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Montezuma Cruz

Rondônia inteira 40 anos, é próspera, e guarda marcas do sofrimento


kim BR-364 - Gente de Opinião
kim BR-364

Hoje, 22 de dezembro, o estado mais próspero da Amazônia Ocidental Brasileira completa quatro décadas de vida. Neste dia, 40 anos atrás, a Lei Complementar nº 41 aprovada pela Câmara dos Deputados e sancionada em Brasília pelo presidente da República, João Baptista de Oliveira Figueiredo, criava a 23ª unidade federativa brasileira, oficialmente instalada em 4 de janeiro de 1982.

Só quatro anos depois de o estado ser criado Rondônia alcançou seu primeiro milhão de habitantes. Era 1985, e de lá para cá se passaram 36 anos, tempo em que o IBGE informa que chegaram de longe ou aqui nasceram mais 815 mil pessoas. A população atual supera 1,8 milhão.

“Temos políticas repressivas de segurança pública, com práticas decorrentes da ineficiência de outras políticas sociais capazes de reduzir a pobreza e criar expectativas de melhoria existencial”, lamenta o historiador Marco Domingues Teixeira ao criticar a realidade atual.

kim atoleiro entre marco rondon e pimenta bueno em 1982 - Gente de Opinião
kim atoleiro entre marco rondon e pimenta bueno em 1982

“Canaã, Eldorado e quintal do Ministério”

 

“Rondônia é a Canaã brasileira”, dizia um grupo evangélico em 1976. “É pra lá que eu vou ir”, proclamava um migrante gaúcho entusiasmado com a nova terra, em 1977. Mas os discursos no Plenário Bohemundo Alvares Afonso, na Câmara Municipal de Porto Velho, e no na tribuna da Câmara dos Deputados, tratavam esta terra pejorativamente: “Rondônia é um quintal do Ministério do Interior”, repetiam vereadores e o deputado federal Jerônimo Santana (MDB) diante da inexistência de recursos para o território sobreviver.

Contudo, sob forte pressão de fatores que hoje se caracterizariam como socioambientais – a exemplo das glebas Rio Pardo, Floresta Jacundá, Flona Bom Futuro, e demais áreas com ocupações –, o ex-governador Ângelo Angelim iniciava um movimento visando a desestimular a corrente migratória.

Matérias em jornais e revistas mostrariam em 1985 que o alardeado Eldorado estava minado por malária, falta de crédito, de estradas e desassistência.

 

Prosperidade

 

Quatro décadas depois, o estado é próspero. Conforme dados do Observatório do Desenvolvimento Regional publicado este mês no portal da Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão, com dados de janeiro a outubro de 2021, o período foi encerrado com a menor taxa de desocupação da região Norte.  Foram criadas 253.971 vagas, 13% do total.

Rondônia também obteve bom desempenho das exportações, somando US$ 1,51 bilhão nos mercados internacionais. No faturamento acumulado desde 1º de janeiro deste ano, os serviços (+40,3%), o comércio atacadista  (+32,8%), o comércio varejista (+28,3%), a indústria (+26,4%), a construção civil (14,3%) e agropecuária (-2,7%) são os setores mais relevantes da arrecadação. 

São dados da edição especial nº 57 do Boletim da Coordenadoria da Receita Estadual, da Secretaria de Estados de Finanças (Sefin) referentes ao período de 1º de janeiro a 30 de novembro.

 

18,5% de ICMS a mais

 

Isso explica o atual contentamento demonstrado pelo governador Marcos Rocha diante do êxito do programa Tchau poeira, asfaltando, recuperando e sinalizando vias públicas urbanas de Cerejeiras a Porto Velho.

O governador comemora a arrecadação  de R$ 4,8 bilhões de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sem repasse do Simples nacional. Montante referente ao período de 1º de janeiro a 30 de novembro deste ano.

No total, o estado arrecadou R$ 6,65 bilhões (+18,5%) em relação ao ano pandêmico de 2020.

