Sexta-feira, 17 de dezembro de 2010 - 18h52
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Em matéria de arbitrariedade, a polícia rondoniense sempre concorreu em pé de igualdade com as de outras regiões do País. Durante muito tempo acoitando espancamentos e tortura em delegacias e presídios, o Território Federal foi “terra de ninguém”.
Agentes policiais se achavam no direito de fazer e acontecer no 1º Distrito Policial de Porto Velho. Em 1979, quatro deles colocavam no pau-de-arara o preso Francisco Fernandes de Oliveira, 19 anos, torturando-o com choque elétrico para que confessasse furtos praticados em Manaus e Rio Branco.
Um dos agentes narrava o ocorrido aos superiores, enquanto o advogado Hamilton Rezende encaminharia o preso ao juiz de Direito José Clemenceau Pedrosa Maia, após exame de corpo de delito. Constrangido, o secretário de Segurança, José Mário Alves da Silva, entregava o caso à superintendência da Polícia Civil.
Elencildo Flávio de França era o chefe da Polinter (Polícia Internacional), mas colocava as “asas de fora” na ausência do titular do 3º DP, Jandir de Melo. Fazia danações, uma atrás da outra. Num domingo de julho de 79, ele obrigava uma prostituta menor de idade a despir-se dentro da delegacia, para em seguida espancá-la. Só não sabia que a menina estava grávida de quatro meses.
Elencildo trazia da Paraíba algumas confusões na sua ficha pessoal. Uma vez, quando estava a passeio em João pessoa, trajando apenas calção, mandava prender o sobrinho de um general. Era “o cara”, às avessas, mas dava trabalho.
O terror no 3º DP resultaria em inquérito, no entanto, a impunidade corria solta em tempos ainda dominados pela repressão. Sevícias e truculências também atingiam idosos, o que levaria o presidente da Câmara Municipal, vereador Cloter Saldanha Mota (MDB), a discursar: “Uma polícia que espalha o terror, atemoriza e não inspira a mínima confiança, merece sindicância governamental para que a população fique sabendo quem são os delegados, agentes e comissários que desrespeitam os direitos humanos, usando o cipoal da selvageria contra os presos”.
Outro vereador, Itamar Dantas (MDB), resumia a situação: “Pouco adianta a gente lamentar ou criticar os desmandos desta polícia, porque a glorificação dos Fleurys (*) continua em Rondônia, enquanto os seguidores de um Hélio Bicudo pontificam na árvore acolhedora da civilização. Se em Porto Velho é assim, imaginem o interior, onde o povo se acomoda?”.
Em 79 o governador Jorge Teixeira exigia a punição dos policiais torturadores, mas o cancro estendia-se a outras repartições. Ânimos exaltados, frustrações e descontrole da autoridade só faziam aumentar o clima de violência da polícia.
O notável advogado criminalista e naquele período, secretário de segurança, José Mário Alves da Silva, mandava fechar boates com o objetivo de prender membros de uma quadrilha de assaltantes. Ocorrera um tiroteio entre marginais e policiais na frente da Boate Paissandu. Pior: a portaria permitia o funcionamento das casas grã-finas, como se um marginal disfarçado não pudesse se refugiar numa delas.
O secretário perderia as estribeiras com uma frase infeliz que contrastava com a paz estampada no seu tradicional terno branco: “Minha orientação é a política da não-violência, mas assumo a responsabilidade de mandar matar quando as circunstâncias de defesa obrigam o policial a tal procedimento”. Consertava essa declaração, mas piorava o clima ao fazer outra: “Peço compreensão para as minhas palavras, não estou criando aqui um esquadrão da morte”.
Se contribuía ou não para tal, o certo é que José Mário – que mais tarde seria o nome do maior presídio rondoniense – ouviria o protesto do presidente da seccional da OAB, advogado Francisco Arquelau de Paula: “A Secretaria está violando a lei”. Legítimo e oportuno, já que eram bem conhecidas as notícias revelando a existência de um certo “Comando de Caça aos Bandidos”, cujos agentes não pensavam duas vezes antes de invadir lares periféricos.
(*) O vereador fazia alusão ao delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, que atuou no Departamento de Ordem Política e Social em São Paulo, durante a ditadura militar. Fleury se tornou conhecido pela perseguição aos opositores do regime. Testemunhas e relatos de presos políticos, apontam que ele usava sistematicamente a tortura durante os interrogatórios. Há relatos mais detalhados na Wikipedia e nos arquivos públicos brasileiros.
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