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Serpa do Amaral

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta


As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta - Gente de Opinião

A democracia voltou a ser ameaçada no país cujo nome é uma homenagem a Símon Bolívar, o Libertador das Américas. Com essa última quartelada, já são 194 tentativas de golpe na sua história, dizem os pesquisadores. 

A última tentativa de golpe foi liderada na semana em curso, pelo, agora ex-comandante do Exército, Juan José Zúñiga, afastado e preso após ameaçar deter o ex-presidente Evo Morales. O presidente da Bolívia, Luis Arce, destituiu os chefes das forças armadas e nomeou novos comandantes, desmobilizando o levante dos militares golpistas. 

O Golpe de Estado na Bolívia em 1980 foi articulado por forças militares e paramilitares lideradas por Luís García Meza e Luís Arce Gómes, que em 17 de julho de 1980 derrubaram a presidente Lidia Gueiler, impedindo a posse de Hernán Siles Suazo, eleito presidente. O evento ficou conhecido como Golpe da Cocaína, devido ao envolvimento de criminosos e narcotraficantes na ação. 

Foi nesse golpe que eu fui em cana por ter feito um discurso em favor da democracia numa via pública de La Paz! Fui preso por um capitão do exército boliviano! Já recolhido numa cela do batalhão militar, me lembrei que, uma semana antes de golpe, tinha visitado a embaixada do Brasil com um amigo cujo pai era amigo do embaixador. Na despedida, o embaixador nos deu dois cartões oficiais da embaixada. Então, eu  mostrei o cartão oficial da embaixada ao capitão boliviano e disse que era amigo do embaixador. Ele, de pronto, mandou me soltar e checou se realmente eu estava hospedado regularmente num hotel em La Paz. Em seguida, o Regime Militar decretou saída obrigatória dos estrangeiros do país em 24 horas, e eu fui para o Peru, passando pelo Lago Titicaca!  

Antes disso, porém, enquanto acontecia o Golpe Militar na Bolívia, em 1980, morria no Brasil o poeta Vinícius de Moraes. 

A uma altitude de aproximadamente 3.650 metros acima do nível do mar, com o coração enternecido e triste, vi pela TV boliviana uma reportagem sobre a passagem do grande poeta e compositor. No saguão do hotel havia estrangeiros de diversas partes do mundo, todos muito sensibilizados com a notícia da morte do poeta. 

Ao final da reportagem, um brasileiro convidou a todos para ir ao seu quarto no terceiro andar do hotel. Gente de todos os quadrantes da terra compareceu ao "velório musical" do poeta, cantando e solfejando suas letras e canções sob os acordes do meu violão bossa-novista da época.  

E foi assim que, em meio a um grande rio de emoções e canções de Toquinho e Vinícius, presos ao circuito do hotel em razão do toque de recolher do Regime Militar, nós choramos com lágrimas internacionais a morte do grande poeta!

La fora, as baionetas cantavam, cuspindo mortíferos pássaros de fogo contra o povo de La Paz! Dentro do hotel, soavam os acordes dissonantes do meu violão e cantavam os libertários sedentos de democracia e dignidade! Foi um duelo não declarado entre a Tirania e a Poesia! Os tiranos, todos sabem, perderam a guerra e se retiraram para seus quartéis! A poesia pegou carona nas asas del Condor Passa e peregrinou por sobre os altos e baixos do relevo boliviano anunciando que é chegada a hora de construirmos um novo tempo para todos! 

E assim vivemos uma madrugada de mil e uma noites em pleno platô geográfico da América Latina! 

Já amanhecia o dia quando entoamos a canção saideira, que dizia: E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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