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Sérgio Ramos

O direito à arte, artistas e produtores


 Por Sérgio Ramos

Lendo a coluna “Lenha na Fogueira”, do dia 07/06/2013, do incansável Zé Katraca, encontrei o seguinte texto: “O estatuto do idoso, atualmente, limita-se a assegurar às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos desconto de 50% nos ingressos para eventos culturais, esportivos, artísticos e de lazer. A gratuidade ampliará os direitos dos idosos, visando economia a estas pessoas que de alguma maneira contribuem ou já contribuíram para a receita do município além de garantir ao idoso uma efetiva reintegração ao meio social, proporcionando melhor qualidade de vida, oferecendo-lhe a oportunidade de desfrutar momentos de entretenimento e amenizando o atual quadro que lhe é imposto pela sociedade.”

Fantástico! Surreal!

Nada, mas nada mesmo contra os idosos, até porque já iniciei a minha etapa de “condor”. O que me fascinou no texto foi a justificativa para a implementação do desconto no valor de ingressos para que idosos possam ter acesso à cultura, arte, esporte e entretenimento.

Começando pelo final do texto. Como se já não bastasse a sociedade – deve se referir à classe média – devidamente definida pela filósofa Marinela Chauí, procurem no Youtube -, que paga a conta – inclusive os salários -, ser a responsável por todas as mazelas, desde a violência à ignorância, ser a culpada também, vejam vocês, pelo quadro que é imposto ao idoso. Será que o “quadro” é a própria velhice? Ou será a proibição imposta pela sociedade ao idoso para esses fins? Gostaria muito de saber que “quadro” é esse.

O que conheço, e muito bem, são as condições da cidade para o simples deslocamentos dos idosos. Uma maravilha. Calçadas sem armadilhas e ônibus confortáveis. Para a saúde, um sistema quase saúde perfeito – afinal, ninguém é perfeito - e remédios baratos. Essa é a parte da prefeitura. Realmente estava faltava uma retratação da sociedade – neste ato representada pelos artistas e produtores -, pelos males causados aos idosos, que a prefeitura, cobra, e com razão. Só estava faltando isso mesmo: permitir o acesso do idoso aos eventos culturais, esportivos, artísticos e de entretenimento. Isso cumprido, o idoso não terá mais nada, mas nada mesmo, do que reclamar.

Essa parte já está resolvida. Ainda bem, ou que bom.

O outro aspecto é relacionado aos artistas e produtores. Os que pagarão a conta, mesmo já pagando impostos, que deveriam ser aplicados na melhoria da qualidade de vida dos idosos, também.

Algumas informações: desde quando comecei a divulgar eventos em Porto Velho, lá nos idos 1999, percebi a dependência total, principalmente dos artistas, pelo minguadíssimo patrocínio do governo. Até eu mesmo, na época, achei que deveria ser assim mesmo.

Acreditava, piamente, que se contribuísse com a cultura de Rondônia, no meu caso divulgando eventos pela internet, tinha que ser financiado pelo governo. Tentei ser financiado pela iniciativa privada, oferecendo espaços de publicidade no site, outdoor e mídia, mas não consegui criar interesse nos empresários em associar suas marcas à cultura e a arte local. Até hoje não sei o porquê. Nem o pessoal do A Fina Flor do Samba sabe.

Esse mesmo fenômeno ocorria com os artistas. Ouvia muito que se sua arte eternizava Rondônia, então deveria ser remunerado pelo governo. Mas sabemos como os patrocínios governamentais ocorrem. Mesmo com legislação sempre são os mesmos os beneficiados.

Depois descobri que os artistas, de modo geral, simpatizam com as ideias socialistas. Todos muito sonhadores; políticos e artistas. Veio então 2002 e uma nova perspectiva para os artistas e produtores. Afinal, todos apoiaram os novos tempos. Assim, como os demais que ajudam nas campanhas, sendo vitoriosa, surgem então o tão sonhado crédito. A recompensa. Afinal, militância é trabalho, precisa ser remunerado.

No livro Lobão – Manifesto do Nada na Terra do Nunca, Lobão conta, com propriedade, histórias assim. Por gostar de “roquenrou”, foi taxado, agora mais ainda, de reacionário, alienado, entreguista, burro, e que não conseguiria comer ninguém. Isso nos tempos de colégio. O certo era ser como ele diz “contrair a tal síndrome de dignidade intelectual, que consistia numa obsessão doentia por ser conscientizado, politizado e culto, em total repúdio ao que não era ‘sofisticado, engajado, brasileiro, latino-americano’, ou seja,  no caso, o rock.” Era já era o persistente antiamericanismo.

