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Sérgio Ramos

A ARTE DE DEIXAR SOLTO


Por Sérgio Ramos

É meus caros, há momentos, após ver ou ler o noticiário, que me levam a desacreditar em dias melhores com relação à segurança pública; chego mesmo a pensar se há realmente alguém preocupado com isso no nosso país. Aliás, para melhorar, pois para piorar temos, e muitos.

As leis brasileiras vêm evoluindo no sentido de ampliar a crença no ditado popular: ‘o crime compensa’.

É preocupante. Tenho a impressão – pois me recuso a ter certeza, apesar da tentação - que estamos ficando sem referência de justiça. A morte de uma pessoa parece não representar muito no sistema jurídico brasileiro, dada quantidade de brechas para aliviar esse tipo de crime. Imagine outros tipos! Se está difícil condenar e prender assassinos imagine condenar e prender outros tipos de criminosos.

O mais grave, e a tendência para a evolução deste, vamos dizer assim, afrouxamento no ordenamento jurídicos, observada em declarações de autoridades.

Há indícios de uma inversão no mínimo curiosa, para não dizer perigosa: o Direito Ambiental é mais intolerante com crimes envolvendo árvores, animais, por exemplo, que o Direito Penal, que evolui no sentido contrário. Os crimes do primeiro são geralmente inafiançáveis, já os crimes envolvendo pessoas... Será de propósito? Ou nossas autoridades não estão se atentando a isso? Acho que não; eles sabem muito bem o que estão fazendo.

Quem entende algo assim: o STF – Supremo Tribunal Federal é a última instância do Poder Judiciário brasileiro, ou seja, qualquer decisão do STF é passível somente de cumprimento, uma vez que não há mais possibilidade de recorrência. Ocorre que no caso de mensalão, além dos réus deixarem claro que não concordam com o veredicto, ameaçando recorrer a alguma corte internacional, visivelmente, fazem campanha para desqualificar a Corte Suprema do Poder Judiciário Brasileiro, o guardião da Constituição Federal do Estado Brasileiro. Ora, se o Supremo Tribunal Federal não mais é objeto de respeito, por parte alguns brasileiros condenados – porém influentes e formadores de opinião - por processo legítimo, por ser constitucional, quem mais merece esse respeito? Há realmente uma campanha em prol da desqualificação do mais importante instrumento da Democracia? Não quero acreditar, acreditando, plagiando o Chavez, o outro, o da televisão – o duro que os dois são de televisão, mas você sabe de quem estou falando.

Uma democracia ainda pode – eu acho – suportar a alguma deterioração de poderes como Legislativo e Executivo, pois ainda resta o Judiciário para colocar ordem na casa. Não acredito que continue existindo democracia quando o Judiciário é molestado. Basta ver o que acontece na Venezuela, na Argentina, só para ficar aqui com alguns exemplos do Sul. O futuro disso já é conhecido.

O caso trágico de Santa Maria: 238 mortos, e ainda com possibilidade de aumento. Comoção nacional e internacional. Passado esse momento doloroso em maior nível, vem à realidade do ordenamento jurídico brasileiro. Ouvi – em noticiário – de um especialista em direito, que dificilmente haverá a devida condenação para os responsáveis pelo ocorrido. Talvez sobre para os integrantes da banda, a parte mais fraca. Há uma hierarquia imensa de responsabilidades, passando pelo prefeito, Corpo de Bombeiros, e outros órgãos oficiais. Talvez sobre alguma coisa também para os donos do estabelecimento, mas nada que possa enjaulá-los por muito tempo. Quem viver verá!

Por que penso assim? Além do caso emblemático do mensalão há outros casos recentes, onde autoridades importantes acham que os condenados são inocentes. Se eles acham, podem mudar as leis.

Vamos começar pelo último: a morte do torcedor boliviano, provocado por um torcedor brasileiro, menor de idade – segundo o Esporte Espetacular do dia 24/02/2013 do Corinthians, esse utilizando um sinalizador. O artefato cuja venda é proibida no Brasil, apesar de ser liberado no estádio boliviano de San José de Oruro – conforme noticiário – foi comprado no Brasil. Segundo o noticiário, o garoto morreu após o sinalizador entrar por um olho e atravessar sua cabeça. Isso tudo acontecendo no momento em que as famílias de Santa Maria choram seus mortos devido a um acidente trágico com... sinalizadores.

Segundo o regulamento da Conmebol, o time brasileiro poderá até ser expulso da competição. Saiu uma punição para o time: atuar na próxima partida com portões fechados.

