Quinta-feira, 8 de novembro de 2012 - 12h28
Parece que as críticas dirigidas ao Estado Penal no Brasil, especialmente a partir dos exemplos tomados de São Paulo, são ações subversivas, de gente que apoiaria os criminosos e tantas balelas quantas possam ser pensadas.
Mas, basta-nos tomar os casos concretos para saber, com realismo – e não pela repetição das velhas cantilenas, ideologias e juízos de valor formados no regime militar –, que o Estado concorreu em concurso para os recentes crimes e estado de violência perpetrados contra os próprios policiais.
Não se trata nem de avaliar a tentativa de jogo de escapismo do governo, meio no estilo do Barão de Münchhausen que queria sair da areia movediça puxando pelos próprios cabelos, mas sim os fatos concretos. Tomemos alguns exemplos: 1) os criminosos que assassinam policiais em São Paulo ganham promoção na hierarquia da facção criminosa; 2) teriam estipulado chegar a 111 homicídios; 3) os líderes transferidos para os regimes de RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) ganham status na organização criminosa.
Vejamos: a) os mais jovens integrantes da facção ou os criminosos devedores ao próprio grupo, têm duas formas de pagar suas dívidas: com a vida ou prestando serviços. Neste caso, os serviços prestados seriam a eliminação dos 111 policiais, até o final de 2012. Mas, por que 111 mortes? Seria um número cabalístico, do tipo 666?
Ocasionalmente, não. Trata-se de uma referência direta aos 111 presos assassinados no Carandiru, em 1992. Como se sabe, esta facção surgiu como resposta à ação mortífera do Estado, em que mais de 111 presos foram mortos, muitos trancados em suas celas e escondidos embaixo das camas. Então, assassinando 111 policiais, o crime organizado estaria relembrando os fatos passados.
Do mesmo modo, desde 2003, quando se criou o RDD (nº 10.792), o Estado Penal tem agido como recurso adicional de repressão e atemorização. Para suportar a pena, o crime organizado fez o que qualquer um de nós faria: transformar o limão em limonada.
O RDD deveria ser uma pena cruel, um castigo extra, para os presos selecionados, mas serviu de motivação, de status funcional. Afinal, somente os mais bandidos, os mais cruéis, os mais violentos, as lideranças mais obstinadas seriam condenadas pelo Estado a este regime. Teriam de provar que merecem estar no topo da cadeia alimentar criminosa.
A exemplo dos integrantes do PCC que virão para Porto Velho, só os mais fortes passariam no teste, apenas os predestinados ao comando-geral sobreviveriam à “fábrica de loucos” (expressão atribuída a Fernandinho Beira-Mar quando esteve no RDD).
Como na vida civil e profissional, em que procuramos as promoções, a destinação de tarefas mais nobres e compensatórias financeiramente, no crime organizado não é diferente. Os seus integrantes procuram “melhorar” sua vida e de suas famílias – a facção em questão, inclusive, tem seguro financeiro para as famílias dos líderes que estão presos.
Não se trata aqui de nenhum tipo de justificativa, mas sim de indicar que o Estado Penal já provou com sobras que a política de repressão e de vingança pública, negando-se os direitos humanos fundamentais, não produzirá nada de útil. Foi assim no passado, com a criação do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e é assim com o PCC, em São Paulo – aliás, unidos no estatuto regulamentar da ação criminosa.
Em suma, receberemos realmente a elite do crime organizado, apenas os que ganharam o “prestígio” de frequentar os regimes prisionais mais duros.
Abaixo, o rap criado após o massacre do Carandiru. Como diz a música, “quem vai acreditar no meu depoimento”?
Diário De Um Detento
"São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã.
Aqui estou, mais um dia.
Sob o olhar sanguinário do vigia.
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de
uma HK.
Metralhadora alemã ou de Israel.
Estraçalha ladrão que nem papel.
Na muralha, em pé, mais um cidadão José.
Servindo o Estado, um PM bom.
Passa fome, metido a Charles Bronson.
Ele sabe o que eu desejo.
Sabe o que eu penso.
O dia tá chuvoso. O clima tá tenso.
Vários tentaram fugir, eu também quero.
Mas de um a cem, a minha chance é zero.
Será que Deus ouviu minha oração?
Será que o juiz aceitou a apelação?
Mando um recado lá pro meu irmão:
Se tiver usando droga, tá ruim na minha mão.
Ele ainda tá com aquela mina.
Pode crer, moleque é gente fina.
Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá...
Tanto faz, os dias são iguais.
Acendo um cigarro, e vejo o dia passar.
Mato o tempo pra ele não me matar.
Homem é homem, mulher é mulher.
Estuprador é diferente, né?
Toma soco toda hora, ajoelha e beija os pés,
e sangra até morrer na rua 10.
Cada detento uma mãe, uma crença.
Cada crime uma sentença.
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima,
sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio,
sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo.
Misture bem essa química.
Pronto: eis um novo detento
Lamentos no corredor, na cela, no pátio.
