Quarta-feira, 22 de dezembro de 2021 - 17h21
Hoje,
22 de dezembro, o estado mais próspero da Amazônia Ocidental Brasileira
completa quatro décadas de vida. Neste dia, 40 anos atrás, a Lei Complementar
nº 41 aprovada pela Câmara dos Deputados e sancionada em Brasília pelo
presidente da República, João Baptista de Oliveira Figueiredo, criava a 23ª
unidade federativa brasileira, oficialmente instalada em 4 de janeiro de 1982.
Só quatro
anos depois de o estado ser criado Rondônia alcançou seu primeiro milhão de
habitantes. Era 1985, e de lá para cá se passaram 36 anos, tempo em que o IBGE
informa que chegaram de longe ou aqui nasceram mais 815 mil pessoas. A
população atual supera 1,8 milhão.
“Temos políticas
repressivas de segurança pública, com práticas decorrentes da ineficiência de
outras políticas sociais capazes de reduzir a pobreza e criar expectativas de
melhoria existencial”, lamenta o historiador Marco Domingues Teixeira ao
criticar a realidade atual.
“Rondônia
é a Canaã brasileira”, dizia um grupo evangélico em 1976. “É pra lá que
eu vou
ir”, proclamava um migrante gaúcho entusiasmado com a nova terra,
em 1977. Mas os discursos no Plenário Bohemundo Alvares Afonso, na Câmara
Municipal de Porto Velho, e no na tribuna da Câmara dos Deputados, tratavam
esta terra pejorativamente: “Rondônia é um quintal do Ministério do Interior”,
repetiam vereadores e o deputado federal Jerônimo Santana (MDB) diante da inexistência
de recursos para o território sobreviver.
Contudo,
sob forte pressão de fatores que hoje se caracterizariam como socioambientais –
a exemplo das glebas Rio Pardo, Floresta Jacundá, Flona Bom Futuro, e demais
áreas com ocupações –, o ex-governador Ângelo Angelim iniciava um movimento
visando a desestimular a corrente migratória.
Matérias
em jornais e revistas mostrariam em 1985 que o alardeado Eldorado estava minado
por malária, falta de crédito, de estradas e desassistência.
Prosperidade
Quatro
décadas depois, o estado é próspero. Conforme dados do Observatório do Desenvolvimento Regional publicado este mês no portal da Secretaria de Estado de Planejamento,
Orçamento e Gestão, com dados de janeiro a outubro de 2021, o período foi
encerrado com a menor taxa de desocupação da região Norte. Foram criadas
253.971 vagas, 13% do total.
Rondônia
também obteve bom desempenho das exportações, somando US$ 1,51 bilhão nos
mercados internacionais. No faturamento acumulado desde 1º de janeiro deste
ano, os serviços (+40,3%), o comércio atacadista (+32,8%), o comércio
varejista (+28,3%), a indústria (+26,4%), a construção civil (14,3%) e
agropecuária (-2,7%) são os setores mais relevantes da arrecadação.
São
dados da edição especial nº 57 do Boletim da Coordenadoria da Receita
Estadual, da Secretaria de Estados de Finanças (Sefin) referentes ao período de
1º de janeiro a 30 de novembro.
Isso
explica o atual contentamento demonstrado pelo governador Marcos Rocha diante
do êxito do programa Tchau poeira, asfaltando,
recuperando e sinalizando vias públicas urbanas de Cerejeiras a Porto Velho.
O
governador comemora a arrecadação de R$ 4,8 bilhões de Imposto Sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sem repasse do Simples nacional.
Montante referente ao período de 1º de janeiro a 30 de novembro deste ano.
No
total, o estado arrecadou R$ 6,65 bilhões (+18,5%) em relação ao ano pandêmico
de 2020.
Destemidos
e anônimos pioneiros
Em
1979, quando desembarcou na Capital, o ex-governador Jorge Teixeira de
Oliveira, Teixeirão, repetia várias vezes: “Vim com a missão de
transformar Rondônia em estado”. Na verdade, ele quis dizer: elevar. “Quem
transforma é mágico”, ironizava o ex-vereador e deputado estadual Cloter
Saldanha Mota (MDB).
