Sexta-feira, 17 de janeiro de 2025 - 11h43
O
advogado Antônio Osman de Sá chegou a Rondônia em abril de 1978, quando
diversos profissionais formados no Estado da Paraíba também aqui aportavam. Ele
veio com pós-graduação em Direito Penitenciário. Sua vida no serviço público
não durou mais que dois anos, pois deixou o cargo após enfrentar dissabores ao
buscar a melhoria do Sistema Prisional.
A segurança
pública vinha do passado caracterizado por profissionais substitutos no lugar
de profissionais concursados. Assim, por exemplo, Osman de Sá tomou
conhecimento das dificuldades na formação de quadros para segmentos policial
militar e policial civil.
Nomeado
pelo ex-governador, coronel Humberto da Silva Guedes, ele foi o primeiro
diretor do Presídio da Ilha Santo Antônio. No governo seguinte, do coronel
Jorge Teixeira de Oliveira, Sá foi nomeado da Colônia Agrícola Ênio Pinheiro em
Porto Velho.
Sem
delegados titulares na polícia civil, os cargos foram ocupados temporariamente
por tenentes da PM Cacoal, Ji-Paraná e noutras importantes cidades.
O território
era anacrônico na história sociopolítica nacional. Assim, o próprio órgão de
classe dos advogados constituído quatro antes da instalação do estado só se
consolidaria após o funcionamento do Tribunal de Justiça.
Havia oportunidades
de trabalho para jovens recém-chegados, desde que aceitassem totalmente a
obediência aos métodos dos mandantes de plantão: de um lado a Secretaria de
Segurança de um território ainda marcado por atitudes arbitrárias, de outro, a
poderosa Coordenadoria Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra).
Não
importa a boa vontade de meia dúzia, o ranço alimentado no setor prisional
arrastava-se desde os anos 1960, quando a força policial se limitava à Guarda
Territorial.
Osman de Sá chegou à direção do lendário presídio durante a titularidade do então secretário territorial de segurança José Mário Alves da Silva. O sistema melhorava desde a intervenção da delegada geral corregedora, Maria Auxiliadora Toscano Bezerra, uma das integrantes do grupo com 18 paraibanos que veio ocupar postos vagos no organograma policial e prisional.
Nem bem iniciou um trabalho de vulto no interior do presídio, ele conhecia o ato de exoneração, porque organizou a instalação de uma biblioteca. “Eu tinha na época a visão de que a leitura de livros contribuiria com a recuperação dos apenados.”
O secretário José Mário Alves dispensaria o trabalho dele, logo após a boa repercussão desse projeto. Alegava que a iniciativa deveria ser “do território.”
Quatro décadas depois a iniciativa de Osman de Sá implicaria resultados positivos. Em fevereiro de 2020, Porto Velho e outros 2,3 mil inscritos no País integravam-se à Jornada de Leitura no Cárcere, em teleconferência feita pelo jornalista, escritor e diretor do Observatório do Livro, Galeno Amorim.
Prioridade
Lá para trás, o advogado Osman Sá fora uma voz solitária ao lutar pela biblioteca no presídio da ilha, mas o evento de fortalecimento da leitura entre detentos reuniria naquele ano juízes de direito, entidades de apoio a detentos, entre outras pessoas*, no auditório do Núcleo Psicossocial do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, no Fórum Geral Desembargador César Montenegro, em Porto Velho.
Organizada pelo Programa Justiça Presente, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a leitura nas celas aconteceria pela segunda vez depois da ação pioneira do advogado paraibano: a primeira experiência no gênero aconteceria por iniciativa da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), ao criar o programa criou o Programa Asas de papel.
Faltava em 1978 o engajamento do estado e do TJ que ainda não existiam; muito menos a dedicada Associação Cultural e de Desenvolvimento do Apenado e Egresso (Acuda); o Tribunal de Contas e a Vara de Execuções Penais (VEP) – todos atualmente parceiros na remição da pena leitura em três unidades prisionais.
A sociedade porto-velhense que sempre propôs penas longas e demais punições, desacreditando na ressocialização de apenados, enxergava a atitude desse advogado como utópica.
“Quando fui exonerado da direção do presídio eu me senti injustiçado, e me incomodava muito mais o fato de olhar para o sistema prisional brasileiro de modo geral e, em particular, ao de Rondônia, e perceber que ele só piorou desde então”, ele declarava dez anos atrás.
