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Montezuma Cruz

Um paraíso escapa da motosserra no Acre


 
Um paraíso escapa da motosserra no Acre - Gente de Opinião

Semi-cobertos pelas águas de março, exemplares do majestoso apuí são vistos ao longo do percurso entre os rios Espalha e Riozinho do Rôla /FOTOS MONTEZUMA CRUZ



 

MONTEZUMA CRUZ
Amazônias (*)

RIOZINHO DO RÔLA E RIO ESPALHA, Acre – Os 210 mil hectares de floresta no entorno da Bacia Hidrográfica do Riozinho do Rôla não foram atingidos pela sanha impiedosa da motosserra que devastou seringais nos anos 1970 do século passado. Atualmente seus ocupantes torcem para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assine, ainda este ano, o decreto que criará uma reserva extrativista na região. Ela atenderá ao sentimento de seringueiros, ex-seringueiros, castanheiros e pequenos agricultores já ouvidos em seis audiências pelo Ministério Público Estadual no Acre. 

Limítrofe à Resex Chico Mendes, em Xapuri, a futura Resex do Riozinho do Rôla situa-se no município de Rio Branco e garante a perenidade do maior afluente do Rio Acre. Também evitará que a região “vire pasto para bois”, conforme adverte o superintendente estadual do Ibama, Anselmo Forneck. 

O boi ainda é um contraditório na conservação de um território 100% verde, já que a legislação atual permite apenas 30 cabeças por criador. Assim funciona nas Resex Cazumbá-Iracema e no Alto Rio Juruá. Alguns assentados possuem mais que isso, no entanto, estão longe de serem considerados expoentes da pecuária extensiva que há mais de 30 anos avança em Mato Grosso e no Pará.

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No alto de sua casa de paxiúba, Pedro Gomes de Araújo, patriarca de oito famílias na Comunidade Babilônia, mudou-se de Sena Madureira, no Purus, há quase três décadas


Os estudos para a criação da nova Resex datam de 2003, quando essa gente confrontou-se com a polícia durante o cumprimento de um mandado de reintegração de posse.

— Dois fazendeiros de Rio Branco dominam uma larga extensão de terras, mas eles podem fazer um acordo com o governo e deixar a área nas mãos daqueles que mais têm condições de preservá-la — sugere o presidente do Sindicato dos Extrativistas e Trabalhadores Assemelhados de Rio Branco (Sinpasa), Raimundo Souza da Silva, 49, o Raimundinho.  Ele comanda 7,1 mil filiados.

O Acre consegue valorizar populações tradicionais. Se unir o atendimento de saúde à melhoria do transporte e ao crédito, aumentará a chance de progredir mais. No Rio Vai se ver, a 20 quilômetros da rodovia Transacreana, 75 famílias ligadas à Associação “A Vitória vem de Deus” aceitam a nova Resex, desde que 
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Entristecido, Dioclécio não pôde mais extrair dentes
possam escoar suas colheitas de milho, feijão, arroz, castanha, encauchados, cupuaçu, farinha de mandioca açaí, suínos, caprinos, galinhas e de bois.

 
Limpeza de rios e lagos

Só no Barro Alto existem três associações, com 140 famílias de piscicultores e produtores de farinha. Esta riqueza deles é, ao mesmo tempo, motivo de angústia por conta de ramais (vicinais) intrafegáveis e de rios cheios de arbustos, galhos e troncos de árvore. 

— Esses rios nunca foram limpos — constatou o deputado Fernando Melo (PT-AC), membro da Comissão de Amazônia da Câmara e autor de emenda no valor de R$ 1,9 milhão que será empregada na desobstrução de lagos e rios que compõem a bacia. São eles: Bom Futuro, Caipira, Espalha, Jiqui, Nimita, Novo, São Raimundo e Vai se ver. Todos transbordaram este ano, isolando as comunidades Amélia, Babilônia, Bom Jardim, São José e Macaúba.

