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Gente de Opinião

Samuel Castiel Jr

AVENTURA NA CAVERNA


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AVENTURA NA CAVERNA
Samuel Castiel Jr.
 
Na terna e doce adolescência, além de correr de camisa aberta e com o  peito nu, as asas da imaginação me transportavam para bem longe. Além  de correr atrás de “papagaio”, jogar peteca e pião, já havia em mim a curiosidade pelo imponderável, pela aventura, pelas descobertas. O espírito de liderança aflorava e me fazia estar sempre cercado de colegas e amigos do mesmo bairro, vizinhos ou não. Foi assim que chegou aos meus ouvidos a notícia que aguçou minha imaginação: havia uma caverna em pleno centro da cidade de Porto Velho que se estendia desde a  Av. Norte-Sul (hoje Rogério Weber) passava por baixo da antiga residência oficial do governador e até onde se sabia chegava até a Av.Presidente Dutra. Uma extensão de mais de 400 metros, ou seja, quase meio quilômetro,isso pelo que se sabia. Havia rumores que as pessoas que teriam se aventurado a explorar essa caverna teriam penetrado em grandes salões e ouviam o barulho de carros distantes, na outra extremidade,  que trafegavam na Av, Presidente Dutra. Quando  teria sido construída essa caverna? Quem a teria construído? Com que objetivo? Seria um esconderijo? Um abrigo? Uma rota de fuga?  Depois de várias noites de insônia, pensando no assunto, resolvi que poderia ser fantástico explorar essa caverna, desvendar seus segredos. Não foi difícil passar essa ideia aos amigos e colegas que sempre estavam comigo e geralmente comungavam dos meus pensamentos. Consegui rapidamente juntar um grupo de mais ou menos uns seis aventureiros. Adquirimos lanternas, compramos pilhas e cordas. Marcamos o dia e a hora. TÍnhamos que começar bem cedo, pois não sabíamos quanto tempo a exploração poderia demorar. Combinamos que seria melhor nos amarrarmos pelas cinturas uns aos outros. Eu iria na frente, seguido pelos outros aventureiros. Qualquer dificuldade encontrada seria comunicada aos demais com puxões na corda e assim todos estariam sempre sabendo com que eu estaria me deparando lá na frente. Combinamos também que conforme o nível de perigo ou dificuldade que eu encontrasse, eu puxaria uma, duas, três ou mais vezes a corda. Tudo certo, tudo combinado, partimos para o interior da caverna. A escuridão era total. A altura era muito baixa, de tal forma que só podiamos adentrar de bruço, arrastando o peito no chão. Liguei minha lanterna e comecei a me arrastar pelo chão úmido, amarrado pela cintura e seguido pelos outros amigos aventureiros. O silêncio era total, mas ao ligarmos as lanternas e começarmos a nos arrastar pelo chão, esse silêncio foi quebrado por  um barulho ensurdecedor. Eram milhares de morcegos que, saindo da caverna, passavam sobre nossas cabeças. O odor ficou insuportável, misturado ao grunido e os voos rasantes dos morcegos.

Quando aquela nuvem negra acabou de passar sobre nós, comecei novamente a me arrastar pelo chão, penetrando cada vez mais naquele interior escuro. Senti que o ar começou a ficar rarefeito. Foquei a lanterna e, bem a minha frente, uma enorme pedra obstruía nosso caminho. Arrastei-me até ela e senti que o ar passava apenas por uma fresta entre a pedra e a parede da caverna. Usando toda a minha força, consegui empurrar a pedra cerca de meio metro, o suficiente para que eu pudesse passar esgueirando-me  pela fresta.. Uma grande sala então abriu-se a minha frente. Era um salão amplo mas que logo se afunilava novamente .Foquei as paredes do salão com minha lanterna e o que vi foram ainda alguns morcegos dependurados em um lodo esverdeado, que pareceu-me musgo. Rente as paredes havia praticamente uma outra parede formada pelas fezes dos morcegos.O odor continuava insuportável,  mas não me intimidei. Continuei penetrando na escuridão.  Parei e comecei a ouvir o longe o ruído de carros que certamente estariam trafegando na Avenida Presidente Dutra, já próximo Palácio do Governo. Foi então que o odor de repente ficou insustentável. Pensei então, pela primeira vez,  em puxar a corda amarrada na minha cintura e tentar sair daquele buraco. Foi aí que senti a primeira ferroada na minha barriga. A seguir outras e outras ferroadas na barriga, no peito e nos braços foram  me colocando em pavorosa. Mas procurei não perder a calma. Foquei minha lanterna para a frente e fiz uma varredura no local. O que vi, deixou-me ainda mais nauseado. Um bicho que me pareceu um roedor, tipo mucura estava em avançado estado de putrefação, devorado por centenas de vorazes formigões. Foi então que não mais resisti e puxei três vezes a corda amarrada na minha cintura. Sabia que aquilo desencadearia um efeito em cascada junto aos amigos aventureiros. Começaram então a me puxar, mas precisei algum tempo para deslizar de volta para a porta da caverna. Confesso que me pareceu uma eternidade me arrastar de volta, tentando manter-me o mais calmo possível. Sabia que só assim poderia sobreviver aquela situação desesperadora e de pânico. Para piorar minha situação, minha lanterna começou a ficar fraca e se apagou. As pilhas chegavam ao fim. Ouvia vozes bem longe pedindo calma que já estavam próximo a porta de saída. As ferroadas me queimavam e coçavam desesperadamente. Respirei fundo quando vi a luz no fim do túnel, mas ainda distante. Arrastei-me de costa até chegar ao salão, onde pude me virar e seguir de frente. Lá fora o sol deve estar brilhando e o ar rico em oxigênio sem esse odor fétido – pensei. Quando cheguei a saída, todos estavam desesperados e de olhos arregalados, querendo saber o que tinha me apavorado tanto a ponto de pedir para voltar. Saí quase puxado pelos meus amigos, sem forças para caminhar, com câimbra nas pernas  e com feridas sangrando em todo o corpo. Quando me vi fora da caverna, e todos começaram a me perguntar o que eu tinha visto lá dentro do buraco, disse-lhes que era um monstro marsupial morto e em decomposição, que estava sendo devorado por formigas carnívoras!...Desde então minhas aventuras se limitaram a ser na superfície da terra,  longe das cavernas. O mistérios e enigmas daquele buraco até hoje continuam  povoando meus piores pesadelos.

Fonte: Blog do Samuel Castiel

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