Sábado, 17 de setembro de 2011 - 07h12
Hoje enquadrei a Fiona, uma Huskie siberiana de minha filha, fazendo-a caminhar comigo cerca de 7 km até uma cidadezinha no subúrbio de Washington, onde fui buscar o carro que deixara para troca regular de óleo.
No trajeto, contemplei várias igrejas, prédios arquitetônicos imponentes, de credos e denominações diversas. Interessante é notar que esses templos, como no antigo mundo pagão, têm patronos diversos, como entidades diferentes e em permanente concorrência em busca da conquista de maior parcela do multi milionário “mercado da fé”.
Diante do que o próprio Cristo ensinou sobre simplicidade, a construção de tesouros no céu, não na terra, e orar no recesso do íntimo, pois Deus conhece os corações, indaguei-me se esses investimentos em tantas construções seriam necessários, quando vemos tanta gente ferida ao lado da estrada, como na Parábola do Bom Samaritano, tanta gente sem abrigo e sem pão, tanta gente morrendo de aguda fome sem receber sequer migalhas da tão propalada quanto rara fraternidade.
Questionei comigo mesmo a validade da “Doutrina da Prosperidade”, arrecadadora de milhões, contribuídos por gente mais pobre, da aposta com Deus, as suntuosas mansões, carros e propriedades, de alguns chefes religiosos com contas exorbitantes em paraísos fiscais, que parecem fazer do culto a Deus simples meio de vida, instrumento de poder pessoal que busca também poder político, sem levar em conta o que o próprio fundador do Cristianismo e de outras religiões ensinou: “Ninguém pode servir a dois senhores”, a sua vez gozar de enormes privilégios e mordomias às custas do sacrifício humano, contrariando a doutrina que apregoam.
Deveria o Estado intervir quando detectar manipulação da boa fé do povo, ou perceber visível comércio da fé? Particularmente creio que sim.
Lembrei-me então desta passagem de Mateus 8:18-20: “Vendo Jesus muita gente ao seu redor, ordenou que passassem para a outra margem. Então, aproximando-se dele um escriba, disse-lhe: Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores. Mas Jesus lhe respondeu: As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”, referindo-se a ele próprio.
Diante de tanto tempo desperdiçado em inócuas discussões e cultos onde muito pouco parece ser assimilado pelos auto-rotulados religiosos, não seria mais próprio compreender que tudo se resume em “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”?
Mas em nome de Deus, e ignorando o amor ao próximo e até o direito de cada um à crença que lhe aprouver, o modo de se relacionar com a divindade, com o espiritual, os homens mataram, torturaram, e continuam matando. Jesus, Buda e Maomé, homens de notável razão e bom senso jamais mencionaram que vieram a esse planeta criar religiões ou serem adorados. A compaixão que pregaram sabiamente, foi substituída pelas bombas, por atos de terrorismo, e pela ganância de poder exercitados por seguidores fanáticos em embrionário estágio de ignorância, estimulados por pseudo profetas, profetizas, entre outros títulos, servidos por charlatões e oportunistas de todas as matizes que ganharam e ganham fortunas enganando incautos apregoando o fim do mundo com chuva de estrelas e outras estupidezes ou ainda associando catástrofes naturais previsíveis objetivando atrair seguidores, pela dissiminação do medo com a ameaça de “condenação divina”, sem importarem-se em difundir criminosamente suas paranóias no plano psico-social. Quando desmascarados, dividem-se ou ré-aparecem com adaptações doutrinárias e diferente logo marca.
A adoração a Deus, segundo o entendimento de cada um, pode e deve ser feita sem intermediários. Cristo por exemplo, homem simples de honestidade inquestionável jamais mencionou que fora enviado por Deus pra criar religião alguma ou apoiar as que existiam, nem apregoou fanatismo (apesar da ação violenta contra trabalhadores que vendiam arredor do templo – a chamada prática do chicote, até hoje usada naquela atrasada região do planeta e hoje tipificada como crime nos países ocidentais). Ele também criticou a hipocrisia dos religiosos que faziam longas orações para serem vistos, e a partir daí recomendou reserva.
O noticiário ontem focava a matança de crianças no Afeganistão. O líder Taliban justificou o ato com a explicação de que eram filhos de gente que apoiava o Governo e a presença de tropas da ONU. A lição do Corão (Kuran) foi ignorada. O mínimo ético, que é poupar crianças em qualquer situação e em qualquer cultura, foi covardemente violado.
Portanto, gastar imensas somas com templos é desperdício de dinheiro, um insulto à dignidade humana e vai de encontro a sólidos ensinamentos de qualquer religião. O que acontece de fato é que as organizações religiosas se tornam um fim em si mesmas, daí a pompa e o desperdício.
O que importa é sua essência da alma, o que você faz, não se alguém é judeu, cristão, maometano ou budista. Amar a Deus e ao próximo é o que definirá o destino de cada um no divino Juízo Final, para os que acreditam; é o que dá paz e tranqüilidade a cada um, e à comunidade, seja em sentido local ou global. Não importa o seu rótulo, seu hábito, sua roupagem ou seu status religioso.
Com um olho na Fiona e outro no ambiente, vi uma placa que serviu para acalmar minhas reflexões. Nela estava escrito: (WRONG WAY) CAMINHO ERRADO.
Postada bem à entrada de acesso a uma igreja, não se destinava apenas a orientar o trânsito, mas sugeria norteamento moral e espiritual, a altura da capacidade de interpretação.
Fonte: Samuel Saraiva / sss.usa@comcast.net
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