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Montezuma Cruz

Um mergulho na história, com didática e humor


Um mergulho na história, com didática e humor - Gente de Opinião 

Anisinho relata para servidores administrativos do governo estadual capítulos importantes da formação rondoniense /Fotos ESIO MENDES

MONTEZUMA CRUZ

Uma fita verde-amarela no guidão da bicicleta, preferencialmente nova, credenciava o jovem a desfilar garbosamente no Dia da Pátria. Com menos de cem mil habitantes, a cidade reverenciava datas cívicas e permitia o banho de igarapé. Nos anos 1960, buscava-se esse status a todo custo.
 

Mascar chicletes, beber guaraná Marau, usar calça boca de sino, entre outros costumes do passado da centenária Capital rondoniense, são relatadas em palestras feitas pelo memorialista, economista e jornalista Anísio Gorayeb.
 

Didático e bem humorado, na semana passada ele apresentou para funcionários da Secretaria Estadual de Administração e Recursos Humanos aspectos da história antiga do ex-Território Federal do Guaporé, então pertencente a Mato Grosso e ao Amazonas.
 

Na plateia, a superintendente de Recursos Humanos, o diretor executivo Michael Saraiva Rodrigues e os demais  riram à vontade do jeito alegre de Anisinho relatar aquele período: “Meu filho, vai sair? Não se perca, viu?” – recomendava-lhe o pai. “Acidente de carro? Tinha que combinar”.
 

Perder-se? A rapaziada não tinha alternativa, a não ser pular diariamente a cerca do Aeroporto Caiari, para ver pousos e decolagens dos aviões da Vasp e da Varig e se banharem no Igarapé das Pedrinhas. “Quando algum avião estava perdido, convocavam donos de veículos, lambretas e motos para iluminarem a pista”, conta Anisinho.
 

Engarrafamento? Só de lambretas e bicicletas, em frente à chique Boate da Joá, que funcionava na garagem do vistoso sobrado branco da família da senhora Joanilce Canindé, na Rua José de Alencar. “Foi o maior sucesso quando ela inaugurou a eletrola que tocava discos sozinha. E sucesso grande também foi a Noite da Luz Negra, quando o colunista Roberto Vieira pediu para as pessoas vestirem roupas brancas.”
 

Sobram fotos, a maioria delas do americano Dana Merril, e elas empolgam o público. “No Hospital da Candelária não havia tempo para velório. Imaginem, com as dificuldades de comunicação, se a família de um trabalhador russo seria comunicada da perda de seu ente querido? Então, as mortes eram apenas dados estatísticos.”
 

Nome da primeira funerária? Raposo. Primeiro clube? Internacional, inaugurado em 1919, mais tarde Ferroviário.
 

Aos poucos, o palestrante põe o público a imaginá-la nos moldes do século passado, quando não havia base, sub-base e rolo compactador. “Vagões cobertos com palha também serviam de acampamento, e os pedidos de socorro para equipamentos e mantimentos eram feitos pelo rádio.” Cegonhas, cavalos e búfalos transportavam cargas. Pontes construídas por ingleses resistem até hoje ao tempo.
 

Cidade chique: o Bloco da Cobra e a primeira Escola de Samba, “Deixa falar”, liderada pelo notável carnavalesco “Bola Sete” animavam carnavais das marchinhas, blocos e cordões. O lançamento da pedra fundamental do Palácio Presidente Vargas reuniu representantes da nata da sociedade. A sede do governo territorial foi inaugurada em 29 de janeiro de 1954 pelo governador Ênio Pinheiro.
 

Chique e triste: os médicos sanitaristas Osvaldo Cruz e Belisário Pena desembarcaram em Porto Velho em 1910. Cruz já era famoso por organizar batalhões de "mata-mosquitos", encarregados de eliminar os focos dos insetos transmissores na cidade do Rio de Janeiro.

Foi ele quem convenceu o presidente Rodrigues Alves a decretar a vacinação obrigatória, enfrentando com isso a rebelião popular conhecida por “Revolta da vacina”. Durante dez dias ele tentou reduzir o número de óbitos na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
 

O cientista recomendou o uso de telas (de aço!), o recolhimento dos trabalhadores ao entardecer, e, doente ou não, a obrigação de ingerirem quinino. “Foi espantosa a rotatividade de baços e fígados perdidos. E os mais de 1.500 hospitalizados na Candelária morreram fora do hospital”, conta Anisinho.
 

