Segunda-feira, 25 de abril de 2011 - 16h34
Excelentíssima Senhora Presidenta da República,
Tendo em vista o desgaste que o CRBE vem sofrendo nos últimos meses, rogamos a Vossa Excelência que adote providências urgentes para evitar o descrédito do Ministério das Relações Exteriores por sua intervenção desastrosa em assuntos de organização comunitária dos brasileiros que residem no exterior, subordinando-os à condição de “palpiteiros”.
Nós, emigrantes, entendemos que a Presidência da República e o Congresso Nacional são os poderes competentes para nos libertar da truculenta tutela a que nos submete o MRE, que apenas dificulta e impede que logremos nossa tão sonhada e merecida autonomia.
O atendimento imediato dessa reivindicação cortará gastos públicos desnecessários na manutenção desse Conselho, pondo-se na balança a boa e velha análise do Custo/Benefício, com o que também o MRE seria desonerado da responsabilidade de administrar o caos e a balbúrdia denunciados na mídia pelos próprios membros titulares e/ou suplentes do CRBE.
Nas últimas semanas, uma série de notícias se espalhou imprensa afora relatando supostas irregularidades e desvios praticados por membros do CRBE. Parte do que foi divulgado não passou de boato, mas outras denúncias ainda carecem de investigação.
As questões que foram amplamente noticiadas pela mídia serviram para reafirmar o que há tempos temos sustentado, ou seja, que a instituição do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior nasceu deformada, tendo em vista que não atende aos reais anseios dessa população, que pugna pelo direito de ter voz, poder decisório e representatividade compatível com o aporte financeiro que faz todos os anos na economia brasileira através de substanciais remessas.
O ex-presidente Lula, ainda que bem-intencionado, foi induzido ao erro e, levado por opiniões equivocadas, acabou criando por decreto o referido conselho - um órgão que não representa a maioria dos brasileiros que vivem no exterior, as massas de trabalhadores comuns -, ignorando a existência de duas PEC´s em trâmite no Congresso Nacional que versam sobre esse tema, sendo uma de autoria do Senador Cristovam Buarque (PEC No.5, de 2005, que institui a eleição de parlamentares pelo sistema majoritário), e outra do Deputado Manoel Junior (PEC No. 436, de 2009, que defende eleição pelo sistema proporcional) - essa última por mim sugerida-, que propugnam, entre outras coisas, pela representação política dos brasileiros que vivem no exterior.
Nos próximos dias, será realizado em Brasília um encontro de representantes do CRBE e, com o fito de que o assunto seja apreciado antes do evento promovido pelo Itamaraty, optamos por este canal de comunicação democrático para fazer chegar diretamente a Vossa Excelência o nosso pleito.
É imprescindível que nos debrucemos sobre a legalidade do Decreto 7.214/10 à luz da Constituição Brasileira e da Convenção de Viena. Ressaltamos que a crítica se direciona ao sistema e não aos operadores do CRBE.
Sobre esse tema, ressalta o Dr. Mauricio Pinto, advogado paulista: “Observa-se, no preâmbulo, que o Decreto ‘estabelece princípios e diretrizes da política governamental para as comunidades brasileiras no exterior, institui as Conferências Brasileiros no Mundo - CBM, cria o Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior - CRBE, e dá outras providências’. Mais à frente, em seu bojo, faz referência à Convenção de Viena (Decreto 61.078/67).”
Sem embargo de entendimentos contrários, o texto do Decreto supracitado disciplina assunto diverso, qual seja, relações, privilégios e imunidades consulares para o desenvolvimento de relações amistosas entre os países - prerrogativas indispensáveis aos nossos diplomatas, mas que não guardam pertinência temática com a representação dos brasileiros no exterior, conforme matéria publicada no site Gente de Opinião, edição de 23/04/2011, sob o título “O MONSTRENGO CRIADO PELO ITAMARATY CHAMADO CRBE", que detalha com riqueza os fundamentos da presente Carta Aberta.
Além do mais, entendemos que o Decreto, no que diz respeito ao CRBE, não está de acordo com o permissivo legal do artigo 84, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal. Na forma como foi concebido, verifica-se que o texto não atende à organização dos serviços da administração pública federal no estrangeiro.