Foi
notável o destemor e a boa vontade de agricultores paranaenses e capixabas
dispostos a fincar suas raízes nos cantões do velho território federal, lembra
o historiador Célio Leandro da Silva.
“Somos
destemidos pioneiros”, versos do hino Céus de Rondônia que
poderiam muito bem sintetizar a saga de seu povo ao longo de todo o processo
histórico de ocupação e colonização”, ele diz.
“Pioneiros
históricos como Cândido Rondon, que tinha na sola dos pés as marcas de cada
palmo deste rincão; Aluízio Ferreira, pioneiro na proteção e desbravamento em
tempos em que o mundo vivenciava seus piores momentos bélicos; Jorge Teixeira,
o grande construtor de Rondônia, veio criar um estado e assim o fez”, assinala.
O professor louva os anônimos: “São tantos os Raimundos, construtores de dormentes, de calçadas, de estradas, tão destemidos quanto Marias rendeiras, feirantes, seringueiras; os Shockness, os Johnson, educadores, maquinistas e recepcionistas, gente que ao longo de nossa história constituiu, constituíram o pujante estado”. Na preservação dessa memória, ele explica que não significa atrelá-la ao passado e impedir o seu desenvolvimento, “mas sim, conservar seus pilares constituintes a fim de não perder conhecimentos e identidades”.
Superlativa
Para
o historiador da Unir, professor Marco Domingues Teixeira, o único estado
brasileiro com nome de um grande personagem da história resultou de uma série
de políticas, consideradas e desenvolvidas pelo regime militar.
“A
colonização agrária do eixo da BR-364, sua posterior pavimentação; o aumento
expressivo da população residente e a criação e posterior consolidação de um
projeto agroindustrial ainda comandam a economia do estado”, ele enfatiza.
“Tudo
isso está hoje pautado na grande lavoura de soja para exportação, criação de
gado para a exportação e atividades paralelas a essas principais: indústria
madeireira, garimpos e minerações, e prestação de serviços comerciais
diversos”, descreve.
Quando
se conhece quem veio para cá, conclui-se: Rondônia é superlativa, pois abrigou
brasileiros e estrangeiros, a exemplo dos pomeranos que saíram do Mar Báltico,
passaram por cidades do Estado do Espírito Santo e mais tarde migraram para
Espigão do Oeste.
O mar
Báltico situa-se no norte da Europa e é circundado pela península Escandinava,
Europa continental e as ilhas dinamarquesas.
Mas
esse destemor implicou barreiras, uma delas, imposta pelo próprio Teixeirão ao
instalar em Vilhena o Centro de Triagem de Migrantes (Cetremi). Ali, no portão
de entrada da nova fronteira agrícola brasileira, a 704 quilômetros de Porto
Velho, o governo vacinava todos contra a febre amarela.
Em 31
de janeiro de 1983 instalava-se a Assembleia Constituinte de Rondônia, que
redigiu a primeira Carta do novo estado promulgada em agosto daquele ano. Em
1987 espoucava o litígio de terras com o Acre, na Ponta do Abunã, que possui
terras férteis e valiosas pedras de brita. O Acre queria essa parte.
O
então governador de Rondônia, Jerônimo Santana, ameaçou acionar tropas da
Polícia Militar para desalojar 70 soldados do Acre instalados na área. No
início do ano seguinte, tropas do Exército chegaram à região, a fim de
convencer o governo do estado vizinho a acatar um parecer do IBGE que deu ganho
de causa a Rondônia. Os desentendimentos continuariam até 1990.
Flagelo
do narcotráfico
Naquele
período, a migração ainda era intensa e descontrolada, causando diversos
problemas sociais, porém, o mais grave foi a devastação de 30% das florestas
estaduais. Os anos 1990 foram também marcados pelo flagelo do tráfico de
drogas na fronteira com a Bolívia, e nesse ritmo não foram poupados políticos
estaduais e federais, algo descrito desde então em enciclopédias mundiais.
Deputados federais tiveram mandatos cassados.
Dos
32 núcleos urbanos de apoio rural [NUARs] criados sob a guarda governamental e
de sua Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Rondônia (Codaron), metade
deixaram a condição de vilas para virar cidades.
