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Montezuma Cruz

Um estado cada vez mais movido pelo 'ouro branco'


Vale do Juruá ganha concorrentes na fabricação da “melhor farinha de mandioca do País” 

MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br 

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ASSIS BRASIL, AC – A segunda economia do Acre proporciona um volume anual de negócios de R$ 200 milhões. Algumas décadas depois do domínio de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, 120 pequenos agricultores de Assis Brasil, Brasiléia e Xapuri se dispõem a concorrer com marcas próprias na fabricação de farinha de mandioca. 

Apoiados financeiramente pela Fundação Banco do Brasil (FBB), eles diversificam a atividade, produzindo gomas, tapioca, pé-de-moleque, todos 100% naturais. Dentro do Projeto 102 Casas de Farinha, a FBB está complementando investimentos de R$ 2,4 milhões distribuídos entre cerca de quatro mil trabalhadores rurais. Brevemente eles e

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Associados esperam conseguir qualidade de farinha de mandioca semelhante à de Cruzeiro do Sul, vendida como "a melhor do País /M.CRUZ

starão fabricando também os beijus coloridos com sabores de maracujá, abacaxi, açaí e cebola. Três novas unidades foram inauguradas segunda-feira em Assis Brasil, Brasiléia e Xapuri. 

Pura ou com coco, a “Farinha de Cruzeiro do Sul” consolidou a marca e já foi até pirateada em outros estados. Tradicionalmente, ela é mais vendida na região amazônica, onde há consumo diário. No Estado do Pará, por exemplo, cada pessoa consome em média cem gramas de produto de diferentes procedências. 

No Juruá, a mandioca tem produtividade média acima de 20 toneladas e alcança algumas vezes entre 30 e 40 t, bem acima da média nacional de 33 t. A farinha é chamada popularmente de “ouro branco” da Amazônia Ocidental. A marca de Cruzeiro do Sul notabilizou-se como a “melhor do País”. 

Parcerias que dão certo 

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Pedro Marques, líder dos mandioqueiros de Assis Brasil, acredita que agora há respeito pelo trabalho no setor /M.CRUZ

Dos cem assentados do Setor Paraguaçu, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Assis Brasil, 40 estão em plena atividade, informa o presidente da Associação de Produtores da Comunidade Bacia, Pedro Marques Ribeiro Filho

“Criamos o símbolo da associação e adotamos uma nova postura para conquistar mercado”, explica Pedro Marques. Assis Brasil (5,3 mil habitantes) fica a 350 quilômetros de Rio Branco, na região do Alto Acre, fronteiriça a Inãpari (Província peruana de Tahuamano). 

Pouco adiantaria liberar apenas recursos, se a FBB não tivesse as parcerias das prefeituras, que impulsionam o negócio, com a intervenção da Diretoria Regional de Desenvolvimento Sustentável do BB. As casas de farinha são construídas de madeira, usam pequenos motores e o espaço de manuseio é revestido com azulejos. 

Para o coordenador das Casas de Farinha da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), Joaquim Moisés, a industrialização da mandioca acreana “traz novos tempos”. Ocupa, de fato, o segundo lugar na economia estadual, atualmente liderada pela pecuária, que há 30 anos sofrera rejeição por causa de grandes derrubadas de antigos seringais. 

A mandioca começa a despertar também uma das regiões castanheiras do Acre. Em Vila Campinas, no município de Plácido de Castro, 30 hectares foram destinados a lavouras. Os agricultores cultivam as variedades Seringueira, Sutinga, Xapuri e Caboclinha. “Cada tonelada de massa de mandioca rende 250 quilos de boa farinha”, conta Antonio Camelo de Castro, 65 anos, sete filhos, 12 netos, “com pai (88) e mãe (82) vivos, graças a Deus”. “Eu me aposentei do plantio, mas agora estou incentivando os companheiros”, ele comenta. 

Há razões para isso. Pelo menos nos cálculos do deputado Fernando Melo (PT), um pecuarista obtém dois bezerros por ano numa área de um hectare, enquanto nessa mesma área um agricultor pode conseguir o suficiente para adquirir nove bezerros. 
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Agricultoras demonstram a linha de produtos da Casa de Farinha de Assis Brasil, durante a inauguração, 2ª feira /CRUZ


“Pode unir o útil ao agradável, porque a pesquisadora da Embrapa, Joana de Souza tem bons trabalhos sobre o uso da castanha na fabricação de beijus e até queijos”, lembra Melo. Seu Antonio Castro é testemunha: “O beiju com castanha dura cinco dias”. 

Alto Acre quer os 35 milhões de
consumidores do mercado andino 

ASSIS BRASIL e BRASILÉIA – “Quem não come farinha não é acreano”, proclama o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Rosildo Rodrigues. “Farinha traz dignidade e cidadania”, diz a presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais, Sebastiana Rego. 

Os municípios do Alto Acre vislumbram agora um mercado de 35 milhões de consumidores nessa região peruana e nas províncias bolivianas do Pando e Beni – enfim, a América Andina. 

