Segunda-feira, 13 de setembro de 2010 - 16h05
Jornal em três côres marcou um período de renovação da imprensa rondoniense |
MONTEZUMA CRUZ (*)
Editor de Amazônias
Seria um jornal semanário amazônico ocidental com ampla responsabilidade. A Tribuna ressuscitaria no corpo de um semanário, entre outubro e dezembro, depois de 20 anos de ausência. Verdade, o jornalista e advogado Rochilmer Rocha estudava essa possibilidade e planejava como seria uma publicação impressa durante a revolução cibernética que dita notícias em tempo real, mas exige posteriores análises.
Tínhamos enorme motivação em trazer de volta o jornal. Ela fora alimentada durante recente encontro em Vilhena, parte dele testemunhado pelo jornalista Lúcio Albuquerque. “Morre o JB no sudeste, renasce A Tribuna na Amazônia”, traduzia muito bem a nossa inspiração, um misto de ousadia e perseverança.
Há pouco mais de um mês visitei a Redação da TV Senado e relatei esse projeto ao editor Armando Rollemberg. Armando, ex-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), festejou a boa notícia. Alguém lhe contou que Rochilmer começou a carreira no extinto Correio da Manhã, no Rio, e em Rondônia defendeu a redemocratização do País.
Cheguei do Acre às 7h desta segunda-feira, fui rever a neta Evellyn, no Bairro Igarapé, e recebi o telefonema da filha Bárbara Cristina: “Pai, leia os sites, o seu amigo Dr. Rochilmer faleceu hoje”. Em seguida recebo o e-mail da companheira Ana Maria Mejia, dizendo ter sonhado com ele na noite passada. “Estava animado, organizando o relançamento do jornal”, contou-me. Ana Maria também acreditava na volta de A Tribuna.
No alto do Café Santos
Os sonhos do Dr. Rochilmer eram e são iguais aos meus. Alguns deles vêm do tempo em que fui admitido na Tribuna, nos idos de 1976, editado pelos jornalistas Ivan Marrocos e Lúcio Albuquerque.
A conversa de Vilhena não se limitou às paredes da lanchonete onde nos reunimos, tampouco à inauguração da Secretaria Regional do Tribunal de Contas naquela cidade. A cada conhecido, Dr. Rochilmer falava desse sonho, acrescentando: “Sei que só poderia me dedicar novamente à imprensa, depois que deixasse o Tribunal de Contas, e agora isso é possível”.
“Em outubro definiremos todos os detalhes”, disse-me. Queria homenagear o pai, o falecido seringalista Joaquim Pereira da Rocha, cujo aniversário era comemorado naquele mês. Planejava reformar uma parte do primeiro andar do Edifício Ji-Paraná, o antigo Café Santos. Trocaria a enorme vidraça, substituiria o assoalho, pintaria paredes, montaria uma rede de computadores e iluminaria a Redação.
Após a cirurgia para extração de um tumor abdominal, no Rio de Janeiro, telefonou-me para Brasília:
“Você deve ter estranhado minha demora em lhe dar notícias. É que eu fui operado e vou marcar a data da quimioterapia, mas logo volto para Porto Velho e a gente retoma a conversa.
Rochilmer Rocha prestigia o Dia de Rondon, um dos últimos atos públicos aos quais compareceu |
Viagens pelo interior
Dr. Rochilmer queria viajar por aí. Iríamos a toda Rondônia para garantir a confecção de um jornal retratando peculiaridades de cada região. No que Lúcio Albuquerque complementou, torcendo pelo êxito do projeto: “Rondônia ainda não se conhece”.
Pretendia ir a Brasília e juntos ouviríamos os ex-governadores Humberto Guedes (penúltimo governador no regime militar) e Jerônimo Santana. Comprometia-se ainda a ouvir o jornalista Euro Tourinho a respeito da história do quase centenário Alto Madeira.
Na minha mente correu um cineminha: vi o meu passado de repórter, os 24 anos em que vivo ausente do dia-a-dia daqui, e me reencontrei com o presente. Lembrei-me de quando eu e o Dr. Rochilmer sonhamos acordados, vislumbrando o semanário com uma página fixa dos feitos científicos da semana; duas “espelhadas” com reportagem especial; espaços universitário, ambiental, jurídico, socioeconômico, sob diferentes pontos de vista.
“Meu pai levou-me ainda menino ao seringal e indicou o lugar em que eu iria dormir. Perguntei: Pai, por que essa rede tão alta? Ele me respondeu que logo eu saberia porque”. Seu Rocha mostrou-lhe as marcas das patas de onça ao redor do barracão onde dormiam os mineradores de cassiterita. Na floresta do Machadinho o velho comandava 400 homens, todos com redes amarradas bem longe do chão.
O projeto dessa volta à circulação ganhava fôlego. Essa resistência ao tempo viria num ritmo crescente para fazer jus ao nome do jornal que concebeu novas marcas na imprensa rondoniense, inserindo-se, ao mesmo tempo, na história deste estado.
Duplo adeus
Rejuvenescida, A Tribuna resgataria boa parte adormecida da história e da cultura rondoniense. O jornal circularia prioritariamente nas universidades e em pontos estratégicos na capital e no interior, do salão de barbeiro aos tribunais. Promoveria debates, instigaria estudantes a dizer como seria a Rondônia dos sonhos de cada um.
“Não estamos começando do zero! Temos vida, fases. E nesse conteúdo é que pontificam seus editoriais, nossas manchetes de diferentes épocas e a sucessão de artiguinhos que poderemos fazer, a exemplo do que já venho fazendo semanalmente nos sites Gente de Opinião e Rondônia Sim”, escrevi-lhe entusiasmado, dias antes de fazer a cirurgia, no Rio.
Esse renascimento seria tal qual a Fênix, no momento triste em que o Rio de Janeiro e o País perderam no dia 1º de setembro o seu centenário JB, de tantas e imortais glórias e no qual A Tribuna também se inspirou um dia.
Ao transmitir à família Rocha as suas condolências, o jornalista Elson Martins, de Rio Branco (AC), desabafou: “Péssima notícia! Já me via como colaborador do Rochilmer, a quem conheci em 1976, comungando com ele sonhos de repórter”.
Eu e um tanto de gente esperávamos esse desenlace para mais tarde, o que desejamos a nós todos. No entanto, a vontade do Pai Superior prevaleceu ante o amor aos seus familiares e à gente rondoniense, demonstrados com simplicidade e perseverança pelo ilustre advogado, jornalista e homem público do qual nos despedimos.
Para entrar na galeria dos imortais de Rondônia talvez não tenha havido melhor data que 13 de setembro, comemorativa à criação do extinto Território Federal do Guaporé (*) e aos aniversários do Diário da Amazônia e da TV Rondônia.
Dr. Rochilmer, timoneiro e alma do renascimento do seu jornal: impossível sonhar tudo de novo, do jeito que o senhor previu. Mesmo sabendo que todos esses sonhos foram perfeitos.
Que esteja na Luz do Pai.
(*) Fui repórter de A Tribuna, uma das minhas escolas e templos sagrados que me ensinaram o bom viver e a cultivar amizades.
(**) Quando o presidente Getulio Vargas criou o Guaporé, criou também outros quatro territórios federais: Iguaçu, Ponta Porã, Rio Branco (hoje Roraima) e Amapá.
No portão do extinto jornal: projeto para reativação |
Democrático, jornal, repercutia feitos do governo e os sucessivos ataques da oposição. |
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