Foi também tratado assim: “Quem é você, seu roqueiro, para falar de MPB, choro, bossa nova...!?” E era induzido, segundo o autor a “cultivar a ideia de que o pobre é o grande, original e único produtor relevante de cultura no Brasil.” A tal cultural regional, a identidade cultural.

Confesso que não conhecia o Manifesto antropofágico, do Oswald de Andrade, que defendia que os brasileiros só consumissem arte tupiniquim e ignorassem o que vinha do estrangeiro. Em alguns países isso ainda é proibido. Lendo sobre isso lembrei-me do filme Narradores de Javé. A caiu “os créditos”, antes conhecido como ficha: esse manifesto é um dos responsáveis pela aversão da cultura estrangeira e pela obsessiva procura da “identidade cultural”. Nunca consegui uma explicação definitiva para isso. Mas deve existe, pois a procura continua.

Depois de muitas idas e vindas, o Lobão começou a entender como as coisas na cultura funcionam – e com muito mais vigor nestes tempo -, e desabafou: “Fomos criados na prática do pistolão, da opressão ideológica, do coronelato e do jabá. Quem não está enquadrado dança.”

Lembro-me que em 2004, participei do I Seminário Cultural da Amazônia, realizado em abril, em Belém/PA. Lá ouvi a expressão: “canibalismo cultural”, que significava a disputa de artistas pelos seletivos recursos financeiros do governo.

Por fim o Lobão se declara uma besta quadrada. Motivo: descobriu que o seu crédito de campanha nunca será pago. O que ele queria? Segundo a ‘besta quadrada’, queria que os recursos financeiros do governo fossem realmente aplicados em oportunidades para novos talentos. Que os discos fossem numerados, pois segundo o autor, as gravadoras exploravam os artistas, uma vez que esses nunca sabiam quantos discos realmente tinham sido vendidos.

Acreditando que a dupla Gil & Caetano sempre fizeram parte da ‘administração’ da música brasileira, ou melhor, do controle da música brasileiro, foi demais para o Lobão suportar o Gil ministro. E ele tinha razão. Mesmo com leis garantido recursos para Norte e Nordeste, numa tentativa de socialização dos recursos, o que se tem são notícias de que os grandes e engajados artistas continuam tendo privilégios com somas cada vez mais altas.

Esse modelo também continua por aqui, claro.

Se é assim, é muito justo o governo compartilhar um pouco dessa grana garantido a ‘efetiva reintegração ao meio social’ dos idosos, que já contribuíram e contribuem para a receita do município, que é liberada para os artistas e produtores, e agora – com justiça – retornando aos idosos. É Realmente tudo muito justo.

Os artistas de Porto Velho sempre foram convidados pelos governos a participar de eventos, de graça, sob o pretexto de que o governo está oferecendo uma grande oportunidade. Dependo do evento, era oportunidade para uns e negócios para outros. Talvez na esperança de entrar o seleto grupo.

Por que tudo isso? É simples. O mesmo governo que quer inviabilizar ainda mais os artistas, é o mesmo que contou com seus apoios em campanhas. O Lobão disse que fazia campanha só pelas as despesas e pelas políticas culturais futuras. Aqui também foi assim. Lá centro não deu certo, aqui, na periferia parece que também não.

Outra justificativa para que os idosos tenham acesso à cultura, esporte, arte e lazer, é porque contribuíram para a receita dos municípios. Ainda bem que há esse reconhecimento. Entretanto, o retorno dessa contribuição, como podemos facilmente observar, está no valor da aposentadoria, na facilidade de deslocamento e assistência à saúde. Estava faltando mesmo só o acesso a cultura, esporte, arte e entretenimento. Quem são os culpados por isso? A sociedade representados pelos artistas e produtores, que ganham muito dinheiros com seus eventos culturais, esportivos, artísticos e de entretenimento. Muito justo.

O texto se refere primeiramente em descontos de 50%, depois fala em gratuidade. Afinal, é meia ou ‘0800’? Se for o segundo pior para os artistas e produtores. Afinal, os idosos lotarão os eventos culturais, esportivos, artísticos e de entretenimento, pois a medida contribuirá para “uma efetiva reintegração ao meio social, proporcionando melhor qualidade de vida (...).”

O Zé Katraca encerrou a sua coluna com a seguinte frase: “Isso não é política, é demagogia pura.”

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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