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Montezuma Cruz

Tipitamba usa capoeira para produzir bons frutos no Pará


A Agência Amazônia inicia mais uma "Séries de especiais", que  mostram ser possível conservar a biodiversidade usando técnicas simples e de bons resultados. São muitas Amazônias dentro desses 5 milhões de quilômetros quadrados que representam 60% do território brasileiro. Visitamos um pedacinho deles para mostrar aos nossos leitores Coisas do Acre e Uma nova Amazônia, séries que trarão outras, mais à frente.

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MONTEZUMA CRUZ 
Agência Amazônia

IGARAPÉ-AÇU, PA — Manoel da Silva, 57 anos, está satisfeito. Antes de 2000 ele queimava toda capoeira que encontrava pela frente e até invadia parte da floresta em Igarapé-Açu, nordeste do Pará, a 117 quilômetros de Belém. Regenerado, hoje ele ecoa sua voz entre os participantes de uma das quatro associações praticantes do Projeto Tipitamba. Com sete filhos e três netos, o agricultor atua na Associação São João (Marapanim). Só reclama de uma situação: o Projeto Luz do Campo ainda não chegou à sua casa.

A semente de uma nova Amazônia germina desde 1997 no Baixo Tocantins e no Nordeste do Pará. Longe da soja, da cana-de-açúcar e da boiada, a fumaça diminui, cresce a prática do agroextrativismo e essas regiões se transformam em oásis na devastação. No lugar dela, vêem-se palha, cipó, arroz, feijão e frutíferas. O fantasma do desmatamento está solto, mas leva golpes certeiros da inovação tecnológica, combinados pela persistência de pesquisadores, extensionistas e pequenos agricultores. Tipitamba usa capoeira para produzir bons frutos no Pará - Gente de Opinião

Tipitanga significa ex-roça ou capoeira na língua dos índios Tiriyó, do norte do Estado do Pará. A mata de capoeira é a vegetação secundária da floresta formada por árvores e plantas de baixa e média altura. "Deus dá sabedoria pro homem. Se o fogo voltasse, eu teria dificuldade para trabalhar; estou acreditando", diz Silva, convicto. A estudante de engenharia florestal do Estado de Nova Iorque (EUA), Dawn Michelle Harfmann observa atentamente o seu depoimento.

Dawn acompanha o projeto na área de solos para uma tese de mestrado. Só neste semestre o projeto recebeu quatro americanos. Eles fazem curso em Belém, com direito a visitar áreas de assentamento, mineração e agricultura familiar, escolhendo um tema para dissertação de mestrado nos EUA.

Inicialmente Silva estranhou os métodos que passaria a usar. Até a enxada passou a ser amolada em pé. Oito anos depois, mostra a roça limpa apenas uma vez, em fevereiro deste ano. "Com fogo, seriam necessárias duas limpas", explica. No começo eram apenas seis pequenos agricultores; agora totalizam 42 as famílias comandadas pela engenheira florestal Josie Helen Ferreira. 

Tipitamba usa capoeira para produzir bons frutos no Pará - Gente de OpiniãoQuinze anos depois de lançado, o Projeto Tipitanga desenvolve na região nordeste do Pará alternativas de cultivo sem a utilização do fogo. De maneira simples, mas ousada: fazendo o manejo da vegetação secundária em descanso. O preparo de área pelo método derruba-e-queima, a mais usual prática na agricultura familiar da região é substituído pelo corte e trituração mecanizada da capoeira por uma máquina John Deere, de 170 cavalos. O resultado disso é o uso dos arbustos triturados como cobertura morta do solo para os cultivos em plantio direto. 


A boa-nova se espalha


Um vizinho conta a boa-nova para o outro. Com essa prática, a Associação de Desenvolvimento Comunitário de Nova Olinda conseguiu a redução de gases de efeito estufa e também evitou a abertura de novas áreas para lavouras. No Projeto Raízes da Terra, as comunidades já preparam mudas, fazem compostagem, controlam pragas com métodos alternativos e promovem intercâmbio com Tomé-Açu. No ano passado, o pesquisador e coordenador do projeto, Osvaldo Kato Kato, computou 18,9ha queimados e 50h não queimados.

"A biomassa - folhas e galhos triturados - serve de adubo orgânico, para conservação do solo e como material de cobertura", explica. Lembra a pobreza dos solos amazônicos e a conseqüente exigência do tempo de descanso entre cada plantio. Tradicionalmente, plantava-se e colhia-se na região, para em seguida a terra descansar pelo menos dez anos. Depois,Tipitamba usa capoeira para produzir bons frutos no Pará - Gente de Opinião ateava-se fogo na vegetação que nasceu ali, para plantar novamente. Com a trituração da capoeira é possível cultivar duas safras seguidas, e o tempo de descanso diminui para cinco anos. "Evitamos derrubada de novas áreas no ano seguinte", relata o pesquisador.

Agentes comunitários fazem a ponte dos produtores com os pesquisadores e os órgãos governamentais. Para o engenheiro Evandro Ladislau, da Secretaria de Projetos Especiais do Governo do Pará, a regularização fundiária em Igarapé-Açu (32 mil habitantes) e o Fórum de Desenvolvimento Municipal permitem debater qual o futuro desejado pelos produtores e quais as culturas permanentes ideais para a região. 


Há serviço para mais uma década

O atual planejamento do Tipitanga e do Plano de Desenvolvimento Municipal é para três anos, mas há trabalho para uma década. Todos apostam nessa diversificação agrícola que pressupõe um intercâmbio permanente com os pimenteiros de Tomé-Açu e uma troca salutar de experiências internas. "Um conhece a graviola, outro o urucum, outro, o cacau", explica Ladislau.

Antes do discurso e da prática da sustentabilidade houve agravantes. Ladislau lembra que os lotes mediam 25 ha e os pequenos não tiveram condições de suportar, diante dos custos exorbitantes. O lote mede atualmente meio hectare. "Além de não saberem elaborar uma planilha, muitos produtores aproveitaram vasilhames de agrotóxicos para armazenar água, morrendo em conseqüência do consumo de restos dos produtos", constatou Ladislau. Os cartórios subnotificaram esses óbitos, registrando a ocorrência de dores de cabeça, vômitos e outras indisposições. "O filho de um produtor adoeceu e o pai hoje pulveriza a roça com produtos naturais para combater as pragas", conta.

Para a engenheira Josie Ferreira, a situação melhorou depois que alguns agricultores passaram a usar como defensivos o capim estrepe e o gengibre. "Mas ainda nos faltam boas receitas e esperamos por elas", reclama. Ela, Ladislau e os pesquisadores da Embrapa conhecem, por exemplo, o estudo feito durante 20 anos pelo pesquisador cearense José Julio da Ponte, para o uso da manipueira em pó como inseticida e fertilizante foliar.

Ponte é aquele que, mesmo tendo recebido a comenda da Ordem do Mérito Científico Nacional do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aguarda há seis anos o patenteamento do seu invento pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Enquanto isso, toneladas do líquido leitoso da mandioca ainda em estado tóxico são despejadas por farinheiras nos igarapés paraenses. Polui, e muito. 

Tipitamba usa capoeira para produzir bons frutos no Pará - Gente de Opinião
"Dá certo, porque é participativo", garante coordenador 


IGARAPÉ-AÇU - O deputado Fernando Melo (PT-AC), membro da Comissão da Amazônia, quis conhecer o projeto. "Dá certo, porque é participativo", explicou-lhe Osvaldo Kato. "Numa primeira fase, aplicamos muita ciência; depois, sentimos a necessidade de ouvir mais o agricultor, fazer parceria mesmo!".

Foi nesse embalo que a prefeita Sandra Miki Uesugi Nogueira (PR) desmembrou a secretaria municipal de agricultura, criando a secretaria de meio ambiente. Pimenta, maracujá, feijão e dendê devem trilhar juntos, nas mesmas regras para o açaí, o cupuaçu e o cultivo de árvores de mogno, uma resposta positiva à ameaça da devastação amazônica. "É o que chamam de trabalho ecologicamente correto, e eu ponho fé nesse aspecto", comenta o secretário Herivelton Paiva, que já foi da agricultura e agora é titular do meio ambiente.

Filha de uma família de agricultores moradores na região há 35 anos, a prefeita está animada: "Olha, no final da tarde posso estar cansada de qualquer dificuldade da política, mas não me arrependo, porque os resultados dão grande satisfação". Pela primeira vez ele ocupa um cargo público. Sandra é economista e pedagoga.

Há dois meses no município, o gaúcho Kelen Soares, 29, faz parte do grupo de atores que atualmente acompanham o êxito do Projeto Tipitanga. Ele deixou o frio de Santa Maria (RS) pelo clima tropical do nordeste paraense. Estudante de engenharia florestal, já conhecia um pouco dessa diversidade, mas ali está para beber na fonte de conhecimentos da equipe multidisciplinar da Tipitamba usa capoeira para produzir bons frutos no Pará - Gente de OpiniãoEmbrapa Amazônia Oriental. "A gente aprende um pouco por dia", comenta.

Soares integra um grupo de estudantes brasileiros e estrangeiros espalhados pelo Pará, para aprender o agroextrativismo e a conservação da floresta. Entre eles, a turismóloga Suellen Santos Mendes destaca o papel do Fórum de Desenvolvimento Municipal. Bacharel em Ciências Sociais e integrante da equipe articuladora da Universidade Federal Rural da Amazônia, ela notou que as instituições locais, estaduais e federais atuavam individualmente no cumprimento de suas atividades. "Hoje, isso é feito conjuntamente", assinala. A universidade tem uma fazenda-escola no município. 


NOTAS

Igarapé-Açu foi o núcleo colonial Jambu-Açu, fundado em 1895, no Km 118 da Estrada de Ferro de Bragança. O núcleo de Jambu-Açu surgiu com a política do governo estadual de colonizar toda a Região Bragantina. A ferrovia teve papel fundamental nessa política de colonização, porque escoava os produtos da Região Bragantina para Belém. 

Parceiros do Tipitamba: Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), Banco da Amazônia, Banco Mundial, United States Agency for International Development (USAID), Projetos Demonstrativos e Projetos e Programa de Alternativas ao Desmatamento e às Queimadas (PDA/Padeq), Sebrae-PA, Ministério da Agricultura, Ministério da Ciência e Tecnologia e CNPq.
 

Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião e do Opinião TV.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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