Ao redor do campo, em todos os cantos.
Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã...
Aqui não tem santo.
Rátátátá... preciso evitar
que um safado faça minha mãe chorar.
Minha palavra de honra me protege
pra viver no país das calças bege.
Tic, tac, ainda é 9h40.
O relógio da cadeia anda em câmera lenta.
Ratatatá, mais um metrô vai passar.
Com gente de bem, apressada, católica.
Lendo jornal, satisfeita, hipócrita.
Com raiva por dentro, a caminho do Centro.
Olhando pra cá, curiosos, é lógico.
Não, não é não, não é o zoológico
Minha vida não tem tanto valor
quanto seu celular, seu computador.
Hoje, tá difícil, não saiu o sol.
Hoje não tem visita, não tem futebol.
Alguns companheiros têm a mente mais fraca.
Não suportam o tédio, arruma quiaca.
Graças a Deus e à Virgem Maria.
Faltam só um ano, três meses e uns dias.
Tem uma cela lá em cima fechada.
Desde terça-feira ninguém abre pra nada.
Só o cheiro de morte e Pinho Sol.
Um preso se enforcou com o lençol.
Qual que foi? Quem sabe? Não conta.
Ia tirar mais uns seis de ponta a ponta (...)
Nada deixa um homem mais doente
que o abandono dos parentes.
Aí moleque, me diz: então, cê qué o quê?
A vaga tá lá esperando você.
Pega todos seus artigos importados.
Seu currículo no crime e limpa o rabo.
A vida bandida é sem futuro.
Sua cara fica branca desse lado do muro.
Já ouviu falar de Lucífer?
Que veio do Inferno com moral.
Um dia... no Carandiru, não... ele é só mais um.
Comendo rango azedo com pneumonia...
Aqui tem mano de Osasco, do Jardim D'Abril, Parelheiros,
Mogi, Jardim Brasil, Bela Vista, Jardim Angela,
Heliópolis, Itapevi, Paraisópolis.
Ladrão sangue bom tem moral na quebrada.
Mas pro Estado é só um número, mais nada.
Nove pavilhões, sete mil homens.
Que custam trezentos reais por mês, cada.
Na última visita, o neguinho veio aí.
Trouxe umas frutas, Marlboro, Free...
Ligou que um pilantra lá da área voltou.
Com Kadett vermelho, placa de Salvador.
Pagando de gatão, ele xinga, ele abusa
com uma nove milímetros embaixo da blusa.
Brown: "Aí neguinho, vem cá, e os manos onde é que tá?
Lembra desse cururu que tentou me matar?"
Blue: "Aquele puta ganso, pilantra corno manso.
Ficava muito doido e deixava a mina só.
A mina era virgem e ainda era menor.
Agora faz chupeta em troca de pó!"
Brown: "Esses papos me incomoda.
Se eu tô na rua é foda..."
Blue: "É, o mundo roda, ele pode vir pra cá."
Brown: "Não, já, já, meu processo tá aí.
Eu quero mudar, eu quero sair.
Se eu trombo esse fulano, não tem pá, não tem pum.
E eu vou ter que assinar um cento e vinte e um."
Amanheceu com sol, dois de outubro.
Tudo funcionando, limpeza, jumbo.
De madrugada eu senti um calafrio.
Não era do vento, não era do frio.
Acertos de conta tem quase todo dia.
Tem outra logo mais, eu sabia.
Lealdade é o que todo preso tenta.
Conseguir a paz, de forma violenta.
Se um salafrário sacanear alguém,
leva ponto na cara igual Frankestein
Fumaça na janela, tem fogo na cela.
Fudeu, foi além, se pã!, tem refém.
Na maioria, se deixou envolver
por uns cinco ou seis que não têm nada a perder.
Dois ladrões considerados passaram a discutir.
Mas não imaginavam o que estaria por vir.
Traficantes, homicidas, estelionatários.
Uma maioria de moleque primário.
Era a brecha que o sistema queria.
Avise o IML, chegou o grande dia.
Depende do sim ou não de um só homem.
Que prefere ser neutro pelo telefone.
Ratatatá, caviar e champanhe.
Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe!
Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo...
quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio!
O ser humano é descartável no Brasil.
Como modess usado ou bombril.
Cadeia? Claro que o sistema não quis.
Esconde o que a novela não diz.
Ratatatá! sangue jorra como água.
Do ouvido, da boca e nariz.
O Senhor é meu pastor...
perdoe o que seu filho fez.
Morreu de bruços no salmo 23,
sem padre, sem repórter.
sem arma, sem socorro.
Vai pegar HIV na boca do cachorro.
Cadáveres no poço, no pátio interno.
Adolf Hitler sorri no inferno!
O Robocop do governo é frio, não sente pena.
Só ódio e ri como a hiena.
Ratatatá, Fleury e sua gangue
vão nadar numa piscina de sangue.
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Dia 3 de outubro, diário de um detento."
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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