Rolim de Moura, Zona da Mata, no início da cidade - Foto Kim-Ir-Sen Pires Leal - Gente de Opinião
Rolim de Moura, Zona da Mata, no início da cidade - Foto Kim-Ir-Sen Pires Leal

Destemidos e anônimos pioneiros

 

Em 1979, quando desembarcou na Capital, o ex-governador Jorge Teixeira de Oliveira, Teixeirão, repetia várias vezes: “Vim com a missão de transformar Rondônia em estado”. Na verdade, ele quis dizer: elevar. “Quem transforma é mágico”, ironizava o ex-vereador e deputado estadual Cloter Saldanha Mota (MDB).

Foi notável o destemor e a boa vontade de agricultores paranaenses e capixabas dispostos a fincar suas raízes nos cantões do velho território federal, lembra o historiador Célio Leandro da Silva.

“Somos destemidos pioneiros”, versos do hino Céus de Rondônia que poderiam muito bem sintetizar a saga de seu povo ao longo de todo o processo histórico de ocupação e colonização”, ele diz.

“Pioneiros históricos como Cândido Rondon, que tinha na sola dos pés as marcas de cada palmo deste rincão; Aluízio Ferreira, pioneiro na proteção e desbravamento em tempos em que o mundo vivenciava seus piores momentos bélicos; Jorge Teixeira, o grande construtor de Rondônia, veio criar um estado e assim o fez”, assinala.

O professor louva os anônimos: “São tantos os Raimundos, construtores de dormentes, de calçadas, de estradas, tão destemidos quanto Marias rendeiras, feirantes, seringueiras; os Shockness, os Johnson, educadores, maquinistas e recepcionistas, gente que ao longo de nossa história constituiu, constituíram o pujante estado”. Na preservação dessa memória, ele explica que não significa atrelá-la ao passado e impedir o seu desenvolvimento, “mas sim, conservar seus pilares constituintes a fim de não perder conhecimentos e identidades”.


Superlativa

 

Para o historiador da Unir, professor Marco Domingues Teixeira, o único estado brasileiro com nome de um grande personagem da história resultou de uma série de políticas, consideradas e desenvolvidas pelo regime militar.

“A colonização agrária do eixo da BR-364, sua posterior pavimentação; o aumento expressivo da população residente e a criação e posterior consolidação de um projeto agroindustrial ainda comandam a economia do estado”, ele enfatiza.

“Tudo isso está hoje pautado na grande lavoura de soja para exportação, criação de gado para a exportação e atividades paralelas a essas principais: indústria madeireira, garimpos e minerações, e prestação de serviços comerciais diversos”, descreve.

Quando se conhece quem veio para cá, conclui-se: Rondônia é superlativa, pois abrigou brasileiros e estrangeiros, a exemplo dos pomeranos que saíram do Mar Báltico, passaram por cidades do Estado do Espírito Santo e mais tarde migraram para Espigão do Oeste.

O mar Báltico situa-se no norte da Europa e é circundado pela península Escandinava, Europa continental e as ilhas dinamarquesas.

Mas esse destemor implicou barreiras, uma delas, imposta pelo próprio Teixeirão ao instalar em Vilhena o Centro de Triagem de Migrantes (Cetremi). Ali, no portão de entrada da nova fronteira agrícola brasileira, a 704 quilômetros de Porto Velho, o governo vacinava todos contra a febre amarela.

Em 31 de janeiro de 1983 instalava-se a Assembleia Constituinte de Rondônia, que redigiu a primeira Carta do novo estado promulgada em agosto daquele ano. Em 1987 espoucava o litígio de terras com o Acre, na Ponta do Abunã, que possui terras férteis e valiosas pedras de brita. O Acre queria essa parte.

O então governador de Rondônia, Jerônimo Santana, ameaçou acionar tropas da Polícia Militar para desalojar 70 soldados do Acre instalados na área. No início do ano seguinte, tropas do Exército chegaram à região, a fim de convencer o governo do estado vizinho a acatar um parecer do IBGE que deu ganho de causa a Rondônia. Os desentendimentos continuariam até 1990.

 

Flagelo do narcotráfico

 

Naquele período, a migração ainda era intensa e descontrolada, causando diversos problemas sociais, porém, o mais grave foi a devastação de 30% das florestas estaduais. Os anos 1990 foram também marcados pelo flagelo do tráfico de drogas na fronteira com a Bolívia, e nesse ritmo não foram poupados políticos estaduais e federais, algo descrito desde então em enciclopédias mundiais. Deputados federais tiveram mandatos cassados.