O
Estado está consolidado e tem peso e papel decisivo nos rumos da economia
agrária nacional. Também atua como exportador de energia elétrica produzida por
pequenas e grandes usinas hidrelétricas, destacando-se: Samuel, Santo Antônio e
Jirau.
Ao
manifestar essa opinião, o historiador Marco Teixeira, da Universidade Federal
de Rondônia, chama atenção para “o modelo econômico conflituoso”. “Devido às
expulsões de populações tradicionais de suas áreas e territórios; da retomada
das práticas de concentração fundiária; das tentativas subsequentes de redução
das Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs)”, ele frisa.
Mais
de quatro décadas atrás, ainda durante o segundo governo do coronel Jorge
Teixeira de Oliveira [último do território e primeiro do novo estado] surgiam
latifúndios no interior do estado.
Só do
grupo gaúcho Agropecuária Rio Candeias (Agrinco), o então coordenador de terras
devolutas do Incra, Amir Francisco Lando, retomava 14 milhões de hectares.
Agricultores
assentados ou não assentados pelo Incra, atacados pela malária e sem dinheiro
para o autossustento, entregavam milhares de hectares de terras a bancos
privados e fazendeiros com grandes posses. Isso ocorria de Vilhena a Jaru,
constatava o próprio Incra, órgão colonizador.
Acesso
à terra em clima de violência
Ao
facilitar a apropriação dos espaços urbanos e rurais ou naturais por fortes
grupos econômicos, o estado dá seguimento a situações vindas do extinto
território, acredita o historiador. “Massas despejadas têm dificuldades no
acesso à terra, moradia, benefícios sociais mínimos, o que faz de Rondônia um
dos mais notáveis campis de violência urbana e rural, com elevados índices de
mortes de lideranças agrárias, ambientais, camponesas, atingidos por barragens,
etc”, ele analisa.
“É
preocupante e grave o avanço rumo às UCs e Tis”, diz.
Durante
o governo anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) advertiu o então
presidente da Assembleia Legislativa, deputado Maurão de Carvalho, por haver
aprovado a extinção de quatro unidades ambientais num simples decreto.
Em 27
de novembro, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei nº 4.892, que regulamentou
a política de terras públicas rurais e urbanas.
O
Incra assenta pouco atualmente, trabalhando com dificuldade e guardando a nódoa
de alguns altos ex-funcionários serem acusados de corrupção. O estado precisa
ainda assentar aproximadamente sete mil famílias.
O
trabalho Brasil: Governança fundiária frágil, fraude e corrução,
da Transparência Internacional, recomenda o fortalecimento da governança de
terras; a modernização e digitalização dos registros de imóveis; a adição de
filtros e alertas de irregularidades em cadastros de terras; e a integração
entre registros e cadastros.
Marco
Teixeira lamenta que UCs e TIs, conflitos agrários, alguns deles violentos, resultaram
em mortes no campo e na floresta. Se, entre 1976 e 1979 ocorreram em terras
circunscritas ao Parque Indígena do Aripuanã, em Cacoal, de uma década para cá
a cobiça madeireira ignora até mesmo manejos florestais, avançando sobre terras
dos índios Uru-eu-au-au, na região central do estado. Não só ali, já roubam
madeira dos Karipuna e dos Karitiana.
Teixeira
não tem dúvida que o espaço florestal restante já sofre com o consequente
aquecimento dos climas regionais e alterações de índices pluviométricos.
Aponta
a formação de “enormes periferias urbanas muito pobres e nunca integradas ao
mercado de trabalho, especialmente na Capital”.
Segundo
ele, mesmo em um modelo capitalista liberal, seria necessário o alinhamento às
novas realidades que discutem clima, efeito estufa, deslocamentos forçados de
povos e populações, acidentes ambientais de grande porte, periferização de
cidades inteiras, extinção de modos de vida que são testados pelo modo de
produção dominante, com as consequentes extinções étnicas (etnocídio) e física
(genocídio) desses povos.
Vícios
do modelo colonialista
“Entre
1940 e 1950 Rondônia teve uma população indígena superior a 100 mil pessoas. Em
1985, após o fim do regime militar e desmantelamento do projeto local de
colonização agrária, restavam, vivos 2.500 indivíduos indígenas”, explica.
