Sábado, 29 de junho de 2024 - 08h30
A democracia voltou a ser ameaçada no país
cujo nome é uma homenagem a Símon Bolívar, o Libertador das Américas. Com essa
última quartelada, já são 194 tentativas de golpe na sua história, dizem os
pesquisadores.
A última tentativa de golpe foi liderada na
semana em curso, pelo, agora ex-comandante do Exército, Juan José Zúñiga,
afastado e preso após ameaçar deter o ex-presidente Evo Morales. O presidente
da Bolívia, Luis Arce, destituiu os chefes das forças armadas e nomeou novos
comandantes, desmobilizando o levante dos militares golpistas.
O Golpe de Estado na Bolívia em 1980 foi
articulado por forças militares e paramilitares lideradas por Luís García
Meza e Luís Arce Gómes, que em 17 de julho de 1980 derrubaram a presidente Lidia Gueiler,
impedindo a posse de Hernán Siles Suazo, eleito presidente. O
evento ficou conhecido como Golpe da Cocaína, devido ao envolvimento de
criminosos e narcotraficantes na ação.
Foi nesse golpe que eu fui em cana por ter
feito um discurso em favor da democracia numa via pública de La Paz! Fui preso
por um capitão do exército boliviano! Já recolhido numa cela do batalhão
militar, me lembrei que, uma semana antes de golpe, tinha visitado a embaixada
do Brasil com um amigo cujo pai era amigo do embaixador. Na despedida, o
embaixador nos deu dois cartões oficiais da embaixada. Então, eu mostrei
o cartão oficial da embaixada ao capitão boliviano e disse que era amigo do
embaixador. Ele, de pronto, mandou me soltar e checou se realmente eu estava
hospedado regularmente num hotel em La Paz. Em seguida, o Regime Militar decretou
saída obrigatória dos estrangeiros do país em 24 horas, e eu fui para o Peru,
passando pelo Lago Titicaca!
Antes disso, porém, enquanto acontecia o Golpe
Militar na Bolívia, em 1980, morria no Brasil o poeta Vinícius de Moraes.
A uma altitude de aproximadamente 3.650 metros
acima
do nível do mar, com o coração enternecido e triste, vi pela TV
boliviana uma reportagem sobre a passagem do grande poeta e compositor. No
saguão do hotel havia estrangeiros de diversas partes do mundo, todos muito
sensibilizados com a notícia da morte do poeta.
Ao final da reportagem, um brasileiro convidou
a todos para ir ao seu quarto no terceiro andar do hotel. Gente de todos os
quadrantes da terra compareceu ao "velório musical" do poeta,
cantando e solfejando suas letras e canções sob os acordes do meu violão
bossa-novista da época.
E foi assim que, em meio a um grande rio de
emoções e canções de Toquinho e Vinícius, presos ao circuito do hotel em razão
do toque de recolher do Regime Militar, nós choramos com lágrimas
internacionais a morte do grande poeta!
La fora, as baionetas cantavam, cuspindo
mortíferos pássaros de fogo contra o povo de La Paz! Dentro do hotel, soavam os
acordes dissonantes do meu violão e cantavam os libertários sedentos de
democracia e dignidade! Foi um duelo não declarado entre a Tirania e a
Poesia! Os tiranos, todos sabem, perderam a guerra e se retiraram para
seus quartéis! A poesia pegou carona nas asas del Condor Passa e peregrinou por
sobre os altos e baixos do relevo boliviano anunciando que é chegada a hora de
construirmos um novo tempo para todos!
E assim vivemos uma madrugada de mil e uma
noites em pleno platô geográfico da América Latina!
Já amanhecia o dia quando entoamos a canção
saideira, que dizia: E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso
cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade...
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