Quinta-feira, 12 de abril de 2018 - 05h09
Por Dr. Paulo Roberto de Gouveia Medina (*)
Agradecimentos de praxe…
Sinto-me realizado, como velho advogado e professor de Direito, a cada oportunidade que se me oferece de falar a jovens colegas. Aqui estive, a primeira vez, há sessenta anos, quando, primeiranista de Direito, para participar de um Concurso Nacional de Oratória.
Voltei, depois, diversas vezes, a esta bela cidade. E retorno, agora, comemorando esses sessenta anos de contato com a capital potiguar, tendo a feliz oportunidade de falar a jovens advogados brasileiros.
Gostaria de destacar a circunstância de que não é um velho advogado, que, tendo sido Conselheiro Federal da Ordem por vinte anos, ocupa neste momento a tribuna, mas é o mesmo jovem aspirante a advogado, do final dos anos 50, do último século, que aqui está, novamente (aplausos).
Com o mesmo espírito, com o mesmo ânimo, com o mesmo ideal, com que, então, antevia o caminho que haveria de palmilhar.
Venho, naturalmente, com responsabilidade de falar-lhes sobre os desafios da conduta profissional, no painel dedicado aos desafios do primeiro escritório.
Couture (Eduardo Couture), o grande processualista uruguaio, dizia em “Os dez mandamentos do advogado”, que “a tentação passa sete vezes por dia pela porta do advogado”.
Realmente, são muitas as tentações, nesse mundo de disputas e de anseios crescentes por um novo status social ou por uma nova posição patrimonial, que rondam a porta do advogado. E nós não podemos sucumbir a essas tentações, sob pena de amesquinhar a advocacia ou pôr em risco a nossa reputação profissional.
Daí, a preocupação que haveremos de ter com a nossa conduta. Ter uma conduta ética irreprochável é mais importante do que professar uma fé, do que ter uma religião.
Não sou agnóstico, nem prego distanciamento dos valores espirituais. Quero dizer apenas que o homem pode viver sem religião, mas não pode viver sem ética. É a ética que nos conduz a um fim da vida. É a ética que dá sentido à vida humana. Viver eticamente é caminhar em busca da felicidade, como já dizia Aristóteles. E exercer uma profissão eticamente é ter consciência da sua importância, dos fins a perseguir na militância profissional.
Por isso, a ética profissional, em qualquer setor da atividade humana, é fundamental.
Mas particularmente no exercício das profissões liberais, ela se reveste de especial importância.
Também o empresário está sujeito a uma conduta ética, mas é o profissional liberal, aquele que exerce a sua atividade com o emprego dos recursos espirituais, quem tem um compromisso ético mais rigoroso.
Nós nos filiamos à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para exercer a profissão, porque o Estado confiou à nossa Ordem, o poder de polícia administrativa sobre a profissão do advogado. E a Ordem tem a responsabilidade de exigir de seus inscritos uma conduta ética pautada segundo determinadas normas que ela estabelece.
Essas normas se contêm no Código de Ética e Disciplina. Vigora desde de 1º de setembro de 2016, o terceiro Código de Ética da Advocacia. O primeiro surgiu em 1934, na gestão do presidente Levi Carneiro (primeiro presidente da OAB), nos albores da nossa entidade de classe, uma vez que esta foi criada em 1930. Vigorou o primeiro código de ética e disciplina durante 61 anos, sendo substituído em 1995, na gestão do presidente José Roberto Batochio, já na vigência do segundo Estatuto da Advocacia, em em 1995.
A vigência do segundo Código compreendeu um período correspondente a apenas um terço daquele em que vigorou o primeiro.
Não é de estranhar essa circunstância. A evolução dos fatos sociais e de todos os recursos e instrumentos da humanidade nos últimos anos tem obedecido a uma progressão geométrica. Os fatos mudam, as circunstâncias se transformam de tal modo, que é natural que tenhamos de adaptar-nos a essas transformações num período mais
reduzido do que antes.
