Na fronteira com o Brasil, pequena cidade boliviana também vive do comércio de compras. Suas casas são cobertas com fibrocimento e a população não tem esgoto.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
VILA EVO, Pando, Bolívia – Uma quinquilharia doméstica, eletroeletrônica e de informática mistura-se ao mundaréu de plásticos espalhados por todas as prateleiras das lojas de madeira. Entre uma e outra, todas expõem a mesma água parada e os insetos que caracterizam a falta de saneamento básico neste rincão fronteiriço à Amazônia Ocidental Brasileira. Vila Evo, no Departamento de Pando (Bolívia), banhada pelo rio Abunã, fica a cerca de cem quilômetros de Rio Branco, capital do Acre.
Esta localidade na selva boliviana vizinha à cidade de Plácido de Castro de Castro não se diferencia de tantas outras na Amazônia – calorentas, sem esgoto e sem água potável. Dali saem, contrabandeados em caminhões toreiros, mogno, cedro e cerejeiras que vão abastecer serrarias brasileiras. A presença de brasileiros nesta parte da fronteira está na mira das autoridades de La Paz, a exemplo dos pequenos e médios proprietários rurais, seringueiros e castanheiros de Cobija e adjacências, ameaçados de expulsão.
Lugar novo
|
Vila Evo nasceu no meio da floresta boliviana, logo depois do incêndio que destruiu a vizinha Montevideo /M.CRUZ
|
Vila Evo completou dois anos em maio deste ano. Surgiu ao lado de um pelotão fronteiriço do Exército Boliviano para abrigar cerca de mil pessoas vítimas de um incêndio que destruiu Montevidéo, um amontoado de palafitas do comércio boliviano, na margem direita do Rio Abunã.
O desespero dos moradores ocorreu num domingo daquele mês, em 2007. Nada restou dos cerca de 30 estabelecimentos, constatou no dia 1º de maio de 2007 a Defesa Civil do Estado do Acre, que visitou o local do incêndio e apurou os prejuízos avaliados em US$ 2 milhões. Numa área de 6 mil m2, 130 pessoas foram diretamente afetadas, recebendo a solidariedade de autoridades, médicos e soldados bombeiros acreanos.
O faturamento só agora dá sinais de recuperação, atesta Guilhermo Ortiz, 39 anos. Mesmo assim, queixando-se de que o período de cheia no rio afugentou os compristas, em sua maioria, acreanos. Os ex-habitantes de Montevidéo ocuparam uma área cedida pelo governo boliviano e vêm se organizando desde 2008. Já contam com uma pequena escola e, para espantar fantasmas, conseguiram também um pelotão de combate a incêndios. "Tivemos que reconstruir nossas lojas, sem apoio algum dos governos", desabafa Agostín Marcial, 47, ansioso por saber se em Rio Branco há "recuperador de máquinas fotográficas".
Outro "shopping de madeira" ocupa uma rua inteira
|
Roupas e eletroeletrônicos são expostos no corredor de madeira que liga as pequenas lojas /M.CRUZ
|
VILA EVO – Os barqueiros que abandonaram a profissão após a tragédia também voltaram ao rio Abunã. Por suas catraias chegam a Vila Evo carne, medicamentos e hortifrútis. O passageiro paga R$ 2 para a viagem de 15 minutos entre o município acreano de Plácido de Castro e a barranca do rio, em Vila Evo. Pequenas embarcações que transportaram as mudanças das vítimas do incêndio hoje estão abarrotadas de castanha, uma das riquezas do lugar.
Não há posto alfandegado. As lojas, a maioria de madeira, vendem um jogo de 60 CDs por apenas R$ 20; toalhas de banho, toalhas de mesa, camisas coreanas e calças de brim por R$ 15 a R$ 20. Com R$ 300 é possível adquirir uma série de utensílios domésticos - talheres, canecas, copos, pratos e xícaras, porcelana chinesa, canetas gigantes, estojos escolares e de maquiagem, escovas de dente; cintos, cachimbos, perfumes, bebidas, computadores, impressoras, ventiladores, rádios, CDs virgens, walkmens, gravadores e bicicletas.
Os artigos de plásticos superam os de alumínio. Em armários, existe prata, ouro e bijuterias a preços variados - o bastante para uma boa revenda em território brasileiro, nos tradicionais camelódromos ou bazares sempre sujeitos à inesperada visita do fisco.
