Terça-feira, 19 de outubro de 2010 - 21h34
Barco sem nome depende do esforço diário de cinco homens para ser recuperado. Navegação depende de canoeiros que resistem na profissão /M.CRUZ |
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
GUAJARÁ-MIRIM – Pintado de azul e branco, o barco “Vale do Guaporé II” está carregado de melancias, uma das riquezas plantadas e colhidas por ribeirinhos brasileiros e bolivianos. Parte deles mora na quase anônima Ilha Soares cuja soberania pode ser reivindicada pelos dois países.
Os últimos marceneiros e mecânicos de embarcações do Vale do Guaporé vivem aqui na barranca da margem direita do Rio Mamoré, numa cidade de 40 mil habitantes que já teve dois serviços de navegação. Reunidos numa entidade com estatuto e cerca de 20 sócios, eles ainda desconhecem quem manda, ou pelo menos poderia salvá-los da extinção: não sabem onde fica a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), nem o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
Ao lado de um rolo de cabos de aço e de sucatas dos trilhos da extinta Estrada de Ferro Madeira-Mamoré o canoeiro Francisco Maciel do Nascimento, 54 anos, solda ferros das 8h às 18h, sem parar. Quer recuperar pelo menos três antigos barcos que transportavam moradores ao longo dos rios do Guaporé.
Casco de itaúba
Francisco Maciel garante que recupera o primeiro dos velhos barcos num prazo de três meses |
Francisco usa o protetor visual e fala pouco, o suficiente para lembrar a existência de uma categoria largada ao esquecimento desde o fim das atividades das empresas de navegação que um dia transportaram pessoas e mercadorias rio abaixo e rio acima.
– Dentro de três meses esse barco tá recuperado – garante. Para dar conta do serviço encomendado por um particular à Associação dos Canoeiros de Guajará-Mirim ele contará com a força de trabalho de quatro homens.
No chão da oficina, pedaços de itaúba já serrados serão utilizados para o novo casco do barco. Segundo Francisco, essa madeira amarela-olivácea pesada, dura e de exigente manuseio tem alta durabilidade.
– Pode contar uns cem anos. É o tanto que esse barco pode durar agora – afirma, categórico.
Embarcações deterioradas pela ação do tempo repousam ao sol e à lua, no meio do matagal dessa área do Bairro do Triângulo. Quatro esqueletos de embarcações ocupam espaço no capinzal crescido entre a rua de acesso à sede dos pequenos armadores e a estação captadora da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia. Se depender da força de vontade de Francisco e equipe, provavelmente a cidade irá deparar com novas e vistosas embarcações até 2011.
Das antigas
Cipriano acompanhou a vida dos antigos serviços de navegação, único meio de transporte na mais isolada região rondoniense. |
Conversa e olhar saudosos, Cipriano Pires de Almeida, 68, conta ter navegado desde os anos 1960. Com exatidão, lembra dos dias das viagens das embarcações: cinco, dez e 15.
– Naquele tempo era com a voga – explica. Voga é um tipo de remador mais próximo da ré do barco. Cipriano acompanhou o funcionamento dos antigos serviços, viu muita rede ser armada e desarmada, num vaivém permanente de comandantes, práticos e famílias inteiras, todos dependentes do rio para ir e voltar de algum lugar.
– Agora vão fazer a ponte, não é mesmo? – pergunta, referindo-se à primeira ponte internacional entre Rondônia e o Beni, projetada há mais de dez anos e cujas obras devem finalmente começar em 2011.
Sereno, capaz de ouvir um por um dos seus ouvintes reunidos no barco, o radialista Eliés Passos Parada se incumbe de infundir um pouco de otimismo e tornar menos difícil a vida dos ribeirinhos. É para ele que chegam e do seu microfone, na Rádio Educadora AM são transmitidos os recados mais urgentes e tocadas as músicas mais solicitadas. Quem quiser encontrá-lo fora do estúdio da emissora, basta procurá-lo na beira do rio.
Jesus aprendeu tudo na beira do rio
Jesus Gongora, boliviano, mestre na construção de embarcações fluviais, vive desde menino na barranca do Mamoré. |
GUAJARÁ-MIRIM – Jesus Gongora Azaba, 58 anos, veio menino de Exaltación, próximo a Trinidad, no Departamento do Beni, Amazônia Boliviana. Desde jovem ele exerce a profissão no porto fluvial de Guajará-Mirim, de onde nunca saiu.
– Comecei a reformar barcos, aprendi a fazer alinhamento de motor. Mecânica e carpintaria deram certo para mim – comenta sorridente.
Admite ter saudades de Trinidad, a maior cidade da sua região, onde há vôos de companhias bolivianas, chilenas e mexicanas. Foi lá que fez a sua primeira viagem para conhecer outras regiões da sua Bolívia.
Jesus Azaba desafia a si próprio e a quem mais se interessar em construir embarcações:
– No lápis, na régua e no papel, como projetam os engenheiros, é tudo muito bonito, mas a prática revela muito mais. Faço para os outros, mas é bem melhor fazer para mim mesmo, porque conheço o material e vou medindo tudo certo, centímetro por centímetro – diz. Após almoçar, ele descansa na sombra de uma árvore, a dez metros de sua mais recente obra: o barco São Francisco, em avançada recuperação com madeira trazida da Bolívia.