Ouvimos duas exposições, há pouco, sobre a nova dimensão da advocacia, que se traduz no exercício da profissão por meio de sociedades de advogados. A advocacia deixou de ser exercida em caráter artesanal, como ocorria na vigência do primeiro Código de
Ética, para exigir hoje a organização dos profissionais em sociedades, buscando alcançar o êxito profissional perseguido.
Por isso e por várias outras razões, sendo de acrescentar, ainda, as circunstâncias que estavam exigindo um processo ético disciplinar mais célere e mais sintonizado com as garantias constitucionais da defesa e do contraditório, foi que, apenas vinte anos depois do segundo Código, se partisse para a elaboração um terceiro Código de Ética e Disciplina.
Tive eu a grata responsabilidade de ser o relator do anteprojeto desse novo Código, e de atuar, depois, em plenário, como relator da sistematização final do texto respectivo.
Quis o destino que eu tivesse oportunidade de participar também da elaboração do Código anterior, como aliás foi dito na minha apresentação. E já naquela época recebia de um grande advogados e um paradigma dos criminalistas brasileiros Evandro Lins e Silva incentivo, no sentido de que elaborasse eu, nos idos 1994-1995, um substitutivo ao projeto do Código, então apresentado ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados.
Não podendo faze-lo, dei, então, minhas achegas modestas ao trabalho de elaboração do segundo Código, propondo a inserção, nele, de um preâmbulo, que ainda hoje subsiste quase nos mesmo termos da minha proposta originária.
O novo Código de Ética surgiu na gestão de um grande líder da classe, que se notabilizou como líder da jovem advocacia, Marcos Vinicius Furtado Coelho. O nosso querido Marcos Vinicius costuma dizer, e já escreveu isso, que eu sou o Pai do Código de Ética. Atribuo tal qualificação a um rasgo de generosidade tão peculiar àquele nosso distinto colega e valoroso bâtonnier.
Mas ao tratar do Código de Ética gostaria, antes de tudo, de dizer, que não sou propriamente responsável por tudo que nele contém. Aliás, em tom de blague ou boutade, eu tenho dito que, se eu sou pai do Código de Ética, tenho, então, um filho rebelde (risos). Porque há muita coisa nesse Código que não corresponde exatamente aos meus anseios ou não condiz com o que eu propusera.
Destaco o capítulo de honorários. E aí eu tenho talvez uma responsabilidade por omissão. Diria, minha culpa, minha máxima culpa, porque no final de um domingo, numa das muitas sessões realizadas para discutir o projeto, já cansado e sem paciência, perdi a paciência e as condições necessárias para continuar trabalhando, ao perceber que o projeto estava sendo desfigurado, com propostas de improviso surgidas no plenário. E que omitiam disposições importantes como a definição do pacto de “quota litis” ou como a disposição que previa a exigência de que o advogado se faça representar por outro advogado, ao cobrar judicialmente seus honorários. E ainda a que disciplinava a compatibilização indispensável entre os honorários de sucumbência e os honorários
contratuais.
E aí, afastando-me, já cansado e com um certo mal-estar, eu não insisti como devia na manutenção daquele texto original que nós, da Comissão Especial, havíamos proposto.
Mas meus tão caros colegas, meus queridos colegas jovens advogados e advogados, não podendo falar de todos os aspectos do novo Código, gostaria de destacar três temas.
O primeiro diz respeito ao capítulo das relações do advogado com o cliente. Insisto em lembrar a etimologia da palavra cliente, que deriva de cliens, clientis, do latim, e que é um termo relacionado à confiança e à proteção.
Torne-se cliente de um profissional e entregue-lhe os seus interesses, confiando na sua lealdade. Era o que dizia o dicionarista latino, comentando a etimologia da palavra e explicando o sentido da frase fazer-se de alguém. Cliente associa-se à confiança. Cliente não é um freguês que procura ao acaso determinada mercadoria em uma loja. O cliente procura o profissional, porque nele pode depositar a sua confiança ou colocar-se sob sua proteção.
