Até os EUA conhece a situação dessa tríplice fronteira. Apesar do status, município está de pires na mão.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
ASSIS BRASIL, AC – Tarde calorenta de julho. No apertado gabinete da prefeita Maria Eliane Gadelha Carius (PT), ouve-se um diálogo que retrata a dura realidade de uma cidade com 5,3 mil habitantes, situada num município gigante, com 2.884 km².
– Temos um orçamento de R$ 130 milhões para todos os nossos investimentos na capital e no interior. Não quero onerar em um centavo o seu município, só preciso de um terreno sem declive e livre de inundações – diz o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, desembargador Pedro Ranzi.
– Nossos terrenos são bem situados, são bons. Nenhum vai inundar – garante-lhe a prefeita. Em seguida, promete escolher um, escriturá-lo e transferi-lo para o Poder Judiciá
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Desembargador Pedro Ranzi conversa com a prefeita Maria Eliane /M.CRUZ
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rio.
Distante 350 quilômetros de Rio Branco, a comarca de Assis Brasil, porta de entrada brasileira para os portos do Oceano Pacífico, no Peru, está sem juiz titular, sem promotor de Justiça e sem delegado de polícia. Há quatro anos um juiz itinerante comparece periodicamente à comarca, mas atende numa sala improvisada, onde simples audiências causam constrangimentos. Não é tudo, para quem reclama a presença da autoridade.
A prefeita parece cansada de tanto esforço para pôr ordem na casa. Maria Eliane é quem toma as rédeas de uma série de situações que competem a outras pessoas:
– Aqui me convocam para tudo, desembargador. Dou conselho a casais, participo de celebrações religiosas, dou palpite no comércio. Já me pediram até para ajudar nos partos – ela desabafa, olhando nos olhos de Ranzi. Acompanhado de três assessores, na conversa descontraída, o desembargador ouve atento o elenco de problemas desfilado pela prefeita.
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Fronteira vulnerável ao cartel internacional das drogas /M.CRUZ
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Lembra o papel da prefeitura na integração étnica na região. Diz que socorre na medida do possível a mais de 1,3 mil indígenas de 13 aldeias. Emenda os assuntos e vai direto ao ponto, identificando outros problemas: a necessidade de localizar pais desertores para exames de paternidade de filhos; auxiliar na obtenção de aposentadorias, certidões de nascimento; a obtenção de recursos essenciais ao bom funcionamento da saúde pública; e atividades que possam atenuar os drásticos efeitos do narcotráfico internacional.
– É uma situação delicada – conclui Ranzi
– Delicadíssima – responde Maria Eliane.
Criado em 1976, o município homenageia o político e diplomata gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil, ministro da Agricultura até dezembro de 1932. Foi ele quem negociou a compra do Acre do governo boliviano, juntamente com o ministro das Relações Exteriores, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco.
Ao sul da cidade, do outro lado do rio, fica cidade de São Pedro de Bolpebra, pertencente ao Departamento de Pando, território boliviano. A um quilômetro a oeste da prefeitura, também ao sul do município, corre o pequeno rio Yaverija, que desemboca na margem direita do rio Acre. Ali fica a cidade peruana de Iñapari. Daí, o ponto tripartite Brasil-Bolívia-Peru determinar a junção de três fronteiras.
Vizinhos obtêm mais recursos
É quase uma luta de David contra Golias, mas ela convoca o presidente do TJ para fazer a sua parte. Ranzi lhe relata o encontro, meia hora antes, com o juiz de direito distrital de Iñapari, Hugo Mendonza. No lado peruano, a Justiça também está concluindo sua sede própria.
Com orçamento anual de R$ 2 milhões, a prefeita lamenta as conseqüências geográficas na formação das suas finanças. “A maior parte dos recursos saem para Brasiléia (fronteiriça a Cobija, cidade boliviana do Departamento de Pando). Aqui, pagamos R$ 500 para o táxi levar o doente em estado grave para o hospital em Rio Branco. E isso é quase toda semana”. A população reivindica um hospital regional.
Segundo a prefeita, Brasiléia e Xapuri têm mais apelo com o governo, conseguindo recursos para todos os setores. “Enquanto nós, em Assis Brasil, perdemos para Brasiléia até o monumento da Alma do Bonsucesso”, diz. A alma é a seringueira Raimunda, tida como santa por brasileiros, bolivianos e peruanos. Três nacionalidades creditam milagres à santa, cuja festa religiosa é celebrada a cada 15 de agosto, com romaria até a capela de Bonsucesso, a 32 quilômetros da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri.
