Terça-feira, 16 de julho de 2024 - 16h11
Risco de morte e ameaças contra
advogados sempre existiram no extinto território federal e até no advento do
novo estado brasileiro, em 1982. Sob restrições às liberdades individuais e
coletivas, no período ditatorial, advogados em Rondônia defendiam presos torturados
com choque elétrico em presídios de Porto Velho.
Ao mesmo, alguns advogados manchavam a
classe ao se mancomunar com delegados de polícia em casos de suborno e corrupção.
Atualmente, a OAB tem um Tribunal de Ética e Disciplina e agora instalou Ouvidorias
Regionais, Comissões Agrária, de Direitos Humanos e outras que lhe permitem
ficar suficientemente atenta a possíveis anomalias.
Anos 1970 não foram fáceis. Na agonia
dos seringais e em tempos de garimpos e derrubadas de matas, a justiça era
feita na base do “olho por olho, dente por dente”. Em 1977, advogados que
trabalhavam ao longo da BR-364 eram obrigados a viajar até a Capital para ter
acesso ao Fórum Rui Barbosa.
Trabalho sob ameaça
Não apenas a demorada tramitação de
processos causava desalento ao exercício profissional, pois alguns deles
sentiram o peso da violência agrária marcada pela presença de pistoleiros
contratados notadamente Mato Grosso. Trabalhavam
sob ameaça.
Na análise desse cenário foi o conluio
de alguns advogados com autoridades policiais que alertou a Seccional da OAB para
agir no estabelecimento da ordem e da justiça.
Consta na história do velho Território
Federal do Guaporé que o primeiro governador, coronel Aluízio Pinheiro Ferreira,
se deparou com o cangaço na região de Jaru na década de 1930, e para evitar
mais violência estabeleceu o seu posto de comando às margens do rio Jaru, de
onde destacava agentes para aprisionar ou pôr em fuga os malfeitores da área.
Suborno e corrupção
A corrupção não era tão nova assim no
âmbito policial. Ainda no governo do coronel João Carlos Marques Henriques
[fevereiro de 1969 outubro de 1972], a SSP convidava os agentes do Departamento
de Ordem Política e Social (SOPS) de São Paulo, Dirceu Almeida e José Bardari
para investigar diversas irregularidades, desde proteção a bandidos em Porto
Velho a latifundiários no interior territorial.
Nos anos 1970, Rondônia vivia um
grande amargor: alguns delegados e agentes policiais se mancomunavam com advogados
na prática de desvios de função, suborno e corrupção.
Conjuntamente, eles libertavam presos
e rateavam o dinheiro do suborno – fatos que motivaram o discurso de posse do
advogado Francisco Arquilau de Paula na OAB-RO em 1979.
“Dublê: policial e bandido”
O compromisso de salvaguardar as
prerrogativas dos advogados em Rondônia exigia dele todo o esforço para
postular a melhoria jurídica.
Em 1977 o advogado Geraldo Drago [OAB-RJ,
que aqui atuava] denunciava à Justiça o agente Zeno Rodrigues Viana, acusando-o
de ser “dublê de policial e bandido”, pois, conforme provas nos autos do
assalto à Marchantaria Guaporé, para encobrir os verdadeiros praticantes ele obteve
proteção da própria SSP, “encenando uma farsa grotesca.”
O chamado Relatório Bardari
recomendava providências moralizadoras, mas seus autores foram embora sem ao
menos receber passagens aéreas de volta. E a documentação iria parar nas
gavetas.
Sem delegado corregedor, a polícia estava na lona. Alguns de seus delegados e agentes recebiam quantias vultosas para colocar em liberdade determinados homicidas, e os favorecia em inquéritos. Em 1977, cometiam o absurdo de comunicar ao juiz de plantão as prisões irregulares e arbitrárias; prisões ilegais e custódia àqueles que propunham pagar fiança, quando cabível; e executavam medidas privativas da liberdade individual, sem as formalidades legais. Em síntese: de cada cem casos de abuso de autoridade no extinto território federal, 99% ficavam impunes.
Pau de arara e choque elétrico
Arquilau assumia o cargo diante da
total ausência de assistência jurídica gratuita e a necessidade da instalação
de comarcas em todos os municípios. “Ali impera o arbítrio, viceja a violência,
predomina a prepotência e o abuso do poder; ali reina o poder do mais forte, do
mais hábil à mão armada”, ele denunciava.
