Sábado, 24 de setembro de 2016 - 06h58
Ausência de legislação rigorosa incentiva a ação criminosa dos que extrapolam e abusam do direito a Liberdade de Culto para construírem impérios financeiros com a cumplicidade de Poderes Públicos corrompidos
Domingo de manhã de um outono qualquer, surpreendo-me contemplando as nuvens que passam sobre o céu azul, levadas por um vento morno que me faz comparar a aceleração da existência humana. Essa breve abstração no tempo – nada mais do que milésimos de segundo, algo insignificante diante da eternidade – permite-me imaginar as civilizações que viveram há milênios, a respeito das quais poucas são as lembranças remanescentes, e elas incluem conflitos, desencontros, miséria, escravidão e sofrimentos. Tais histórias compõem algum imaginário registro do Universo, cujas páginas a todos cobriria de vergonha ao reler…
Ao longo das civilizações, a humanidade tem gerado e alimentado conflitos em decorrência da dificuldade de compreender que a paz requer a preservação da inocência que nos acompanha desde a concepção, ainda no ventre. O universo é harmonia, e nesse postulado incluem-se todos os sentimentos que perduram no breve decorrer da infância, ou da tenra idade da razão, quando se podem observar crianças com idiomas e culturas diferentes se divertindo prazerosamente, sem a influência nefasta do egoísmo alcançado na idade adulta. À medida que absorvem doutrinas, princípios, orientações e ações do meio em que se desenvolvem, moldam-se a eles e passam a praticar a percepção herdada de um mundo dividido por crenças e ideologias. Assim, degladiam-se em disputas medíocres, como se não houvesse espaço e recursos suficientes para que todos pudessem ter acesso a uma vida digna e prazenteira, com respeito às diferenças. Tentam impor verdades absurdas, que consideram absolutas, dispostos a defendê-las com guerras, embora não sejam capazes de usar a mesma tenacidade e fervor para compreender a essência humana e praticar obras condizentes com aquilo que dizem acreditar. Não fosse assim, poderiam garantir aqui mesmo, nesta dimensão, o exercício da fraternidade capaz de permitir a evolução em diferentes planos e contribuir para dignificar a humanidade como um todo.
Desde os primórdios multidões acreditam na teoria do criacionismo, na existência de uma força criadora a que chamam de “Deus" – ou “Alá", entre outros substantivos. Afirmam que para Ele não existe o novo nem o velho, apenas o eterno. Entretanto, como no universo tudo está em permanente transformação, pois nada é estático, esse pensamento já é um contrassenso. Acreditam também que Deus escolheu o planeta azul para estabelecer o “Éden", ou paraíso, mundo este que hoje se encontra em acelerado processo de degradação pela ação destrutiva das criaturas que se autodenominam “inteligentes", as mesmas que acreditam que o Criador prepara um outro paraíso com rios de leite e mel, ruas de ouro e que, a qualquer momento, rodeado de anjos e trombetas, promoverá um grande Juízo, quando acolherá os bons e condenará os perversos. Particularmente, leite e mel não são atraentes ao meu paladar, muito menos ruas de ouro, esse vil metal estimulador da ambição humana e de tantas desgraças.
Esses indivíduos, enfim, utilizam o livre-arbítrio para devaneios em crenças patéticas que vão da ressurreição à encarnação, hipotecando fé às teorias mais absurdas, algumas, inclusive, surreais, como adoração a uma vaca ou a predição do fim dos tempos – que deveria ter ocorrido em uma determinada data no passado através de uma “chuva de estrelas" –, e por aí afora. Os devaneios e alucinações “proféticas" constituem evidência que têm a estupidez humana salientado em caráter permanente, atrelada ao absurdo e distante do alcance da chamada “idade da razão". A cada fiasco, desmascarados pelo não cumprimento de seus vaticínios, tais profetas fragmentam-se em novos grupos para refugiarem-se em doutrinas inéditas e mirabolantes, inventadas e propagadas diante dos olhos de Estados irresponsáveis, que deixam seus cidadãos à mercê da ação nefasta de pessoas inescrupulosas, charlatães, teólogos, filósofos, mercenários e centenas de doutores. Em vez do amor e da justiça, eles apregoam o temor a Deus e o fim catastrófico e apocalíptico da humanidade, disseminando o terror doutrinário como forma de construir impérios financeiros. Para tanto, valem-se da sinceridade dos incautos e crédulos que sentem a imperiosa necessidade de hipotecar fé ao que lhes sirva para descomprimir suas aflições diárias, inspirados em falsas e absurdas promessas de salvação ou vida eterna após a morte física.
Só mesmo uma “força superior" para libertar da estupidez crônica, ou da ingênua sinceridade, os que, por alguma limitação, se deixam manipular, atropelando a capacidade de exercitar a razão. Quiçá por sentimentalismo familiar optem pela preservação do legado doutrinário que receberam como herança de seus ancestrais para embasar a sua fé. Responsável pela hipocrisia e tantas outras desgraças que dificultam o alcance da paz mundial, bem como a evolução harmônica e fraterna dos seres humanos, a fé tem causado constrangimento e tristeza ao “ Salvador" que professam seguir e adorar em templos que comumente desmoronam sobre suas cabeças ao mais débil abalo sísmico.
Com indicadores tão contundentes, parece inócuo tentar vislumbrar um futuro melhor para as massas que buscam sentido existencial perambulando nos labirintos obscuros da babilônia religiosa dos tempos atuais, campo fértil para a estupidez. Nos países socioculturalmente atrasados, o cenário é ainda mais deletério, porquanto a outorga ingênua da fé não apenas sacrifica a razão como alimenta o sadomasoquismo humano, na medida em que fomenta conflitos por causa da intolerância e do desrespeito ao outro. “Meu povo sofre por falta de conhecimento", manifestou claramente um legendário sábio há pouco mais de dois milênios, indicando a causa das desgraças que impiedosamente castigavam seus seguidores. Nesse aspecto, nada mudou para melhor.
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