E assim é significativo observar que o cliente procura o advogado, e não o contrário.
Ad-vocatus, aquele que é chamado. Essa é a etimologia da palavra advogado.
Mas o cliente, confinando ao advogado sua causa, entrega-lhe a condução dessa causa.
E o advogado, a partir da outorga da procuração, não pode comportar-se como um mandatário comum, que cumpre apenas a vontade do mandante ou do constituinte.
O advogado constituído como tal, torna-se o patrono. E patrono é aquele que conduz, que dirige. O advogado não pode, portanto, sujeitar-se à vontade do cliente, no que diz respeito à sua defesa, à condução da causa.
Até mesmo como advogado público, como consultor de um órgão público, o advogado deve preservar sua independência.
Digo nos meus comentários ao Código, aproveitando uma observação de ilustre jurista e diplomata brasileiro Gilberto Amado, que Clóvis Beviláquia, grande autor do nosso primeiro Código Civil, que, na verdade, só exerceu a advocacia no plano consultivo, como Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, dizia até mesmo ao Barão do Rio Branco: “politicamente, isso poderá ser feito, mas juridicamente não está correto”.
E assim se opôs a atos de arbítrio como o do ditador Getúlio Vargas, no seu governo provisório, quando chegou a cogitar de bombardear São Paulo, na Revolução Constitucionalista de 1932. Essa é a têmpera do advogado em qualquer circunstância e qualquer posição: a de ser, ele sim, quem diz como deve ser aplicado o Direito.
Outro tema — o segundo — que gostaria de comentar, um tema muito sensível às preocupações do jovem advogado, objeto, aliás, de largas discussões no Conselho Federal, quando se debatia o projeto do Código de Ética, é o tema da publicidade.
Poderão talvez os nossos jovens colegas, sobretudo depois de ouvir as exposições sobre sociedades de advogados feitas, com tanto brilho, pelo nosso caríssimo Cajé e pela Dra.
Lara Selen, poderão os nossos colegas perguntar: nesse novo cenário da advocacia, não seria necessário que o advogado comece a desenvolver uma publicidade mais agressiva?
Não estaria o Código de Ética, nesse ponto, perdendo sintonia com as exigências dos novos tempos?
Cabe observar, meus caros colegas, que relativamente à publicidade profissional, há dois modelos básicos: o modelo francês, que prima pela discrição, no qual a publicidade tem caráter meramente informativo — e não persuasivo. E o modelo americano, que admite uma publicidade ostensiva, permitindo até mesmo que o advogado faça publicidade na televisão.
Deve-se observar que nos Estados Unidos se evoluiu para esse tipo de publicidade agressiva, por conta de uma decisão da Corte Suprema de 1977, julgando um caso do Estado do Arizona, que era mais rigoroso no controle da publicidade. E os Estados Unidos passaram a admitir uma publicidade mais agressiva em nome da livre manifestação do pensamento.
No Brasil, todavia, nós sempre nos filiamos ao modelo francês. Penso que não seria o momento de substituí-lo por outro.
Suscitou-se no Conselho Federal o possível interesse do jovem advogado em promover uma publicidade mais agressiva. Isso foi levado em consideração no debate. Chegou-se, porém, à conclusão, de que o jovem advogado estaria nesse campo em desigualdade de armas com os grandes escritórios, as grandes sociedades de advogados, se se abrisse demasiadamente a possibilidade de uma publicidade agressiva, com verdadeiro sentido de propaganda. E a propaganda se distingue da publicidade – é importante notar –, exatamente porque a propaganda é quase sempre mais ostensiva.
