Quinta-feira, 13 de dezembro de 2018 - 09h00
A sensibilidade de povos para o reconhecimento dos protagonistas
da história em alguns países se reflete na suntuosidade de monumentos, parques,
cemitérios e Memoriais imponentes para projetá-los aos séculos futuros.
Cemitério da Candelária
Citaria o cemitério de Arlington, no Estado da Virgínia, que serve de morada aos heróis das guerras americanas; o imenso parque memorial dos militares estadunidenses caídos na Primeira e Segunda Guerra Mundial; o Memorial a Abraham Lincoln e o de Thomas Jéferson na cidade de Washington D.C.
Cemitério de Arlington
Cemitério de Arlington
Memorial aThomas Jéferson
Eles são apenas alguns exemplos que me transportam aos heróis anônimos da história de Rondônia, e em particular da cidade de Porto Velho, cujo símbolo são as três caixas-d’água antigas fabricadas no Estado da Pensilvânia e transportadas por iniciativa do empresário Farquhar, visionário e empreendedor que muito investiu na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
O que me parece intrigante
é as transformaram em símbolo, enquanto os restos dos heróis anônimos que a
construíram jazem em abandono, atingidos por queimadas, enchentes e a força da
mata que os mantêm relegados à insignificância, bem ao lado de um dos maiores
empreendimentos energéticos da Amazônia: a hidrelétrica de Santo Antônio, na
esquecida Candelária.
Quanta injustiça àqueles
milhares de pioneiros que deixaram suas famílias nas Antilhas, no nordeste e em
outras regiões do Brasil e do Mundo para assentar no Velho Guaporé os
fundamentos da Rondônia de hoje
Desde aqueles idos,
governadores e prefeitos nascidos em Rondônia ou paraquedistas de outras
paragens enriqueceram, alguns processados ou cassados nas urnas pelo povo que
enganaram com fraudes eleitorais. Visaram o imediatismo, o enriquecimento
ilícito à custa do dinheiro público e desprezaram em abandono e desrespeito e
os restos mortais daqueles humildes heróis da Amazônia Brasileira.
Não foram competentes nem
sequer para preservar uma ferrovia importantíssima que hoje estaria
impulsionando a baixo custo à economia do Estado, via transporte barato das
produções agropecuária e mineral, e fomentando o turismo.
Causa tristeza constatar
tanta falta de sensibilidade e de visão político-administrativa. Enquanto povos
do chamado primeiro mundo preservam a memória, transformando passado em interessantes
museus, nos legamos nosso patrimônio histórico ao abandono.
A construção de um
memorial, mesmo simples, iluminado com a doação de parte ínfima da energia
produzida na área de Santo Antônio, cujo empreendimento tem causado sérios
prejuízos ambientais à região, a exemplo do alagamento de trechos da rodovia
que substituiu a lendária Ferrovia do
Diabo, que para mim deveria ter sido chamada Ferrovia de Deus, em homenagem aos que dedicaram parte
considerável de suas vidas ou a perderam na epopeia de sua construção.
Ante a indiferença
daqueles que possuem a responsabilidade de honrar nossos antepassados
pioneiros, resta à sociedade tomar a iniciativa de resgatar o respeito perdido.
Nada mais justo do que somar forcas para a construção de um Memorial digno aos
caídos retratando aqueles tempos dourados e saudosos do glamour, da borracha e
de progresso.
A Candelária deve ser
transformada tornando-se a meca aos que desejam reverenciar ou homenagear os
que lá estão enterrados por seu significado histórico como patrimônio moral e
sentimental legítimo, do povo e do Estado de Rondônia.
