O BARBA
Samuel Castiel Jr.
Sempre detestou usar barba. Quando suava, coçava e dava alergia. Tinha que mantê-la sempre aparada. Dava trabalho. Preferia o martírio de um barbeador todas as manhãs. Além do mais, sua esposa sempre lhe dizia preferir homem de barba feita. Sentia coceira durante os carinhos no conchego da cama. Foi quando o Banco em que trabalhava anunciou que iria fazer demissões em massa com o objetivo de contenção de despesas, pois a crise estava se aprofundando. Entrou em pânico. E se ele fosse demitido? O que iria fazer? Só tinha o curso médio.
O que sabia mesmo fazer era a rotina daquele Banco. Pensou, pensou. Conversou com a Carmita, sua esposa, passou algumas noites sem dormir e, finalmente, ela decidiu que iria fazer uma promessa. Caso ele não fosse demitido, deixaria sua barba crescer durante os próximos cinco anos. Ele ainda argumentou, porque a barba?
__ Alfredinho, a promessa pra ser atendida tem que ser pra valer, ou seja, tem que ser exatamente com aquilo que priva você, que representa pra você um sacrifício! Entende?
__ Mas porque tanto tempo? Cinco anos!...
__ Pelo mesmo motivo, Alfredinho. Tem que ser pra valer!...
Apesar de relutar, acabou concordando. Fez e sacramentou a promessa: caso não fosse demitido do Banco, deixaria sua barba crescer durante cinco anos, apenas mantendo sua higiene e aparando-a periodicamente.
Para sua alegria, a relação dos demitidos saiu e seu nome não estava lá. A Carmita tinha razão, promessa tinha que ser pra valer!...
Olhava-se todos os dias no espelho e via sua barba crescendo. Já não estava tão negra, pois alguns fios brancos começavam a surgir. Aos poucos foi mudando seu visual. No início achava-se esquisito. Parecia ser uma outra pessoa. Mas aos poucos foi se acostumando ao ponto de achar que sempre convivera com aquela barba. Por sua vez, Carmita já não o tratava como antes no aconchego da cama. Parecia um tanto fria, desinteressada no sexo. Mas, aquilo era perfeitamente compreensível. Agora ele era um homem barbado e ela sempre lhe dizia de sua preferência por homem bem escanhoado.
O tempo foi passando, até que completou o período prometido. Mas nem ele nem a sua esposa Carmita deram conta. Quando revirando sua gaveta no Banco, deparou-se com um rascunho que marcava a data da promessa. Exatamente cinco anos se passaram. Nada melhor então do que fazer uma surpresa para a Carmita. Preparou-se para ir a barbearia e tirar aquela promessa, ou melhor, aquela barba. Chegaria em casa de surpresa, sem aqueles pelos incômodos no rosto. Quando estava saindo do Banco, seu gerente o chamou e disse-lhe:
--- Alfredinho, vou precisar dos seus serviços hoje a noite. Vamos ter que fazer um serão, pois o pagamento do Governo chegou agora, e precisamos fazer esses lançamentos ainda hoje, pois amanhã teremos que lançar esses créditos.
__ Mas...
__ Não tem mas nem menos. Sei que você gosta e precisa de umas horas extras, não é?
__ Ok. Vou só almoçar e vou também a barbearia tirar essa barba. Depois volto direto pro Banco.
Pegou seu celular e ligou para Carmita, avisando o imprevisto e que teria que fazer aquele serão, pois foi um pedido direto do seu chefe.
O serão acabou realmente tarde, quase meia noite, quando Alfredinho voltou para sua casa.
A casa estava em absoluto silêncio. Estacionou seu carro na garagem e entrou. Carmita estava dormindo profundamente, pois roncava que ele podia ouvir antes de entrar. Não quis acordá-la. Foi direto para o banheiro. Tomou uma ducha fria e, cuidadosamente, no escuro, acomodou-se na cama, ao lado da esposa. Quando já estava quase a pegar no sono, Carmita acordou-se com o próprio ronco e aconchegou-se ao corpo do marido. Quando acariciou seu rosto, de sobressalto sentou-se e disse quase gritando:
__ Zezão, o que você ainda faz aqui home!!! Vaza, vaza, vaza que o barbudinho tá pra chegar!...
--- Heim?...
Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)