 Na avaliação do Ibama, são 15 os proprietários de antigas posses e todos têm direito à indenização. No mapa da devastação amazônica ocidental, Rio Branco, capital do Acre, viu surgir muitas pastagens entre 1970 e 1980. Por sorte e garra de seus seringueiros, mais de 80% da floresta estão conservados nos 8,8 mil km2 do município.

A Resex abrirá espaço para financiamentos da Fundação Banco do Brasil (FBB), raciocina o sindicalista Raimundinho, que descreve um pouco do potencial da área do Centrinho I (Centro de Florestania), no Seringal São Bernardo:

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Raimundinho, do Sinpasa, e o extrativista Antonio do Bil, nas águas do Rio Espalha
Seu Edimar Vasques Cavalcanti teve a farinheira totalmente inundada em março. Só que ele, a mulher, dona Ana Maria, e a filha Marina não arredaram pé na produção artesanal de meia tonelada de farinha por semana, o que resulta em duas toneladas por mês.

Antonio Evangelista da Silva, Antonio do Bil, 47 anos, três filhos, quer a reserva logo. Quer ficar em paz com a família para obter seus R$ 12 mil brutos mensais com a farinha tostada de boa qualidade. Cria 46 cabeças de gado tucura misturado com nelore e também espera uma definição sobre a diferenciação exata entre um plantel de subsistência e a criação extensiva. A lei das Resex o desagrada.

Os farinheiros poderão progredir, se o governo adquirir o produto dentro do Programa Mais Alimentos. O dinheiro da FBB atenderia à construção de casas de farinha com o aproveitamento múltiplo da mandioca, principalmente da manipueira (líquido leitoso) atualmente derramado em rios e igarapés. 

                                           (*) Originalmente escrita para a edição de abril da revista Sina.
 
 



Rica floresta protegida por ribeirinhos

SERINGAL NOVO HORIZONTE, Acre – O ronco do motor da lancha-voadeira nas curvas intermináveis dos “furos” e dos rios ecoa longe. Lépidos, micos pretos, macacos de cheiro, prego e capelão saltam na copa das árvores, fazem rasantes sobre o rio e parecem saudar os visitantes.

A revoada de papagaios completa o espetáculo na boca do Rio Espalha. Um pouco adiante, duas araras azuis cruzam o céu, acima das castanheiras, dos mulateiros e das samaúmas. Aparecem também os tucanos.

No verão, o carro só chega até o Seringal Novo Horizonte. Por terra e água, o isolamento dura no mínimo quatro meses, em conseqüência das más condições de tráfego nos ramais e pela navegabilidade prejudicada por excesso de vegetação.
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Cabritos, galos e galinhas do Seringal Novo Horizonte são criados em pastos naturais

A lancha entra no tabocal, o facão abre caminho e caem sobre a lancha algumas aranhas marrons e formigas taxis. Num dos trechos, antes da chegada do repórter à primeira comunidade, o piloto Manoel Vidal Oliveira, o Batata, avisa que ali proliferam ninhos de caba (espécie de marimbondo). Desalojadas do seu hábitat, algumas se enrolam em nossos cabelos e aplicam violentas ferroadas nas orelhas e na nuca. Nada há como reagir.

— Olhe ali o anu-coró, olhe ali o aracoã! — ele aponta as espécies mais nobres. Os bichos prosseguem a algazarra.

Há outras árvores, mas essas se destacam. A paisagem descortinada à minha frente apresenta verdadeiros reinados de mulateiro, copaíba, cumaru-ferro, andiroba e apuí. Só o mogno não é mais aquela fartura de antigamente. 

Raimundinho arrisca um palpite otimista:

— Se for feita uma extração controlada, essa reserva nunca vai acabar.

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Pequeno barco transporta a safra para Rio Branco em viagens dificultadas pelo excesso de vegetação sobre o leito dos afluentes do Riozinho do Rôla, o maior afluente do Rio Acre


No entanto, os percalços nessa corrida rumo à conservação prosseguem, sem alterações. Há derrubadas clandestinas na região. Numa delas, na Colocação Rangel, o Ibama apreendeu cerca de 400 metros cúbicos de madeira.