Terminado o mandato de Fouad Darwich
Zacharias em 1979, Arquilau assistia a um quadro dantesco na área policial: agentes
policiais colocavam no pau-de-arara o preso Francisco Fernandes de Oliveira, 19
anos, torturando-o com choque elétrico para que confessasse furtos praticados
em Manaus e Rio Branco.
Um dos agentes narrava o ocorrido aos
superiores, enquanto o advogado Hamilton Rezende encaminhava o preso ao juiz de
Direito José Clemenceau Pedrosa Maia, após exame de corpo de delito.
Constrangido, o secretário de Segurança Pública, José Mário Alves da Silva,
entregava o caso à superintendência da Polícia Civil.
Elencildo Flávio de França era o chefe
da Polinter (Polícia Internacional), mas na ausência do titular do 3º DP,
Jandir de Melo fazia danações, uma atrás da outra. Num domingo de julho de 1979,
ele obrigava uma prostituta menor de idade a despir-se dentro da delegacia,
para em seguida espancá-la. Só não sabia que a menina estava grávida de quatro
meses.
Elencildo trazia da Paraíba algumas
confusões na sua ficha pessoal. Uma vez, quando estava a passeio em João Pessoa,
trajando apenas calção, ele prenderia o sobrinho de um general.
O terror no 3º DP resultaria em inquérito, mas a impunidade corria solta em tempos ainda dominados pela repressão. Sevícias e truculências também atingiam idosos, o que levaria o então presidente da Câmara Municipal, vereador Cloter Saldanha Mota (MDB), a discursar: “Uma polícia que espalha o terror, atemoriza e não inspira a mínima confiança, merece sindicância governamental para que a população fique sabendo quem são os delegados, agentes e comissários que desrespeitam os direitos humanos, usando o cipoal da selvageria contra os presos”.
Itamar denunciava tortura
Outro vereador, os advogado Itamar Dantas (MDB) criticava: “Pouco adianta a gente lamentar ou criticar os desmandos desta polícia, porque, enquanto seguidores de Hélio Bicudo pontificam na árvore acolhedora da civilização, a glorificação dos Fleurys continua em Rondônia. Se em Porto Velho é assim, imaginem o interior, onde o povo se acomoda?”.
Dantas referia-se ao delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, que havia atuado no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em São Paulo durante a ditadura militar. Fleury se tornou conhecido pela perseguição aos opositores do regime. Segundo testemunhas e relatos de presos políticos, durante interrogatórios ele usava sistematicamente a tortura.
Em 1979 o governador Jorge Teixeira exigia a punição dos policiais torturadores, mas o cancro estendia-se a outras repartições policiais. Ânimos exaltados, frustrações e descontrole da autoridade só faziam aumentar o clima de violência.
Ocorrera um tiroteio entre marginais e policiais na frente da Boate Paissandu. O advogado criminalista e naquele período secretário de segurança pública, José Mário Alves da Silva, mandava fechar boates com o objetivo de prender membros de uma quadrilha de assaltantes.
Contraditoriamente, a portaria permitia o funcionamento das casas grã-finas, como se um marginal disfarçado não pudesse se refugiar numa delas.
O secretário perderia as estribeiras com uma frase infeliz que contrastava com a paz estampada no seu tradicional terno branco: “Minha orientação é a política da não-violência, mas assumo a responsabilidade de mandar matar quando as circunstâncias de defesa obrigam o policial a tal procedimento”.
Consertaria essa declaração, mas piorava o clima ao fazer outra: “Peço compreensão para as minhas palavras, não estou criando aqui um esquadrão da morte”.
Se contribuía ou não para tal, o certo é que José Mário – que mais tarde seria o nome do maior presídio rondoniense – ouviria o protesto do presidente da seccional da OAB, advogado Francisco Arquilau de Paula: “A Secretaria está violando a lei”. Legítimo e oportuno, já que eram bem conhecidas as notícias revelando a existência de um certo “Comando de Caça aos Bandidos”, cujos agentes não pensavam duas vezes antes de invadir lares periféricos.
Comprovando tudo o que dissera e temia repetir-se, Arquilau levava diversas situações ao conhecimento do governador, coronel Jorge Teixeira de Oliveira: a maior parte delas de corrupção envolvendo delegados e agentes. “É chegada a hora de o governador tomar posição e demitir os policiais arbitrários.”
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Fotos: Álbum Pessoal, Galeria de ex-governadores e Reprodução de jornais
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