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Em Assis Brasil (5,3 mil habitantes), saúde gasta R$ 500 para pagar táxi-ambulância /M.CRUZ
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Expectativa
O repórter da Agência Amazônia visitou Assis Brasil no dia da visita do presidente do TJ a Assis Brasil e a Iñapari (Na província de Tahuamanu, no Departamento de Madre de Dios). E presenciou a negociação entre a prefeita e o desembargador para que o juiz titular desfrute de instalações adequadas. A prefeita acredita que agora “a coisa anda”: a Secretaria Estadual de Segurança Pública já confirmou a nomeação de um delegado.
No meio de notícias ruins, um alento: Assis Brasil está entre os beneficiados pelo Programa Pró-Município do governo estadual. Primeiro estado brasileiro a oferecer educação infantil a crianças de comunidades isoladas em suas próprias residências, o Acre prevê o atendimento a 1,2 mil crianças com idades entre quatro e cinco anos. São moradoras em assentamentos, seringais, margens de rios e unidades de conservação.
Ao participar, no dia 27 de julho, da inauguração de uma casa de farinha no Assentamento Paraguaçu, ela constatou que já tem clientela para esse programa educacional inédito.
Maria Eliane espera que agora a Polícia Federal, a Receita Federal e a combalida Polícia Rodoviária Federal designem agentes para a fronteira. A estrada internacional deve ser aberta para importações e exportações, entre 2010 e 2011. É preciso pressa.
Flagelo da droga vence na fronteira vulnerável
ASSIS BRASIL – Durante três horas e meia de viagem, contando duas rápidas paradas, entre Rio Branco e Assis Brasil, a Agência Amazônia não viu um só agente rodoviário federal em ação na BR-317, o acesso aos portos de Ilo e Matarani, no Pacífico.
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Iñapari (Peru): por aqui passa a rodovia Transoceânica, que dará acesso aos portos do Oceano Pacífico /M.CRUZ
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Sob fogo cruzado dos cartéis, autoridades policiais dos dois países sabem que por essa rota passam pelo menos 30 toneladas de cocaína por ano para o consumo brasileiro. O Departamento Antinarcóticos dos Estados Unidos (DEA) divulgou esse número e uma fonte da PF em Porto Velho alerta que o narcotráfico aumentou os tentáculos no oeste brasileiro: “Se já era problemático e desafiador com peruanos, bolivianos e colombianos, imagine-se agora, com o mando de mexicanos”, comentou essa fonte.
Como passar tanta droga para a Amazônia Ocidental brasileira? Além dos pequenos aviões, os cartéis usam a margem esquerda do rio Acre, conta um ex-secretário de Segurança no estado. “Os traficantes usam ‘laranjas’ para atrair os poucos policiais à margem do rio; enquanto o efetivo todo se dirige para o local denunciado como ponto de desembarque, um comboio maior passa tranqüilamente pela rodovia, sem despertar a atenção.
Segundo o DEA, as principais rotas da droga para o Brasil estão nas regiões de Ucayali e dos Rios Apurimac e Ene, a pouco mais de 400 quilômetros de Cruzeiro do Sul-AC, no Vale do Juruá. A Polícia Federal confirma que a droga, camuflada em cargas de madeira ou de alimentos, entra também pelo município de Marechal Taumaturgo, no Juruá.
A gravidade ainda é o fornecimento de insumos, por brasileiros, para o refino da droga em laboratórios escondidos na floresta no Brasil, no Peru e na Bolívia. Conforme relatório da Junta Internacional de Controle de Drogas, jurisdicionado à Organização das Nações Unidas, o Brasil é “um estratégico fornecedor de produtos químicos para o refino de drogas na Bolívia, no Peru e na Colômbia”. Éter, acetona, papel higiênico, permanganato de potássio e cimento estão na lista.
Em território brasileiro, laboratórios de pasta básica de cocaína criaram redes de produção, distribuição e consumo de drogas, multiplicando um tipo de atacadista antes pouco comum no País. Em 2008, um delegado da PF em Rio Branco, disse que se tornou comum a apreensão de cimento em Santa Rosa do Purus e noutras localidades afastadas. O produto passou a ser um dos grandes ingredientes no refino da cocaína. (M.C.)
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Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é a parceira do Gentedeopinião