A par da nova realidade, ele refaz o raciocínio e diz: “Eu me vejo satisfeito por saber que o sonho virou realidade; enquanto eu me limitava a um estabelecimento prisional de uma ilha no Rio Madeira hoje funcionam bibliotecas na Casa de Detenção de Ariquemes, Penitenciária Regional de Ji-Paraná, Penitenciária Regional de Rolim de Moura, Colônia Agrícola/Presídio Feminino de Vilhena e Penitenciária Feminina em Porto Velho”, comenta.
Desde antes da pandemia da covid-19 uma comissão de avaliação da Sejus formada por pedagogos analisa as resenhas de livros, nas quais impõe critérios e busca evitar o plágio.
O solitário advogado Sá não lograria êxito nem convenceria o ex-secretário territorial de segurança José Mário Alves. Fosse hoje, no âmbito da OABRO, ele demonstraria que a leitura é um trabalho intelectual equiparada – para os fins do artigo 126 da Lei 7.210/84 – ao estudo normal, conforme assinala a Portaria nº 004/2015 assinada pelo então juiz da Vara de Execuções Penais e Corregedor Permanente dos Presídios da Comarca de Porto Velho, Renato Bonifácio de Melo Dias.
Os presos conseguem diminuir quatro dias da pena para cada livro que leem. Além da leitura, eles precisam fazer uma resenha, avaliada em seguida pela equipe.
“O conhecimento de si mesmo”
“A leitura proporciona o conhecimento do mundo e, acima de tudo, é o conhecimento de si mesmo”, afirmava em teleconferência o escritor gaúcho Menalton Braff, em 2020. Naquele ano, durante a palestra: Porque a leitura pode ressignificar a trajetória de vida das pessoas, ele afirmava: “Expandir esse conhecimento evita à pessoa não cair em emboscadas que se apresentam a cada momento”.
Em quatro visitas à Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) em São Paulo, o escritor demonstrava que neles, além do prazer estético causado aos detentos, a leitura é ideal para a remição da pena. “O leitor está sempre em vantagem ao não leitor, e sempre terá maior compreensão do mundo”, assinalava.
No Presídio da Ilha, Sá viveu experiência única e fez a sua parte bem antes de o compromisso com a leitura se tornar parceria inédita com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que coloca o Judiciário como protagonista no enfrentamento do “estado de coisas” apontado pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 (ADPF nº 347/DF).
Em 2013, numa entrevista ao site Tudo Rondônia, Osman de Sá lamentava a interrupção do seu programa pioneiro. E mencionava nomes: “(...) não há mais bandeiras de luta pelo penitenciarismo, sumiram aquelas pessoas ilustradas – Armida Bergamina, Iacir de Brito Pereira e outros grandes juristas. Nessa área devo dizer, que eu e o doutor Jackson Abílio de Souza, temos pós-graduação em direito penitenciário.”
Na OABRO Sá foi conselheiro no mandato do advogado Miguel Roumiê (1983); afastou-se por um período e retornou na gestão do advogado Orestes Muniz (2004-2007), e na primeira gestão do advogado Hélio Vieira (2007-2009).
No final da segunda gestão de Vieira, ele foi eleito conselheiro federal. Mais tarde recebeu o convite do advogado Andrey Cavalcante (2016-2018) para esse mesmo cargo, aceitando.
* Trata-se de uma parceria inédita com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que coloca o Judiciário como protagonista no enfrentamento do estado de coisas inconstitucional apontado pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 (ADPF nº 347/DF). Resulta, ainda, do engajamento do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério de Justiça e Segurança Pública, que realizou um aporte financeiro para estratégias que abordam as causas do problema de forma sistêmica, buscando resultados visíveis em curto e médio prazo. Principais diferenciais: preocupação com todo o ciclo penal; consolidação de experiências anteriores exitosas do CNJ; e o desenho de intervenções customizadas à realidade de cada estado, construídas em estreita colaboração com os atores locais para garantir a efetividade e sustentabilidade das soluções.
_____
Fotos: Observatório do Livro, Frank Néry e Arquivo Gente de Opinião
O uso obrigatório do polígrafo a todas as pessoas candidatas a vistos ou asilo nos Estados Unidos seria a segurança contra a infiltração de agentes e
Agenor de Carvalho pagou com a vida o incômodo a latifundiários
Ainda moço, aos 34 anos, Agenor Martins de Carvalho, goiano de Porangatu, conheceria do que seriam capazes seus inimigos? Os empresários Fernando So
E o secretário de segurança injuriava advogados de Ji-Paraná: “São feras”
Abril de 1981: A Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Território Federal de Rondônia transferia “para data oportuna” a sessão de desagravo
“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”
Desde 2023, o presidente da Seccional OABRO, Márcio Nogueira ordena a visita a pequenos escritórios, a fim de amparar a categoria. “O jovem advogado