“Cada dormente uma vida”. Um exagero, segundo o palestrante. “Assentaram 550 mil dormentes, e se morresse um por dormente, teríamos dizimação equivalente às populações de Mato Grosso e do Pará, à época”, ele constata.
 

Data errada
 

Muito além do Tratado de Petrópolis, assinado em 1903 e pelo qual o Brasil dava acesso ao escoamento dos produtos bolivianos, o palestrantetirou do baú fatos ainda não totalmente conhecidos ou assimilados pela população da “nova Rondônia”: os 90% de população masculina no início do século passado; a inversão na data de fundação do município no tipográfico The Porto Velho Times: em vez de 4 de julho de 1909, saiu 1609; a elegância de homens e mulheres no porto, em solenidades comemorativas; a foto do primeiro acampamento em 1907.
 

Na tela do audiovisual, aparece Oscar Malone, responsável pelo abastecimento e manutenção das três caixas-d’água pioneiras. Seu nome nem sequer foi lembrado para possível homenagem. Ele e tantos outros. O historiador Esron Penha Menezes aparece ao lado do médico e antropólogo Ari Tupinambá Pena Pinheiro, do arquiteto José Otino de Freitas e do médico Hamilton Raulino Gondim, este, duas vezes prefeito –em Porto Velho e Guajará-Mirim.
 

Trabalhadores estrangeiros chegam e engenheiros trabalham em casas de madeira ou em vagões, tendo ao lado indefectíveis mosquiteiros; “arigós” embrenham-se na floresta durante a 2ª Guerra Mundial, porém, amargam a derrocada do Ciclo da Borracha, quando sementes contrabandeadas da Amazônia Brasileira tornaram a Malásia o primeiro produtor mundial.
 

Mais de 12 mil trabalhadores espalhavam-se pelos canteiros e pelo leito ferroviário na divisa entre Mato Grosso e Amazonas. O refeitório de Porto Velho servia duas mil refeições por dia. Durante a construção da Madeira-Mamoré, Porto Velho foi a primeira Capital brasileira a ter energia elétrica, produzida num pequeno gerador instalado na Serraria Tiradentes. “O presidente Getulio Vargas veio inaugurá-lo, em 11 de outubro de 1940. Pousou com o avião Catalina no Rio Madeira, veio para ficar apenas três horas e permaneceu três dias na cidade”, relata Anisinho.
 

Para ele, existem três ciclos na vida porto-velhense: dos arigós (soldados da borracha, caloteados pelo governo federal), da Caravana Ford (28 dias entre São Paulo e Porto Velho, na BR-29), da cassiterita (minério de estanho daqui extraído para mover siderúrgicas no sudeste brasileiro) e das usinas hidrelétricas do Rio Madeira.
 

“O primeiro conjunto habitacional do País mais tarde deu origem ao Bairro Caiari. Também tivemos a Vila Erse, onde hoje situa-se a Casa de Cultura Ivan Marrocos”, conta.
 

Concluída em abril de 1912, a Ferrovia do Diabo só foi inaugurada em 1º de agosto daquele ano, no governo do presidente Hermes da Fonseca. E o grande financiador, Percival Farqhuar, nunca pôs os pés em Porto Velho. Perdeu a oportunidade de conhecer e se banhar numa das 20 cachoeiras.
 

Reconhecido por americanos e ingleses e prestigiado pelo governo brasileiro, o primeiro diretor e também governador do extinto Território Federal do Guaporé, capitão de Exército, depois coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, assumiu as rédeas do empreendimento, a partir de 1931.
 

O Exército se instalara com 33 homens arregimentados no primeiro pelotão no pátio da estrada de ferro. “Aluízio saneou dívidas e construiu as primeiras obras na cidade. Tudo era demorado. O prefeito Ruy Cantanhede só entregou depois de 33 anos o mercado municipal, iniciado em 1917 na administração Joaquim Augusto Tanajura. Esse mesmo, hoje transformado em espaço cultural.
 

O embate cutubas X pele curtas faz parte da palestra, com alegres provocações de Anisinho: “A única derrota dos cutubas foi para Joaquim Vicente Rondon, em 1956. Cutubas bebiam uísque escocês, pele curtas, cachaça Cocal”. Ele mencionou a caçambada sobre eleitores de Medeiros e apontou, na sua opinião a “independência política de Porto Velho”: o ato em 29 de janeiro de 1944, em frente ao Colégio Barão do Solimões, quando parte do município deixou de pertencer ao Amazonas.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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