 

O que precisa melhorar

 

Dos 32 núcleos urbanos de apoio rural [NUARs] criados sob a guarda governamental e de sua Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Rondônia (Codaron), metade deixaram a condição de vilas para virar cidades.

O Estado está consolidado e tem peso e papel decisivo nos rumos da economia agrária nacional. Também atua como exportador de energia elétrica produzida por pequenas e grandes usinas hidrelétricas, destacando-se: Samuel, Santo Antônio e Jirau.

Ao manifestar essa opinião, o historiador Marco Teixeira, da Universidade Federal de Rondônia, chama atenção para “o modelo econômico conflituoso”. “Devido às expulsões de populações tradicionais de suas áreas e territórios; da retomada das práticas de concentração fundiária; das tentativas subsequentes de redução das Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs)”, ele frisa.

Mais de quatro décadas atrás, ainda durante o segundo governo do coronel Jorge Teixeira de Oliveira [último do território e primeiro do novo estado] surgiam latifúndios no interior do estado.

Só do grupo gaúcho Agropecuária Rio Candeias (Agrinco), o então coordenador de terras devolutas do Incra, Amir Francisco Lando, retomava 14 milhões de hectares.

Agricultores assentados ou não assentados pelo Incra, atacados pela malária e sem dinheiro para o autossustento, entregavam milhares de hectares de terras a bancos privados e fazendeiros com grandes posses. Isso ocorria de Vilhena a Jaru, constatava o próprio Incra, órgão colonizador.

kim surui - Gente de Opinião
kim surui

Acesso à terra em clima de violência

 

Ao facilitar a apropriação dos espaços urbanos e rurais ou naturais por fortes grupos econômicos, o estado dá seguimento a situações vindas do extinto território, acredita o historiador. “Massas despejadas têm dificuldades no acesso à terra, moradia, benefícios sociais mínimos, o que faz de Rondônia um dos mais notáveis campis de violência urbana e rural, com elevados índices de mortes de lideranças agrárias, ambientais, camponesas, atingidos por barragens, etc”, ele analisa.

“É preocupante e grave o avanço rumo às UCs e Tis”, diz.

Durante o governo anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) advertiu o então presidente da Assembleia Legislativa, deputado Maurão de Carvalho, por haver aprovado a extinção de quatro unidades ambientais num simples decreto.

Em 27 de novembro, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei nº 4.892, que regulamentou a política de terras públicas rurais e urbanas.

O Incra assenta pouco atualmente, trabalhando com dificuldade e guardando a nódoa de alguns altos ex-funcionários serem acusados de corrupção. O estado precisa ainda assentar aproximadamente sete mil famílias.

O trabalho Brasil: Governança fundiária frágil, fraude e corrução, da Transparência Internacional, recomenda o fortalecimento da governança de terras; a modernização e digitalização dos registros de imóveis; a adição de filtros e alertas de irregularidades em cadastros de terras; e a integração entre registros e cadastros.

Marco Teixeira lamenta que UCs e TIs, conflitos agrários, alguns deles violentos, resultaram em mortes no campo e na floresta. Se, entre 1976 e 1979 ocorreram em terras circunscritas ao Parque Indígena do Aripuanã, em Cacoal, de uma década para cá a cobiça madeireira ignora até mesmo manejos florestais, avançando sobre terras dos índios Uru-eu-au-au, na região central do estado. Não só ali, já roubam madeira dos Karipuna e dos Karitiana.

Teixeira não tem dúvida que o espaço florestal restante já sofre com o consequente aquecimento dos climas regionais e alterações de índices pluviométricos.

Aponta a formação de “enormes periferias urbanas muito pobres e nunca integradas ao mercado de trabalho, especialmente na Capital”.

Segundo ele, mesmo em um modelo capitalista liberal, seria necessário o alinhamento às novas realidades que discutem clima, efeito estufa, deslocamentos forçados de povos e populações, acidentes ambientais de grande porte, periferização de cidades inteiras, extinção de modos de vida que são testados pelo modo de produção dominante, com as consequentes extinções étnicas (etnocídio) e física (genocídio) desses povos.