A prefeita de Assis Brasil, Eliane Gadelha (PT) espera que a mandiocultura no Alto Acre tenha o mesmo êxito da piscicultura. Dos açudes de sua Fazenda Três Meninas, o empresário Miguel Fernandes retira duas toneladas de peixes por dia, metade vendida no Acre e no sudoeste amazônico, e metade no Peru. 

“Antes ao podíamos fazer nada, porque temos 2% da nossa área ocupada por florestas nativas, reservas extrativistas e indígenas, mas a agroindústria chegou para nos libertar”, comenta a prefeita. 

O semblante de Eliane estampa um misto de preocupações com os problemas locais e a satisfação de ver inaugurada mais uma Casa de Farinha. “Meu coração está cantando de felicidade, porque sei que a nossa tem qualidade e logo será igual à de Cruzeiro do Sul”, prevê. (M.C.) 

Produtor ganha R$ 6 mil por mês só com a goma 

BRASILÉIA e XAPURI – Para o autor da intermediação de financiamentos para o Projeto 102 Casas de Farinha, o senador Tião Viana (PT-AC), a região tem possibilidade de conquistar a sua independência econômica: “Na Europa, notei que o agricultor vai bem, pôe o filho na Universidade, mas no Acre ele precisa mudar o perfil e enxergar novos horizontes”, comenta.
 
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Produtores reunidos prestigiam a inaguração da Casa de Farinha de Xapuri / M.CRUZ
Lembra que o tucupi (sumo extraído da mandioca, depois de ralada e prensada) produzido no Acre é todo vendido em Manaus (AM). “Em Brasília a unidade (300 ml) custa R$ 6”, diz. Viana vê perspectivas animadoras: “Um só comprador de Manaus se comprometeu a adquirir duas mil sacas de farinha acreana por mês. Em Cruzeiro do Sul, as balsas saem com toneladas do produto, pelo rio Juruá, e num ramal de Sena Madureira o agricultor Manoel Francelino do Carmo está tirando R$ 6 mil por mês apenas com a venda de goma”. Esse produto é muito usado no preparo do tacacá, prato típico amazônico e paraense. 

Em Brasiléia, o dinheiro bem aplicado pela FBB fez a alegria de muita gente. No entanto, individualmente, os produtores ainda não sustentam o destocamento das áreas, que sai por R$ 90 a hora, pagos à prefeitura, junto com os 10 litros de óleo diesel usados pelo trator. Assim, cada um investe pelo menos R$ 1 mil para formar a lavoura. 

No Pólo Agroflorestal do Ramal da Borracha, em Xapuri, a Casa de Farinha com 29 associados vai processar a mandioca de 45 hectares, mas até 2010 terá à disposição 80 hectares. O prefeito Biracy Vasconcelos (PT) comemora os 30% de compras antecipadas pelo Programa de Aquisição de Alimentos do Governo Federal. Mais ainda: na região, um hectare rende cinco toneladas de farinha. “Deixaremos de comprar de Cruzeiro do Sul” (M.C.) 

Tecnologia social: Cruzeiro do Sul ensina Xapuri 

BRASILÉIA e XAPURI – A transferência de tecnologias sociais funciona. Um grupo de 14 agricultores de Xapuri foi a Cruzeiro do Sul e assimilou as técnicas de produção. Todos admitem que a farinha local não tinha qualidade, até que as comunidades se reuniram para ir aprender no extremo-oeste brasileiro, em Cruzeiro, a 600 quilômetros da capital, Rio Branco. 

A dedicação dos extensionistas nesse trabalho é admirável. Madalena Braga, integrante da equipe, passou uma semana trabalhando grande parte do dia e da noite para treinar um grupo de associados de Assis Brasil. 

A preocupação com a qualidade é fundamental. Conforme estimativa de Madalena, eles poderão trabalhar até oito horas por dia para obter um volume entre 10 e 12 toneladas de farinha com as variedades panati e araçá, recomendadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre. “Essas mandiocas rendem 40% do peso”, ela explicou. 

O pé-de-moleque de mandioca é um doce natural saboroso. Segundo Madalena, “porque a macaxeira é cozida e crua ao mesmo tempo, o que lhe rende menos acidez”. 

“Demos o primeiro passo para melhorar. Antes era no chão duro, no barro e no meio dos cachorros”, diz Sebastião Alexandrino Bento, proprietário de um sítio onde foi a antiga Colocação Três Irmãos (seringal) lidera um grupo de 16 produtores animados com as variedades paxiúba, Baiana e Três Meses, plantadas junto com a Xapuri. Eles pertencem à Associação Porto Carlos. 

Francisca Ciríaco de Freitas sente-se recompensada. “Olha, esse curso da Seaprof valeu para umas 150 famílias. A gente sabe produzir, a floresta está em pé e só precisamos mesmo de alternativas para viver”, comenta. O ramal (estrada) de quatro quilômetros de acesso entre a casa de farinha e a BR-317) facilitarão sobremaneira o escoamento da produção diária. (M.C.) 

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Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazõnia é parceira do Gentedeopinião e do Opinião TV.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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