Recapitulando... morreu uma pessoa atingida por artefato com venda proibida no Brasil, utilizado por torcedor Corinthians, em um jogo de futebol. Agora vem o inimaginável número um: o técnico do time brasileiro declarou na televisão que trocaria seu título mundial pela vida do garoto. Sempre ouvi dizer, e ainda acredito, que a vida humana não tem preço, porém agora tem: um título mundial, do jeito que o afrouxamento jurídico anda, num futuro próximo poderá valer um... título estadual. Meu Deus do céu!, como diz o Beni, no Papo de Redação. O segundo inimaginável, a meu ver, vem do Jurista Ives Gandra Martins e ministro do STF, Marco Aurélio Mello, em entrevista a Jovem Pan. Para o jurista Ives Gandra Martins, foi um acidente lamentável, porém “"A punição é excessiva. Não vejo nenhuma razão para tirar os mandos do Corinthians. A Conmebol está pretendendo atingir o clube como um todo por algo que não pode ser inteiramente responsabilizado". Tudo bem, talvez até seja, mas quando sai da boca de alguém tão importante do sistema judiciário, sinaliza em favor desse afrouxamento a que estou me referindo desde o início. Pelo que eu saiba o Corinthians está fazendo nenhuma campanha para identificar o assassino e liberar os demais portadores de sinalizadores da sua torcida trancafiada na Bolívia. Tomara que eu esteja equivocado.

A Conmbol poderia expulsar o time brasileiro da competição, eu esperava isso, o Ives disse que jogar sem público é uma pena muito alta para o clube. Caraca! Ives, são-paulino, ainda espera que o Corinthians consiga reverte a pena.

O Ministro do STF Marco Aurélio Mello pensa como o jurista: "Devemos coibir excessos de qualquer torcida, mas toda sanção precisa ser proporcional. O sinalizador é usado em vários estádios de futebol e, pelo visto, o que ocorreu não passou de um acidente". Acha a pena desproporcional, que não se deve generalizar, pois se trata de um acidente. Lembrando: alguém compra algo proibido, leva para um lugar com grande concentração de pessoas, solta o objeto direcionado para o lado opositor, e pronto. Foi apenas um acidente.

Outros casos para encerrar o texto e para as suas reflexões:

1. O filho do empresário Eike Batista, 20 anos, já pode voltar a dirigir; quatro meses depois de atropelar e matar um ciclista na BR-040, a Justiça decidiu devolver ao filho do empresário, o direito de matar mais pessoas. Tudo de acordo com o ordenamento jurídico.


2. Gil Rugai é condenado a 33 anos e nove meses de prisão, pelo assassinato do pai, Luís Carlos Rugai, e da madrasta, Alessandra Troitino, em março de 2004. Segundo a defesa, o réu que é julgado em liberdade e condenado, poderá aguardar novo julgamento em... liberdade. Tudo de acordo com a lei. Os familiares do pai e da madrasta do réu estão muito seguros, não correm nenhum risco. Eu hein!


3. Esse caso é mais antigo: lembram do Guilherme de Pádua e sua esposa Paula? Eles assassinaram a atriz Daniela Perez, já foram soltos, e segundo a lei, por ser primários, estão com a ficha totalmente limpa; cumpriram a pena. Tudo conforme o nosso ordenamento jurídico.


4. Os irmãos Cravinhos vão cumprir em regime semiaberto o restante da pena a que foram condenados pela morte dos pais de Suzane von Richthofen. A decisão que passa os irmãos Cravinhos do regime fechado. Fundamentação da Promotoria: “Me posicionei a favor da progressão do regime porque são presos com bom comportamento, têm boa relação com os outros detentos e o laudo criminológico foi totalmente favorável a eles. Não tinha nada que eu poderia ir contra”. Tudo de acordo com a lei.


5. Um caso nosso: Natan Donadon (PMDB-RO) pegou 13 anos, quatro meses e dez dias de reclusão, mas até hoje não foi preso, e continua Deputado Federal, assim como os condenados e também deputados José Genuíno e João Paulo Cunha. Creio que isso enfraquece e desmoraliza o STF, a nossa tábua de sobrevivência. Tudo de acordo com a lei? Sim, pois necessita ser transitado em julgado, o problema é a demora.


6. Mais um caso nosso: Alecsandro Mendes Castelo Branco (19) foi solto no dia 23/10/2012 após receber do juiz da vara do tribunal de júri o direito de ficar em liberdade mesmo com a acusação de homicídio doloso, onde executou com um tiro no pescoço a ex-namorada, uma estudante de 15 anos, no último dia 11 de setembro de 2012. Esse confessou o crime. Tudo de acordo com a lei.

