Terça-feira, 31 de maio de 2016 - 16h11
Montezuma Cruz
[Originalmente publicada em 2007. Tão atual.]
Sem qualquer perplexidade, o mundo toma conhecimento da hipótese de que a nascente do Rio Amazonas começaria no Rio Apacheta e não no Córrego Carhuasanta, no pico nevado Mismi, nos andes peruanos, a 5.597 metros de altitude.
O Rio Amazonas tem 6.750 quilômetros de extensão. Nenhum governo da região amazônica, nenhuma entidade não-governamental ousou comprová-la ou contestá-la. Houve, sim, muito interesse em se ler todas as notícias a respeito. E elas convergiram para o trabalho de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Dois peruanos do Instituto Geográfico do país vizinho participaram ativamente da expedição.
Em 1996, uma expedição chefiada pelo polonês Jacek Pavkleviez, membro da Royal Geographic Society, situou o ponto inicial do Amazonas na quebrada Apacheta, província de Caylloma, em Arequipa, a 5.170 metros de altitude, na Cordilheira de Chila.
De acordo com os cientistas do Inpe, o trecho da nascente de Carhuasanta, localizada no pico de Mismi, tem dez quilômetros, contra 54 do córrego Apacheta, no Monte Queuisha. Assim, uma vez que Apacheta seja comprovada como a mais distante da foz, a medida, sugerida pelo Inpe, ficará em 6.992 quilômetros.
Prevalecendo a hipótese da mais recente pesquisa, comprovadas as distâncias e reconhecida a nova situação, milhares de citações enciclopédicas e milhões de exemplares de livros escolares terão de ser modificados.
Uma equipe do instituto retornou daquela região no início de junho e começa a encampar tese a respeito. Lembro-me do que disse o jornalista Silvestre Gorgulho em seu blog: “Que me perdoem os Nilos, os Eufrates, os Ganges, os Danúbios, os Mississipis, os Yang Tsés, os Renos e os Tejos. Mas rio imponente, exuberante e místico é o rio Amazonas. Tão misterioso e tão fantástico que até hoje sua nascente é um mito e sua foz uma lenda. É tão descomunal que nem se sabe se o Amazonas deságua em estuário ou delta”.
A Wikipédia explica: um estuário é a parte de um rio que se encontra em contato com o mar. Por esta razão, um estuário sofre a influência das marés e possui tipicamente água e salobra. Do ponto de vista da ecologia e da oceanografia, um estuário é uma região semi-fechada do oceano influenciada pelas descargas de água doce de terra, quer seja um ou mais rios, ou apenas da drenagem do continente. Muitas vezes, usa-se a palavra estuário em contraposição ao delta, onde o rio se mistura com o mar através de vários canais ou braços do delta. No entanto, um delta pode considerar-se também uma região estuarina. Já um “mar interior” igual ao Mar Báltico pode apresentar em toda a sua extensão as características de um estuário.
Com a palavra, o [saudoso] sábio professor Aziz Ab’Saber, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo: “Quando eu era aluno em Geografia Física me perguntavam se a embocadura do Amazonas é um delta ou estuário. Eu nada podia responder e o professor também não! Então, ele dizia: “Na falta de conhecimentos mais precisos, vamos considerar que se trata de um delta estuarino?”.
Segundo Ab’Saber, hoje em dia se pode dizer, com certeza, que a boca norte do Amazonas é um estuário com uma saída fantástica de argila. “Trata-se do rio mais sujo do mundo em relação à quantidade de sedimentos finos que lança mar afora. A saída do Amazonas emboca no mar, à frente de Marajó e do Amapá, chegando à costa do Pará e até às proximidades da costa noroeste do Maranhão”, ele diz.
Outra lembrança do geógrafo: um grupo de portugueses, ainda no início da colonização, partiu de barco de Belém (Pará), seguindo para a Fortaleza de São José, no Amapá. Nesse percurso pelo mar, a um certo momento, os marinheiros já começavam a padecer de muita sede, sem energias para prosseguir, quando observaram um índio que os acompanhava na viagem caminhando e trabalhando pelo barco normalmente. Ele sabia algo que os demais não podiam sequer desconfiar: aquela água, apesar de estarem navegando em pleno mar, não era totalmente salgada e que, apesar de conter bastante argila, ainda era água doce, potável.
“A Amazônia guarda segredos que nós, cientistas, nem podemos supor”, observou.
A verdade, nada mais do que a verdade. É o que teremos brevemente, do raciocínio e da boca de experientes cientistas que visitaram os andes peruanos e de lá saíram convictos do êxito de sua missão. Com o cuidado, porém, de invocar o princípio socrático: “Só sei que nada sei”.
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