“Também,
de 1990 a 2005 explodiram revoltas penitenciárias e conflitos com massacres
rurais em áreas de disputas de terra. O crime organizado intensificou
assassinatos por motivos que vão do fútil ao político, roubos e todas as formas
violência; os mais ricos construíram condomínios inexpugnáveis, enquanto os
mais pobres transformam suas casas em presídios domésticos gradeados,
eletrificados e vigiados eletronicamente. Tudo isso é o espelho de uma sociedade
política e economicamente desajustada”.
“Mudança
do perfil étnico e ambiental são grandes espelhos de um modelo que mantém
vícios de qualquer modelo colonialista, e isso superou a ideia varguista de uma
Amazônia extrativista e cabocla formada no amálgama do nordestino com o
indígena”.
A
notável Marcha para o Oeste estendeu-se aos estados do Acre, Mato Grosso e
Rondônia, entretanto, a dificuldade de acessos impediu-a de avançar para o
Estado do Amazonas. “O primeiro mapa de Rondônia incluía Lábrea, depois devolvida
àquele estado”, assinala.
O
historiador refere-se ao projeto do presidente Getúlio Vargas, que em 1940
iniciou uma política para a ocupação da região oeste brasileira.
Conforme
explica Teixeira, os indígenas foram considerados obstáculos ao projeto agrário
e como tal, eliminados, reduzidos, expulsos ou confinados. Houve uma nova
“guerra de lugares”, cabendo aos povos tradicionais o espaço periférico e
desintegrador de suas identidades e modos de vida.
“O
mesmo aconteceu com as massas humanas, profissionalmente desqualificadas: a
cada fim de um período produtivo, olhares de desempregados findaram novas
periferias, muitas vezes tratadas como invasões e ação criminosa”, lamenta.
∎ A partir do final da década de
1960, o governo federal passou a administrar o Território Federal de Rondônia
com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico, social, político e
administrativo visando posteriormente a sua elevação a estado.
∎ No primeiro passo, pelo
Decreto–lei nº 411, de 8 de janeiro de 1969, foram organizadas as câmaras
municipais de Guajará-Mirim e Porto Velho e criada a Lei Orgânica desses
municípios. Na fronteira Brasil-Bolívia, Guajará fez parte da lista dos
municípios em área de segurança nacional.
∎ Nas eleições de 1970,
insatisfeita com a proibição da lavra manual da cassiterita [minério de
estanho], a população territorial votou e elegeu deputado federal o advogado
Jerônimo Garcia de Santana. Foi de autoria dele um projeto de lei elevando o
território a estado.
∎ Em 15 de novembro de 1982 o
eleitorado brasileiro elegeu governadores de estado pelo período de quatro
anos, a contar de 15 de março de 1983, num pleito que envolveu 58,6 milhões
eleitores.
∎ Valeu o chamado “voto vinculado”.
O eleitor teve que escolher candidatos de um mesmo partido para todos os cargos
em disputa, sob pena de anular seu voto.
∎ Os resultados auferidos
pelo governo (PDS) foram similares aos quatro partidos de oposição (PMDB, PDT,
PTB, PT) e tal equilíbrio influiu na composição do Colégio Eleitoral em 1985.
∎ O pleito foi regido pela
Lei nº 6.978 de 19 de janeiro de 1982 e pela Lei nº 7.015 de 7 de julho de
1982, dentre outras. Nele, Rondônia elegeu três senadores, oito deputados
federais, e 24 deputados estaduais. O coronel Jorge Teixeira foi mantido no
cargo.
∎ Lei nº 543-71, proposta de
emenda à Constituição nº 006-77. Com ele, somando-se a crescente migração dos
anos de 1970, o apelo alcançou, ou pressionou, o governo federal, no regime
militar.
∎ O presidente general Ernesto
Geisel (1974-1979) nomeou para governar o território o coronel de Exército
Humberto da Silva Guedes (1975-79), que preparou as bases com obras de
infraestrutura em vilas e povoados ao longo da BR 364. Assim surgiram foram
decretados os municípios de Ariquemes, Cacoal, Ji-Paraná, Pimenta Bueno e
Vilhena, em 11 de outubro de 1977.
[Com dados dos historiadores Alex Palitot e Abnael Machado de Lima].
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