 

Vícios do modelo colonialista

 

“Entre 1940 e 1950 Rondônia teve uma população indígena superior a 100 mil pessoas. Em 1985, após o fim do regime militar e desmantelamento do projeto local de colonização agrária, restavam, vivos 2.500 indivíduos indígenas”, explica.

“Também, de 1990 a 2005 explodiram revoltas penitenciárias e conflitos com massacres rurais em áreas de disputas de terra. O crime organizado intensificou assassinatos por motivos que vão do fútil ao político, roubos e todas as formas violência; os mais ricos construíram condomínios inexpugnáveis, enquanto os mais pobres transformam suas casas em presídios domésticos gradeados, eletrificados e vigiados eletronicamente. Tudo isso é o espelho de uma sociedade política e economicamente desajustada”.

“Mudança do perfil étnico e ambiental são grandes espelhos de um modelo que mantém vícios de qualquer modelo colonialista, e isso superou a ideia varguista de uma Amazônia extrativista e cabocla formada no amálgama do nordestino com o indígena”.

A notável Marcha para o Oeste estendeu-se aos estados do Acre, Mato Grosso e Rondônia, entretanto, a dificuldade de acessos impediu-a de avançar para o Estado do Amazonas. “O primeiro mapa de Rondônia incluía Lábrea, depois devolvida àquele estado”, assinala.

O historiador refere-se ao projeto do presidente Getúlio Vargas, que em 1940 iniciou uma política para a ocupação da região oeste brasileira.

Conforme explica Teixeira, os indígenas foram considerados obstáculos ao projeto agrário e como tal, eliminados, reduzidos, expulsos ou confinados. Houve uma nova “guerra de lugares”, cabendo aos povos tradicionais o espaço periférico e desintegrador de suas identidades e modos de vida.

“O mesmo aconteceu com as massas humanas, profissionalmente desqualificadas: a cada fim de um período produtivo, olhares de desempregados findaram novas periferias, muitas vezes tratadas como invasões e ação criminosa”, lamenta.

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E MAIS:

A partir do final da década de 1960, o governo federal passou a administrar o Território Federal de Rondônia com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico, social, político e administrativo visando posteriormente a sua elevação a estado.

No primeiro passo, pelo Decreto–lei nº 411, de 8 de janeiro de 1969, foram organizadas as câmaras municipais de Guajará-Mirim e Porto Velho e criada a Lei Orgânica desses municípios. Na fronteira Brasil-Bolívia, Guajará fez parte da lista dos municípios em área de segurança nacional.

Nas eleições de 1970, insatisfeita com a proibição da lavra manual da cassiterita [minério de estanho], a população territorial votou e elegeu deputado federal o advogado Jerônimo Garcia de Santana. Foi de autoria dele um projeto de lei elevando o território a estado.

 Em 15 de novembro de 1982 o eleitorado brasileiro elegeu governadores de estado pelo período de quatro anos, a contar de 15 de março de 1983, num pleito que envolveu 58,6 milhões eleitores.

 Valeu o chamado “voto vinculado”. O eleitor teve que escolher candidatos de um mesmo partido para todos os cargos em disputa, sob pena de anular seu voto.

 Os resultados auferidos pelo governo (PDS) foram similares aos quatro partidos de oposição (PMDB, PDT, PTB, PT) e tal equilíbrio influiu na composição do Colégio Eleitoral em 1985.

 O pleito foi regido pela Lei nº 6.978 de 19 de janeiro de 1982 e pela Lei nº 7.015 de 7 de julho de 1982, dentre outras. Nele, Rondônia elegeu três senadores, oito deputados federais, e 24 deputados estaduais. O coronel Jorge Teixeira foi mantido no cargo.

Lei nº 543-71, proposta de emenda à Constituição nº 006-77. Com ele, somando-se a crescente migração dos anos de 1970, o apelo alcançou, ou pressionou, o governo federal, no regime militar.

O presidente general Ernesto Geisel (1974-1979) nomeou para governar o território o coronel de Exército Humberto da Silva Guedes (1975-79), que preparou as bases com obras de infraestrutura em vilas e povoados ao longo da BR 364. Assim surgiram foram decretados os municípios de Ariquemes, Cacoal, Ji-Paraná, Pimenta Bueno e Vilhena, em 11 de outubro de 1977.
[Com dados dos historiadores Alex Palitot e Abnael Machado de Lima].

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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