O Cemitério da Candelária
está situado a margem da linha férrea e a igrejinha centenária que insiste em
desafiar o tempo guardando as preces daquela gente desbravadora de extraordinária
fé cujo eco hoje ressoa na sensibilidade e alma daqueles que conseguem
compreender o alcance da contribuição daquelas gentes. No trajeto em direção à
antiga e extinta Vila de Santo Antônio, tem aos fundos o Conjunto Residencial
Cujubim, situado nas proximidades do Clube dos Subtenentes e Sargentos do 5º
Batalhão de Engenharia de Construção do Exército. No outro extremo fica próximo
às residências do Bairro do Triângulo, também na beira da ferrovia.
Eles foram sepultados
entre 1907, quando o cemitério foi aberto, anexo ao Complexo Hospitalar da
Candelária, para tratar de funcionários da ferrovia, e 1912, quando ela foi
inaugurada. Era reservado só para os operários estrangeiros que morriam nas
obras na grande ferrovia da floresta.
Quando a construção da
estrada EFMM acabou e a maioria dos estrangeiros voltou para suas terras de
origem, os que morreram foram abandonados pelos compatriotas sobreviventes e
esquecidos pelos beneficiários de seus feitos.
Os 1.593 sepultamentos são
confirmados por estatísticas necrológicas dos médicos do Complexo Hospitalar da
Candelária. Não há registro de que algum deles tenha sido exumado ou removido
para lugar algum.
Move-me a convicção
pessoal que um Memorial poderia ser construído a partir de mutirões com a participação
da Sociedade, do Estado e do Município de Porto Velho. Se conclamado e motivado
a participação seria extraordinária. Entre todos prover-se-ia alimentação,
lazer e um ambiente fraterno nas etapas de limpeza da área e desenvolvimento do
projeto que poderia ser escolhido através de um concurso público aberto no qual
se premiaria o projeto vencedor.
Associações profissionais,
entre as quais, a dos arquitetos, o Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia, poderiam somar-se aos construtores e a cada fim de semana o povo
transformaria aquela área em ponto de encontro para construir o que seria um
marco histórico sob ótica arquitetônica que preserve a natureza e a incorpore
como parte importante de sua concepção.
Quem se anima coordenar
esta ação cívica e popular para a construção desse memorial que firmaria um
marco ao resgatar a mais valiosa relíquia de nossa história: a memória dos
bravos pioneiros?
Casas legislativas
estadual e municipal poderiam inclusive criar uma distinção para outorga a todos
os que voluntariamente participassem desse legítimo e desafiador projeto do
sentimento mais nobre de justiça da nossa sociedade.
Eu me prontificaria a
contribuir, indo a Porto Velho, cidade a qual sou grato por haver-me servido de
berço, na extinta maternidade Darcy Vargas, para incentivar ou participar a
custo zero do planejamento, articulação e execução da ideia.
Fica, pois para reflexão o
desafio que deve ecoar nas consciências das pessoas de bem desse estado, os
nativos e os advindos de outras paragens que os acolheu como filhos.
Há algum tempo foi
procedida uma limpeza cosmética no local. Naquela ocasião a coordenadora de
Educação Patrimonial e Monitoramento Arqueológico da Scientia Consultoria
Científica, Carla Pequini, declarou: “Toda a equipe que trabalhou na limpeza da
área ficou muito interessada na história do local, percebendo a importância
desse patrimônio para a sociedade”. Trata-se de empresa parceira da Santo
Antônio Energia, para a qual, a conservação do cemitério é uma forma de
preservar a história da região. Acredita-se extraoficialmente que no local
estejam enterrados mais de cinco mil trabalhadores que morreram durante a
construção da ferrovia.
A Santo Antônio Energia
tem demonstrado sensibilidade as demandas envolvendo ações sociais voltadas ao
resgate e valorização da história de Rondônia. Recentemente apoiou a
regularização dos documentos da cooperativa dos ex-ferroviários.
Creio que os objetivos
aqui defendidos com ênfases na justa exaltação dos nossos heróis poderiam unir
a população no resgate efetivo dessa parte da história, causando a vergonha e o
desprezo daqueles que desperdiçaram a oportunidade de fazer algo e apenas se
locupletaram criminosamente com o dinheiro público.
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