Bombeiros e integrantes do Programa Adjunto de Solidariedade já estiveram ali. Tudo estava abandonado, até que a equipe do Sinpasa apareceu e pôs o governo acreano em sintonia com as reivindicações dessas comunidades. 

A saúde é ainda precária. Gelildo Santos Dioclécio, 30, lembra que se dedicou à prática de emergências odontológicas. Treinado nos fins de semana pelo Grupo de Trabalho Amazônico, ele se habilitou a fazer extrações dentárias, todavia, não pôde prosseguir na ilegalidade profissional. Mesmo vendo diariamente a dor estampada no rosto das pessoas.

— Visitei até os varadouros de Xapuri e atendi muita gente em casa, mas tive que parar — conta, fitando entristecido o repórter. Rio Branco, o maior centro populacional, comercial, cultural e industrial do estado, estende seus limites a Xapuri, a conhecida “terra de Chico Mendes”.

No momento, a angústia de Dioclécio é com o vazio na educação de crianças da 5ª a 8ª séries. (M.C.)

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Duplo verde: em primeiro plano, cebolinha; ao fundo, a floresta às margens do Rio Vai se ver


Só saem da Babilônia duas vezes por ano

COMUNIDADE BABILÔNIA, Acre – Magro, alto, 72 anos, oito filhos, 30 netos e um número de bisnetos que ainda não contou direito, seu Pedro Gomes de Araújo é o principal patriarca de oito famílias na Comunidade Babilônia. Na frente de sua casa feita com paxiúba, ele serve café aos visitantes, engatando uma boa conversa. 

Há 23 anos ele se casou com dona Maria Alzeni Feitoza, 64, saiu de Sena Madureira e assentou-se num morro do antigo seringal. Diz que não se espanta mais com a cheia: 

— Todo ano é a mesma coisa. Precisamos é de umas bicicletas pra esses meninos irem pra escola — ri, ironizando a sorte da criançada. Gosta do lugar, comenta as agruras vividas pela família e não esmorece: 

— Se fosse preciso, eu faria tudo de novo. Mudava para cá de olho fechado. 
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Netos de Pedro Araújo aguardam escola, atendimento de saúde e energia elétrica prometidos pelo governo



Canoas ancoradas na margem do rio funcionam a gás de cozinha. O botijão custa R$ 40. A escola fica a duas horas dali, por isso, a freqüência regular se transforma numa epopéia. Lá funciona um telecurso do EJA (Educação de Jovens e Adultos). 

Perto dali, no Lago Cucuí, se produz borracha defumada. Outros redutos de antigos seringais ainda conservam essa prática. As famílias de Babilônia cultivam um pouco de arroz, feijão, milho, bananeira, tabaco e variedades de mandioca mansa, entre as quais, entala-gato, pãozinho, paxiubão e sutinga. 

Ninguém tem pressa. Para quê? As águas sobem, depois vem a vazante. Os ribeirinhos só vão à cidade de seis em seis meses. Compram açúcar, sal, roupas e utensílios. Nada mais precisam, pois até a banha de porco substitui o óleo de cozinha. 

Na Colocação Macaúba, do Seringal Belo Horizonte, funciona uma escola com duas salas de aula no Centro de Florestania, um casarão de madeira que também serve de hospedaria para ribeirinhos e visitantes. A cozinha está sem merendeira. Já no terceiro mês do ano, não há professores indicados. As aulas só devem ser retomadas em maio próximo para cerca de 80 crianças. 

O Programa Luz Para Todos ainda não chegou. Um motorzinho a óleo diesel fornece energia para garantir a TV e o rádio ligados a partir das 7h até as 22h, na casa do agricultor José Augusto da Cunha Pereira, 49. A placa de energia solar ao lado da escola aciona baterias, mas está sem manutenção desde 2008. 

Dezoito tambores de cheios de feijão carioquinha com 180 quilos cada um estão guardados desde 2009 na Comunidade São José. Fazem parte da safra de 2,5 toneladas colhidas em quatro tarefas (um hectare) na Colocação Macaúba. (M.C.)


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