"Funciona de um jeito semelhante aos seringais antigos, onde chegavam produtos supérfluos que os asiáticos e europeus enviavam para Amazônia, mesmo sem ter recebido qualquer pedido das casas aviadoras (atacadistas que abasteciam os seringais, pelos rios) de Manaus e Belém", recorda o jornalista Elson Martins. Ele testemunhou essa situação quando menino, no Vale do Juruá. "No meio de dez pedidos apareciam outros dez produtos não solicitados e que eram empurrados aos seringueiros, sempre endividados", acrescenta. (M.C.)
Genaro quer vender os pneus "encalhados"
|
Genaro deixou La Paz em busca do futuro na fronteira. Agora vende pneus e cuida do bebê na loja calorenta /M.CRUZ
|
VILA EVO – O bebê do comerciante Genaro Colque, 30, chora sem parar, num carrinho entre a porta da loja e a casa. A família mora ali mesmo, ao lado do negócio. Passa de 11h e o abafamento aumenta cada vez mais por conta da enorme telha de amianto, cancerígena, mas presente em 99% dos lares da vila. O mosquiteiro azul evita o ataque de pernilongos à noite. Uma precária sobrevivência.
Ex-fotógrafo na Argentina, onde passou um ano, Colque viveu também no Chile, onde fez bicos no comércio. "Nasci e me criei em La Paz e decidi vir para cá no ano passado, porque senti que poderia melhorar minha vida", resume com simplicidade. Ouve rádio, diz gostar do compromisso nacionalista do presidente Evo Morales: "Confiamos nele para fazer prosperar nossa fronteira".
No dia em que a
Agência Amazônia visitou-o, seu tormento era desovar um estoque de uns trezentos pneus Pirelli, que ele vende por R$ 250 e R$ 300 a unidade, conforme o modelo. Atrás de um grande balcão, ele mostra as latas de sardinha peruana e a conhecida cerveja Paceña, genuinamente boliviana: "Isto aqui vende bem".
Margarida Flores, 26, olha para o esgoto a céu aberto na principal rua, sem nome. Demonstrando conformismo, ri do repórter "sacando foto de la basura". Explico-lhe que pretendia retratar o lugar, à exceção do pequeno posto militar, onde o capitão, armado com uma pistola automática, postado na frente do prédio de alvenaria, nem sequer exigiu credencial ou a cédula de identidade do repórter. Cuidou de desviá-lo rumo ao comércio. O rio, a canoa, a vila e a floresta podem ser fotografados à vontade. (M.C.)
Castanha: 1 milhão de latas, a R$ 11 cada uma
RIO BRANCO, AC – Em relação à safra de 2008, que rendeu cerca de 1 milhão 800 mil latas, a safra de castanha deste ano será menor, com uma média de 1,5 milhão. O Acre domina 20% do mercado nacional da castanha. O peso de cada lata – medida usada para negociar a castanha entre compradores e extrativistas – varia. Em geral, pesa em média 10 quilos quando a amêndoa está enxuta.
A Cooperativa Central de Comercialização do Acre (Cooperacre) pagou este ano aos associados uma média de R$ 11 por lata de castanha. Fora das cooperativas, o valor é mais baixo - entre R$ 7 e R$ 8 cada lata. No ano passado a lata chegou a R$ 18. Este ano, nas previsões otimistas, deve chegar a R$ 15 por volta de junho ou julho, quando deve aparecer capital de giro no mercado.
Mas o preço da castanha, segundo explica o gestor responsável pelo produto na Secretaria de Extensão Agroflorestal e Familiar, Edvaldo Pinheiro, está mais relacionado à gestão de Evo Morales à frente do governo boliviano do que à crise financeira que abala a economia dos mercados de todo o mundo.
"Este ano foi atípico porque ele não financiou as empresas binacionais, ou seja, grande parte de empresas com capital estrangeiro na Bolívia não teve capital boliviano para investimento. Também ocorreram restrições para exportações bolivianas e o mercado europeu não está comprando da Bolívia", explica Pinheiro.
Os europeus, grandes consumidores da amêndoa, também não compraram a produção do Pará por causa da aflatoxina e do episódio da devolução de contêineres em 2007. "Até então a castanha paraense não era vendida no Brasil. Isso fez com a que aumentassem a oferta de castanha no mercado interno e a concorrência por compradores no mercado brasileiro". (M.C. com Agência Acre).
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião