SAMUEL CASTIEL
A lua sempre despertou no ser humano sentimentos de mistério e encantamento. A lenda do lobisomem que nas noites de lua cheia sai para espreitar suas vítimas, o canto da sereia a luz do luar levando o navegante para o mar aberto, e também o bôto que nas noites enluaradas vem conquistar e engravidar as mocinhas do vilarejo. Mas, dentre tantos encantamentos despertados pela lua, a seresta e os seresteiros são os mais românticos desse mistério e encantamento que a lua induz aos homens. Desde tempos imemoriais o homem olhava para o céu e ficava com uma sensação de beleza e encantamento. O poeta sempre cantou a beleza das noites de lua. Mas o som de um plangente violão e a voz de um seresteiro, parecem que formam a perfeita harmonia nas noites de lua.
Levado pelo encantamento da lua, Euclides estava ansioso naquela noite. Queria fazer uma seresta inesquecível para sua musa e namorada. Convidou os amigos seresteiros: Marquinho no violão de sete cordas, Paulinho da Flauta, Magna com o repique, Fernandinho do Cavaco e o “Cabeça”, como croner. A proposta era fazer uma seresta memorável, que ficasse na estória. Como todos já estavam acostumados a tocar e cantar juntos, bastaria um pequeno ensaio de última hora pra “passar”as músicas. Foi combinado que se encontrariam as 21:00h na praça Aluizio Ferreira, já que a sua namorada morava no bairro Caiari, um dos bairros nobres de Porto Velho. Tudo certo, tudo acertado. A grande lua iluminava o céu e clareava a noite. A praça estava lindíssima, solitária e perfumada com o aroma das rosas e begônias plantadas em seus magníficos canteiros. Tudo conspirava para uma inigualável seresta!...As 21:00h Euclides ansioso já esperava por todos sentado num dos bancos da praça. Cabelo brilhando penteado e esticado pra trás as custas de um gel fixador discretamente perfumado. Tinha escolhido minunciosmente um repertório eclético que incluía sambas, boleros e guarânias, algumas em castelhano, sucessos na América Latina. Selecionara também meticulosamente samba-canções que fizeram sucesso nas vozes de Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Lupicínio Rodrigues, Vinicius de Morais, etc. Os amigos de Euclides foram chegando e a proposta era ficar “passando”as músicas ali na praça até que as luzes da cidade se apagassem pois por questões de economia a energia da cidade era cortada as 23:00h e só retornava as 5:00 h, quando a cidade começava se acordar.
Uma garrafa de pinga servia para dar inspiração e afinar as cordas vocais dos seresteiros. Depois de algum tempo, finalmente aconteceu o que todos esperavam: a luzes se apagaram!...Foi aí então que todos puderam ver a punjância daquele luar. --Parece um Dia!-- exclamou o “Cabeça”.--vai ser A SERESTA!
Euclides avaliava tudo e saboreava antecipadamente o sucesso que seria aquela serenata!
Chegou finalmente o momento final. O relógio de Euclides marcava meia noite. Todos então começaram a se dirigir rumo a casa da Aninha, a namorada e musa do Euclides.
Soaram mágicos os primeiros acordes do plangente violão do Marquinho, solando a introdução do “Meu Violão Meu Amigo” para a seguir entrar a voz do “Cabeça” cantando essa belíssima canção. E a seresta continuou, impecável fazendo uma harmonia com aquela noite enluarada. Tudo conspirava para o romântico apogeu.
O Elclides estava em transe, só esperava a sua amada abrir a janela para recepcionar os seresteiros e agradecer tão harmoniosa demonstração de amor!...Trazia uma rosa vermelha no bolso de sua camisa para ofertar e atirar para sua amada no momento que ela abrisse e aparecesse naquela janela.
Como ainda não havia asfalto na cidade, os carros ao se deslocarem levantavam muita poeira, deixando como rastro uma nuvem de pó avermelhado.
O "Cabeça" cantava uma canção de Lupicínio quando um carro dobrou na esquina da casa da Aninha e freou bruscamente, com faróis altos em cima dos seresteiros que ficaram todos envoltos pela nuvem de poeira avermelhada. Na sequência saiu do carro um homem alto e magro, gesticulando e vociferando impropérios. Tudo parou! Acabou o encantamento e desapareceu a harmonia do luar. Reinou o silêncio e a perplexidade.
--É o pai da Aninha! --disse o Euclides quase gritando.
Foi tudo muito rápido. O homem sacou de uma pistola e começou a atirar na direção dos seresteiros. Em desabalada todos fugiram como puderam e em rumos diferentes.
Momentos depois, com o violão nas costas, língua pra fora e ofegante, o Marquinho se encontrou no Mercado Central com o Euclides que também ainda estava assustado e ofegante. Perguntou-lhe então:
--Não entendi nada, Euclides! O que aconteceu?
--Acho que aquele cara não gostou do nosso repertório!…
Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)