssima Trindade a Guajará Mirim, a qual tive a oportunidade de presenciar em maio de 2007 em Porto Rolim de Moura”, comenta.
PING-PONG
As pesquisas vão continuar?
Joaquim Cunha promete continuar pesquisando. Ele conta como primeira vitória a determinação do Ministério Público Federal, em Ji-Paraná, para que o Ibama apure a degradação ambiental no território rico em vestígios da história milenar amazônica /DIVULGAÇÃO
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JOAQUIM CUNHA – Você vê essas pedras trabalhadas colocadas em paralelo, sobre a cabeça do Condor. Aqui, entre o Distrito de Izidrolândia, em Alta Floresta do Oeste, há geoglifos e áreas de floresta georreferenciados para futuras pesquisas no local. O Geoglifo do Condor mesmo, perto do Rio Guaporé, pode ter sido o tipo levantamento de terra ou formação de ilha artificial que servia para residência da população de Paititi. A área é rica em urnas funerárias, materiais líticos e artefatos de cerâmicas.
O senhor denominou alguns lugares com simbologia. Explique isso.
Eu percebi que apareceram todas as divindades Incas representadas nos geoglifos. Foi aí que achei o Reino de Paititi em torno da laguna. No Peru é marcante a simbologia. Nós, nativos encarnados, vivemos no mundo do Puma, onde podemos vivenciar todas as oportunidades de crescimento de nosso espírito. Podemos compartilhar com a natureza e com todos os seres humanos. Eles dizem que quando deixamos o corpo físico, independentemente de nossas ações, passamos para o mundo da Serpente. Então, a Grande Serpente enrola nosso corpo físico, desmanchando o casulo que a Avó aranha criou para o nosso espírito, libertando assim nosso espírito de suas memórias. Dizem que, auando o nosso espírito está purificado, a Grande Águia ou Condor entra no Mundo da Serpente e nos conduz para o Alto, para o Mundo do Grande Espírito, e de lá podemos auxiliar o crescimento de toda a Natureza.
Sua descoberta foi feita também com base nisso?
Sim, e também com a tecnologia que o mundo moderno me oferece. O Geoglifo Serpente, o Jaguar e o Condor estão nas imagens de satélite CBERS2, em foto por mim georreferenciada. O Eldorado-Paititi Reino Gran Moxos, do qual pedi o reconhecimento no cartório e no Ministério Público, possui todas essas riquezas, quase imperceptíveis para quem destrói a natureza. Por sua vez a Pirâmide, a Via-Láctea, são fantásticas e devem ser mais estudadas.
Qual a certeza do Patiti na Amazônia Ocidental?
Comparei o suposto mapa de Paititi, conservado no Museu Eclesiástico de Cuzco, com mapa georreferenciado por mim. Plotei imagens de satélite para fazer varredura virtual da área, através de dados históricos e literatura sobre a civilização Paititi. O Geoglifo Serpente, Condor e Jaguar são evidências. O Crânio, do lado boliviano que fica em Porto Rubio, no Beni, é a terra do saudoso Don David Savala Mendez, pai de Choco, Cuco, Mirian e Valentina, hermanos que tive a honra de conhecer em Porto Rolim de Moura.
Ecologista e jipeiro na selva amazônica
A construção com pedras é um dos aspectos que caracterizam o sítio arqueológico registrado em Rolim de Moura e que poderá obter a proteção do Patrimônio Histórico Brasileiro, do Ibama e, quem sabe, da própria Unesco /JOAQUIM CUNHA |
ROLIM DE MOURA – Joaquim Cunha fundou, em 1987, a Associação Ecológica Guaporé, junto com o engenheiro agrônomo João Ribeiro, a ecologista Ieda Cella e outros abnegados defensores da natureza. A ONG foi responsável pelo crescimento da luta em defesa da Reserva Biológica do Guaporé e pela criação de reservas extrativista, uma delas, a do Rio Cautário.
Sob a presidência de Cunha, entre 1996 e 1997 foi assinado o primeiro Projeto Piloto de Manejo Comunitário de Recursos Florestais de Rondônia, para a Resex do Rio Cautário. Acostumado a participar de rallys pela selva e por estradas barrentas da Amazônia Ocidental, o pesquisador fez uma viagem de carro de Rolim de Moura a Cochabamba, via Cáceres (MT), “para entrar em contato com a cultura das missões jesuítas”. Visitou as cidades de San Inácio de Velasco, Concepcion, San Javier, San Ramon e Santa Cruz de La Sierra.
Em 2008 participou da Expedição a Machu Picchu (Peru), pela Rodovia Transoceânica, que sai de Iñapari (fronteiriça a Assis Brasil-AC). Fez a volta pelo centro da América do Sul e retornou novamente pelo território das missões. Produziu vídeos com festas tradicionais andinas. (M.C.)
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