E ainda mora gente aí na ilha? – pergunto-lhe. Refiro-me à Ilha Soares, cuja disputa é antiga. Algumas famílias vivem no mesmo lugar há décadas, faça sol, chuva, seca ou cheia. Plantam para o sustento e só vêm à cidade passear. Os tratados de 1867, 1877 e 1958 não resolveram a questão. Ela continua sendo brasileira e boliviana.
Navegação fluvial já foi ativa na região
Carregado de melancias, o barco "Vale do Guaporé II" fica atracado uma semana, até transportar novamente pessoas e mercadorias |
GUAJARÁ-MIRIM – Autoridades municipais com direitos e deveres de orientá-los e pleitear por eles financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fecham os olhos à realidade. Comodamente, o governo estadual também não demonstra interesse por melhorar a situação dos ribeirinhos, desde a falência da Empresa de Navegação de Rondônia (Enaro), que sucedeu aos antigos Serviços de Navegação Madeira e do Guaporé.
Afinal, se esse banco financia ferrovias, metrô e hidrelétricas em países sul-americanos, entre os quais Argentina e Venezuela, o que custaria reativar a navegação fluvial?
Até o final do século XIX, Guajará Mirim constituía-se apenas de alguns seringais, sem nenhuma povoação, registra a prefeitura municipal. A construção da Ferrovia Madeira-Mamoré fez surgir um núcleo urbano a partir do ponto final da estrada de ferro, tal qual em Porto Velho
Os seringais da região eram explorados pela Guaporé Rubber Company, então gerenciada pelo coronel Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha. Entre os principais seringais destacavam-se o Rodrigues Alves, o Santa Cruz e o Renascença. Diversas embarcações de bandeiras nacional e boliviana, vapores de roda na popa, lanchas a hélice viajavam de oito a 15 dias pelo Rio Guaporé até Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), e pelo Rio Mamoré, até Trinidad, capital do Beni.
Em 1931 Saldanha, que administrava os seringais da Guaporé Rubber e da empresa Júlio Muller, criou o Serviço de Navegação do Mamoré e Guaporé, subvencionada pelo governo federal. A empresa atendeu aos moradores entre Vila Bela e Forte Príncipe da Beira, escoando látex e a produção agrícola. Em 1943 essa empresa foi adquirida pelo governo federal, transformando-se no Serviço de Navegação do Guaporé (SNG).
Com o fim do território federal e o início do estado, o governo criou a Empresa de Navegação de Rondônia (Enaro), de curta existência. Foi uma empresa de economia mista, 99% pertencente ao estado. Ao reconhecer o fim das atividades da Enaro, o Tribunal Regional do Trabalho determinou que o estado respondesse subsidiariamente pelos débitos com seus funcionários.
Melancias se perdem por falta de transporte
Edvá Bazílio embarca as melancias num pequeno caminhão para levá-las ao comércio guarajamirense |
GUAJARÁ-MIRIM – Por falta de transporte adequado, a vila de Surpresa, a 17 horas de barco do porto de Guajará-Mirim, perdeu cinco mil melancias na safra que agora termina. Às 11h de quinta-feira, Edvá Bazílio, 46 anos, enchia um pequeno caminhão para transportar o produto até o mercado e outros distribuidores.
– Sem carro e sem barco não dá! – queixa-se Edvá. Segundo ele, uma chata pertencente a particulares afundou na vila, deixando de escoar melancias para Associação dos Moradores de Surpresa. E a maior parte das melancias foi colhida na roça do conhecido seu Mauro (ele não se recorda do sobrenome do produtor.
Esse problema é um dos mais sérios entre os isolados moradores deste lugar pouco conhecido dos rondonienses, embora, geograficamente, seja sempre mencionado em escolas e órgãos públicos, desde o extinto território federal.
A dureza da falta de transporte, da falta de recursos da saúde e outras dificuldades já fez parte do discurso de deputados estaduais, federais e de senadores. No entanto, soluções continuam em falta. Enquanto descarrega as melancias do barco para levá-las ao caminhão, Edvá e seus auxiliares lembram que “os sofredores com cálculos renais” são os que mais sentem a falta de transporte. Ele é portador da doença.
Indígenas ao longo de afluentes do Rio Guaporé também para chegar até os únicos hospitais desta cidade. Há casos de morte por diarréia, malária, gripes e pela simples falta dos primeiros socorros, denuncia o Conselho Indigenista Missionário.
Já o Conselho Regional de Medicina publicou duas notas este ano, advertindo autoridades estaduais sobre a falta de recursos nos hospitais Regional e Bom Pastor, onde há carência de remédios e de recursos humanos. O bispo diocesano, dom Geraldo Verdier, enviou recentemente uma carta de Paris, na qual apela por recursos para o hospital mantido pela Igreja há mais de 30 anos.
O QUE É ANTAQ
• A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), criada pela Lei n° 10.233, de 5 de junho de 2001, é entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, com personalidade jurídica de direito público, independência administrativa, autonomia financeira e funcional, e mandato fixo de seus dirigentes.
• É vinculada ao vinculada ao Ministério dos Transportes, com sede e foro no Distrito Federal. Pode instalar unidades administrativas regionais. Tem por finalidades: I - implementar, em sua esfera de atuação, as políticas formuladas pelo Ministério dos Transportes e pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na Lei nº 10.233, de 2001; e II - regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infra-estrutura portuária e aquaviária, exercida por terceiros.
•Garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas; b) harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, preservando o interesse público; e c) arbitrar conflitos de interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica.
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