Como se não bastasse, ainda que dito expressamente que os cargos de conselheiro não serão remunerados, e que as despesas com a criação correrão por conta de dotações orçamentárias do MRE, é certo que haverá um incremento nos gastos públicos, violando-se a regra constitucional que proíbe ao Chefe do Executivo dispor, por decreto, sobre a organização da administração federal quando esta incorrer em aumento de despesa.
A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, conforme o julgamento das ADIs 3.232, 3.983, 3.990, todas da relatoria do Min. Cezar Peluso.
De acordo com o Decreto, o CRBE surge como um simples órgão de assessoria ou de consulta sobre temas de uma população emigrante com mais 3,5 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, transcendendo os interesses e competência do Itamaraty, pois não se trata de relações entre o Brasil e Estados Estrangeiros, mas de brasileiros com o seu país.
Pugnamos, enfatizo, pela representação política no Congresso brasileiro, pois os exilados econômicos, a maioria, envia bilhões de dólares aos cofres do país que deixaram para trás, sem contrapartida. Os custos de sua sonhada e merecida representação política no Congresso são mínimos e sequer seriam uma compensação. O CRBE tem seus conselheiros escolhidos a dedo pelo próprio MRE entre cupinchas — religiosos, doutores, empresários de estatais —, mas nenhum trabalhador da construção civil, nenhum diarista, nenhum “indocumentado”, ou seja, nenhum representante de mais de 70% dos que enviam dinheiro ao Brasil para ajuda aos que ficaram também em sua saudade.
Um assunto dessa envergadura, considerando ainda que a massa de emigrantes é responsável pelo aporte anual de bilhões de dólares na economia brasileira, mereceria muito mais atenção do nosso Estado.
A título de comparação, no Brasil existem estados com um número bem menor de habitantes, muitos com baixa renda per capita, que possuem a faculdade de eleger 03 (três) senadores e no mínimo 08 (oito) deputados. Portanto, nossos emigrantes merecem uma representatividade que esteja em conformidade com sua projeção. Dada a sua expressividade, é mais do que natural que haja a representação política na Câmara dos Deputados desses compatriotas que residem no exterior.
Vossa Excelência poderá fazer história ouvindo o clamor legítimo desses cidadãos que passam por inúmeras dificuldades. Classificados pelo MRE como “indocumentados”, esses brasileiros encontram-se alijados de decisões que lhes dizem respeito. Estão sem voz, sem representação e sem vez, distantes do alcance de atendimento e assistência.
Proposta interessante é a do jornalista Rui Martins, membro suplente do CRBE, que defende a “criação de uma Comissão de Transição interministerial, com nossa participação, para se criar uma Secretaria de Estado dos Emigrantes, separada do Itamaraty, dirigida por emigrantes e não por diplomatas.”
O eminente jornalista lembrou que essa proposta foi apresentada na forma de abaixo-assinado na I Conferência Brasileiros no Mundo e, embora tenha constado na ata, foi inexplicavelmente desconsiderada.
A explicação para tal proposta é bastante convincente, pois “É preciso dar autonomia e independência aos emigrantes na gestão de seus problemas. O CRBE precisa ser extinto. Um Conselho de Emigrantes só será eficaz se ligado à Secretaria de Estado dos Emigrantes ou subordinado à Presidência da República, funcionando com a interação dos parlamentares emigrantes. Precisamos ter autonomia e independência na gestão desses problemas sem tutela ou interferência diplomática.”
Por ter Vossa Excelência demonstrado que possui uma concepção distinta sobre política externa em relação ao governo anterior, requeremos seja determinada a instauração de uma comissão para avaliar as propostas ora apresentadas, bem como a edição de um novo decreto que suspenda as atividades atuais do CRBE, para que seja formatada uma nova e legítima força de representação dos brasileiros que residem no estrangeiro.
Foi válido o ensaio com o CRBE porque deixou lições de como não deve ser conduzido o processo, sobretudo a inconveniência de o Corpo Diplomático envolver-se tão a fundo com a organização comunitária, imiscuindo-se na sua política, pois nunca fez parte da tradicional ação itamaratiana.
Instaremos também os Srs. Parlamentares para que se posicionem e decidam sobre essas questões que esperam há anos por uma decisão legislativa, pois a autêntica reivindicação da Diáspora urge em ser atendida, a fim de que não tenhamos que escutar o eco de nossa própria voz que clama por cidadania.
Washington DC Area, 25/04/2011
Samuel Saraiva
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