Agora meu caro leitor, os casos acima relatados são de grande repercussão nacional e até internacional, envolve gente importante e simples. Envolve também estâncias judiciais de vários níveis, incluindo a estância máxima. Mas é a lei que é frouxa. Tá tudo certo.

Aí você pergunta: mas isso pode melhorar? Vou revelar minha resposta: gostaria de acreditar que sim, porém, há fortes indícios que não. Os motivos são vários. O que podemos esperar de um Congresso cujos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados estão se beneficiando desse afrouxamento jurídico? O que esperar de um projeto de Código Penal que prevê a liberação das drogas? O que esperar da campanha para silenciar o Ministério Público? O que esperar da campanha para acabar com delação premiada? Todas elas com envolvimento de pessoas que podem ajudar diretamente para a ampliação desse afrouxamento.

Atente para isso: Leonardo Pantaleão, advogado criminalista e membro da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional São Paulo, lembra que, ‘quando não se trata de um crime hediondo, a progressão de penas começa após o cumprimento de um sexto da pena, e mesmo nos casos de mortes brutais, quando a progressão vem apenas após o acusado cumprir 40% de sua determinação, fica a sensação de que a impunidade é grande’. O problema meu caro advogado, que essa tal progressão também está atendendo a crimes que antes eram considerados hediondos. Eu disse eram? Eu estou atrasado.

Aproveitando o meu atraso: alguém sabe me dizer o que é um crime hediondo, cujo autor cumpra pelo menos 50% da pena em regime fechado? Lembrando que no Brasil não pena de morte e nem prisão perpétua. Ou seja, nenhum crime é digno de erradicar do convívio social definitivo seu autor. Será se cabe essa reflexão? Há paraíso criminal? Acho que moramos em um.

Agora veja isto: notícia de ontem no site da Jovem Pan sobre o caso da morte do torcedor boliviano provocado por irresponsabilidade de um torcedor.

A torcida Gaviões da Fiel apresentou o menor que teria disparado sinalizador. Isso muda tudo. Se o crime estivesse ocorrido no Brasil, a pena máxima pelo crime de morte, se resumiria à prática de medidas socioeconômicas, diferente da Bolívia, onde a maioridade penal é de 16 anos. Comentário do repórter no programa hora da verdade: “espero que não seja uma tentativa de livrar a cara do real responsável pela morte do garoto, assim como faz o crime organizado”. Ou seja, apresenta um menor, pois praticamente não existe pena, e fica mais fácil defender. Mas tudo dentro de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA.

Nesse contexto, apareceu o Procurador de Justiça de Márcio Elias Rosa, de São Paulo cuja opinião sobre aplicação de pena no Brasil: “Precisamos estabelecer as condenações, exigir o cumprimento fechado ou regime semiaberto. É preciso verificar se há vaga disponível para sair do plenário já detido”, lembrou. “Falta uma política mais razoável no cumprimento das penas. Não é razoável que os crimes praticados com arma de fogo tenham um tratamento não aplicado. Precisamos melhorar a taxa de elucidação dos crimes, repressão ao tráfico de entorpecentes e garantir que as penas sejam de fato aplicadas”.

Não há possibilidade de extradição do criminoso brasileiro para a Bolívia. Nem o condenado pela justiça italiana Cesare Battisti foi extraditado. Tudo de acordo com a lei.

Se esse assassinato fosse praticado por um boliviano seria reconhecido como um assassinato, e o autor como assassino, pois a maioridade penal é de 16 anos, e iria para cadeia, em caso de condenação. No Brasil um assassinato praticado por menor de 18 anos, é reconhecido como ato de infracional, e o autor como menor infrator; não cumpre pena e sim medidas socieconômica ou socioeducacional. E quando cumpre a medida, sai com a ficha limpinha da ‘Silva’, e após no máximo três anos de pena. Tudo de acordo com a Constituição Federal.

Disso já sabemos, o problema é: apesar do Ministro da Justiça preferir a morte a ser preso no atual sistema prisional, não há o devido investimento no setor. Ou seja, a impunidade ganha mais um aliado, pois se não há onde colocar o condenado, por que condená-lo? Isso já aconteceu no Rio Grande do Sul.

Acredite: se algo há muito ruim, não se preocupe, pode piorar. A questão da justiça brasileira parece ser um desses casos, graves.

Cadê o Papa? Nem ele temos mais; não aguentou as pressões.

Vou reclamar para quem? Pra você, ora!

Ia esquecendo: a campanha presidencial já começou.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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