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Montezuma Cruz

Tem-tudo acreano abastece o sertão com raridades


 Do velho lampião à antena parabólica, comerciante vende à beira do Rio Acre utensílios que contrastam o passado dos seringais com o avanço tecnológico. 
MONTEZUMA CRUZ
www.twitter.com/MontezumaCruz      


RIO BRANCO, AC – Em plena segunda-feira o vaivém de clientes é visto com naturalidade numa loja na Rua Epaminondas Jácome, à beira do Rio Acre, muito procurada por gente simples vinda dos velhos seringais, colônias (sítios) e projetos do Incra.
— Se aqui não tem tudo, tem quase tudo. Venha ver — convida Tancredo Lima de Souza, 58 anos, proprietário do famosíssimo Bazar Chefe, ao lado do restaurado Mercado Velho de Rio Branco.
Poucos o conhecem pelo nome. Apelidado de Chefe, o comerciante expõe uma miscelânea de parafusos, correntes, fios, tomadas, soquetes, antenas, raladores, panelas, panelões, caldeirões, chaleiras, moinhos de carne e de café, bules e rádios em modelos antigos.
— Só aqui o senhor encontra esses lampiões – diz. Essas luminárias funcionam a gás, a querosene e a pilha. Igualmente procurada,  a velha lamparina faz parte do cenário do sertão acreano, que padece com a escuridão. O Programa Luz Para Todos, do governo federal, ainda não alcançou todas as zonas carentes das regiões do Iaco, do Purus e do Juruá.
Chefe começou com um capital de apenas 200 mil cruzeiros (moeda da época), fruto de suas economias. Uniu o antigo ao moderno, ao pendurar antenas de TV a cabo e mini-parabólicas ao lado de quinquilharias que brevemente terão a companhia da internet banda larga, cuja expansão foi prometida para 2010 nesta parte da Amazônia Ocidental Brasileira.
— Cobra que não acorda cedo, não engole sapo — fala e ri. A loja funciona diariamente das 6h às 20h; aos domingos, até às 13h. Com essa expressão muito conhecida na região norte, Chefe valoriza o trabalho dele e de oito funcionários chefiados pela filha Cleide 
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Tancredo de Souza, o "Chefe" (erguendo o lampião), começou a trabalhar vendendo picolés. Hoje é o "rei da quinquilharia"

Sandra, formada em administração de empresas.

Até penicos
Donas de casa acreanas encontram ali a imprescindível agulha para desentupir fogão, vendida por R$ 1. Hoje ela é tão rara quanto agulhas de som.
De uma ponta a outra da loja, o comerciante amontoa peças de ferro, lataria, alumínio, plástico, colher de pau, pau de macarrão, baldes, bules esmaltados e louças. São apenas 50 metros quadrados e não há mais espaço para acomodar novas compras de utensílios. Sobram estoques, que também se transformou em depósito.
Estilingues, conhecidos na Amazônia por baladeiras, martelos de todos os tipos, alicates, terçados e foices são muito procurados por crianças e adultos vindos das colônias e fazendas do interior do estado.
Olha-se de um lado e se vêem tachos, panelas, bacias de todos os tamanhos vasos, faroletes niquelados e pilhas. Perto do balcão principal estão caixas com fogos de artifício, sacos de traques e bombinhas juninas. No alto, Chefe pendurou antiqüíssimos penicos usados como vasos sanitários desde o ano 1600.
— Tenho de três tamanhos, que variam de R$ 26 a R$ 33 — diz.

Desde menino
O sucesso desse acreano filho de pais pernambucanos nascidos em Serrinhas começou no final dos anos 1960, quando ele começou no mesmo ponto, com uma pequena banca. Ainda menino, quando morava na Colônia São Francisco, ele vendia picolés.
—Trabalho desde seis anos de idade — conta, exibindo um amarelecido documento no qual está anotada a sua primeira profissão.
Trabalho nunca foi novidade para Tancredo, que fazia bolos, pão de milho, criava galinhas e auxiliava seis irmãos. Zeloso e solidário, ganhou o apelido do próprio pai, o seringueiro Galdino José de Souza.
— De lá para cá, sempre fui Chefe — lembra. E reconhece que exercia liderança sobre os demais da família.
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Variedade de produtos tem grande procura por moradores do interior e até da cidade

O Acre inteiro conhece esse homem e admira o trabalho dele – relata Epílogo Pessoa de Brito, proprietário do Hotel Epílogo.

Acre rural
Há 40 anos, quando possuía apenas a pequena banca, Chefe vendia tabaco colhido em seringais do Rio Iaco. Até hoje ele mantém a tradição. Conheceu a lavoura na sua vivência nos seringais Cearazinho, de Augusto Ventura; Novo Andirá, da família Dantas.
— Os últimos lugares onde cortamos seringa foram as colocações Castelo e Corredeira.
No atacado, para os peões de fazenda que foram surgindo, ele forneceu muitos Congas, Kichutes, limas para amolar facas e facões, malas duratex, redes, mosquiteiros, reios e apetrechos para cavalos, tachos, botas sete léguas e sapatões de borracha.
— Os rádios das marcas “Campeão” (de mesa) e Motobras (portátil) continuam vendendo bem. O rádio é quem dá notícia e diverte um povo sem televisão — comenta, referindo-se às “zonas escuras” mapeadas pela Eletronorte e pelo Governo do Acre.
Com dois filhos e um neto, Chefe é o único remanescente de um ramo de comércio notável no período de extinção dos seringais e do início da atividade agropecuária no Estado do Acre, no início dos anos 1970. 

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