Por outro lado é preciso considerar que o Código de Ética é norma regulamentar. Diria, o Código de Ética é lei no âmbito material, não pode fugir, pois, ao figurino da lei formal, que preordena a sua elaboração, ou seja, o Estatuto da Advocacia, Lei n. 8.906/1994.
O Estatuto da Advocacia, em seu art. 34, III, diz que constitui infração disciplinar valer-se o advogado de agenciador de causas mediante participação nos honorários a receber.
E no inciso seguinte, o IV, veda expressa e taxativamente, angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros.
Pois bem. Em face disso, nós não poderíamos ir muito além na disciplina da publicidade. Mas houve algumas inovações um tanto avançadas, com o advento do uso da informática, do patrocínio de eventos, como esse, por sociedade de advogados, do uso de placas de escritórios, até mesmo luminosas, continuando a vedar-se, no entanto, o uso de outdoor, de anúncios luminosos fora da sede do escritório.
Hoje, me mostraram um vídeo de propaganda de um escritório de jovens advogados do Rio Grande do Sul que é verdadeiramente um escândalo. É um carnaval que se faz em torno da propaganda, no recinto de um escritório. Sei que a OAB já está com um processo aberto a esse respeito.
Um advogado que dá uma entrevista fora do seu escritório, armando um cenário para a divulgação da sua sociedade, está violando o Código de Ética. Isso não significa que não devamos ter em conta a circunstância de que hoje a advocacia é exercida por grandes sociedades, o que não retira o caráter pessoal da responsabilidade de cada advogado pelo comportamento ético.
Mas, acredito que as normas que o Código de Ética introduziu como inovação no seu texto atendam satisfatoriamente aos objetivos de facilitar a divulgação dos serviços profissionais.
Com relação aos honorários – terceiro ponto desta exposição -, gostaria de dizer que a regra básica é de serem eles fixados com moderação. O advogado deve evitar, nesse particular, dois riscos: o abuso no cobrança de honorários e o aviltamento dessa mesma cobrança. São dois fatores a considerar na fixação dos honorários. Tanto o abuso quanto o aviltamento pode caracterizar infração ética, segundo o Código.
Apesar de todos percalços e a despeito da representação, a esse respeito, com que nos tenta constranger, no momento, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE, o advogado deve observar as tabelas aprovadas pelas Seccionais da Ordem, que fixam o mínimo para cada ação ou trabalho profissional.
Meus caros amigos, gostaria de concluir observando que a preservação de uma conduta ética incensurável, é importante do ponto de vista do trabalho profissional de cada um.
Mas é importante, acima de tudo, a preservação da dignidade profissional da classe.
Não nos iludamos, a advocacia é ainda mal vista por muitos setores da sociedade. Aliás, por espantoso que isso seja, a advocacia é mal vista dentro do nosso meio. Até por
juízes e membros do Ministério Público.
Costumo recordar os versos de um grande poeta de minha cidade, nacionalmente conhecido, Belmiro Braga, a respeito da advocacia. Belmiro Braga foi escrivão ou tabelião, fez, então, alguns versos satirizando o meio jurídico. Numa delas ele se refere aos advogados assim: “perito em todas as artes / é o anjo bom dos incautos / começa
enganando as partes / e acaba furtando os autos”. (Muitos aplausos e risos).
É uma sátira, mas que diz muito do que o imaginário popular costuma pensar acerca da nossa profissão.
Para preservar a dignidade da advocacia, para valorizar o advogado, nós devemos ter consciência de que só há um caminho para obter a felicidade na vida: uma conduta ética e correta.
(*) Degravação, e foto por Sérgio Ramos, da palestra proferida pelo Dr. Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Professor Emérito da UFJF e Titular da Medalha Rui Barbosa, na II Conferência Nacional da Jovem Advocacia, no painel “Os desafios do primeiro escritório”, realizada em Natal/RN, no dia 22/03/2018.
Eu e o Ilustríssimo Professor Dr. Paulo Medina, logo após a sua fundamental palestra.
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